Flora Vieira
Eu tenho uma ligação bem forte com Your Name, de 2016. Nele, Makoto Shinkai constrói um romance bastante convincente ao mesmo tempo que explora as diferenças entre o Japão antigo e o Japão moderno, resgatando a mitologia japonesa, que se envolve com o clichê da troca de corpos. Em Tenki no Ko ou Weathering With You (2019), seu mais novo trabalho, Shinkai retorna seus olhos para a dicotomia entre tradição e modernidade, dialogando ainda mais com os mitos que rondam o país, ao mesmo tempo que discute sobre aquecimento global e procura retratar uma Tóquio tão deslumbrante quanto a de Your Name, mas mais escura e melancólica.
Quando Hodaka, de 16 anos, foge de casa e decide se mudar para a capital japonesa, a cidade passa por problemas climáticos. A chuva constante transparece os desafios da grande metrópole, que, no começo, rejeita as vontades do garoto de arranjar um emprego ao mesmo tempo que o ignora e o despreza quando ele se vê morando na rua. Ainda na margem, ele conhece Hina, a segunda protagonista dessa história.
A mitologia japonesa dá as caras quando Hodaka consegue o emprego de ‘caça lendas’ – basicamente um caçador de incidentes sobrenaturais que geram conteúdo num site de entretenimento. Em sua primeira caça, ele ouve a lenda das ‘Mulheres do Sol e da Chuva’, que são possuídas por deuses e são capazes de controlar o tempo.
Depois de um reencontro conturbado com Hina, Hodaka descobre que ela é uma dessas mulheres, e propõe que os dois trabalhem juntos levando o sol de volta para alguns pontos da cidade (e claro, nada de graça). A introdução da menina e de seus poderes é orgânica e funciona, mas a dúvida que o filme faz pairar sobre a lenda quando a apresenta me custou algum tempo na compra da ideia.
A relação dos dois, que deveria ser o foco do filme, não convence e não emociona tanto quanto em Your Name. Apesar dos paralelos bem-feitos e dos bons diálogos, a relação perde impacto na adição do irmão de Hina, que sempre acompanha os dois aonde quer que forem: ele é um personagem divertido, mas desvia a atenção e acaba “roubando espaço” do casal principal. O drama do chefe do garoto, Keisune, também é interessante, mas, mais uma vez, pulverizou minha atenção e dificultou minha conexão com os protagonistas.
O terceiro ato depende muito da simpatia criada pelo romance ao longo do filme, então, ao mesmo tempo que tem as melhores cenas e um aprofundamento ainda maior na mitologia do filme, que eu gostei muito, às vezes soa melodramático e sem peso – faltou envolvimento emocional, coisa que, no filme de 2016, eu tive muito mais. O que surpreende mesmo é o final, que conclui a discussão sobre as mudanças climáticas de forma drástica e quase que literal.
Partindo pros aspectos técnicos, o filme é um espetáculo. A animação detalhada e realista, marca registrada dos filmes de Shinkai, faz o dia a dia parecer mais rico e cheio de coisas novas para descobrir, e os momentos contemplativos do filme têm tantos detalhes que é bem fácil se perder sem saber pra onde olhar.
A trilha sonora, composta mais uma vez pelo grupo RADWIMPS, continua marcante e bem bonita, principalmente nas músicas originais, com destaque para Is There Still Anything That Love Can Do. Para estrutura, que é similar ao filme anterior do diretor, a ânsia de encaixar as músicas originais em sequências que indicam alguma atividade, ou passagem do tempo, quebra o ritmo do longa algumas vezes, o que pode incomodar e atrapalhar um pouco mais na imersão do projeto.
Tenki no Ko, no original, é um dos melhores trabalhos de Makoto Shinkai, mas que, preso na sombra de seu antecessor, perde qualidade naquilo que o outro teve de melhor. Apesar disso, ainda consegue apresentar coisas novas e dar seguimento a discussões já iniciadas em trabalhos anteriores, usando a mitologia de forma bastante inventiva, com um final corajoso. Para quem já gosta do trabalho do diretor, o filme vale a pena, e para os que ainda não o conhecem, é uma ótima forma de começar, e muito bem.