Júlia Paschoalino
Após três temporadas de inegável sucesso e uma precoce ameaça de cancelamento, Sob Pressão voltou ao ar com dois episódios especiais. A série, que sempre usou um tom de denúncia social para retratar a realidade da saúde pública brasileira, não podia deixar de contar a sua própria versão da pandemia do novo coronavírus.
O especial se passa em um hospital de campanha da COVID-19. O casal de médicos Evandro (Julio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano), que terminou a última temporada trabalhando em uma missão humanitária no interior do Brasil, é chamado de volta ao Rio de Janeiro para ajudar nos atendimentos contra a doença.
A complexa situação do sistema público de saúde brasileiro, somada à desgastante realidade da pandemia, traz ainda mais tensão para uma série que, mesmo normalmente, contém uma alta carga dramática. Foi um risco convidar o telespectador, já sobrecarregado de conteúdos sobre o vírus, a conhecer uma versão tão mais acentuada da pandemia: a vivida pelos profissionais de saúde dentro dos hospitais.
O primeiro episódio acompanha dois casos de personagens infectados pelo vírus e conta suas histórias com delicadeza, misturando ficção e realidade. A falta de respiradores para atender a todos os pacientes, por exemplo, que leva agonia à equipe médica, foi inspirada em um caso real. Em junho, uma organização social contratada para construir um hospital de campanha no Rio de Janeiro comprou carrinhos de anestesia ao invés de respiradores.
Desde a sua primeira temporada, a série conta com a consultoria do médio Márcio Maranhão, autor do livro Sob Pressão – A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro e, assim, tem muito de seu roteiro baseado em casos verídicos. Essa combinação entre o real e o ficcional torna impossível assistir à produção de uma perspectiva distante. A forma como nós, brasileiros, estamos todos submetidos ao contexto das situações que ali aparecem nos relaciona com a narrativa de modo assustador.
Na trama, a falta de respiradores é resolvida pelo médico Evandro, que faz uma gambiarra para que dois pacientes possam usar o mesmo aparelho. No impulso por salvar vidas, o médico teima em retirar as proteções adequadas e, para o desespero dos fãs, testa positivo para COVID-19. As cenas depois do seu diagnóstico mostram maestria na atuação do casal principal que, mesmo com o rosto quase todo coberto pelas máscaras, consegue, apenas através do olhar, retratar a angústia e o medo que o vírus desconhecido gera até nos profissionais da saúde.
Após lágrimas de ansiedade e cansaço durante a entubação do marido, Carolina é chamada para tirar uma foto para o crachá, e protagoniza o momento mais marcante do especial. A médica tenta deixar o sofrimento de lado para sorrir para a foto, mas seu olhar fala por si só. Com essa cena, Marjorie Estiano, indicada ao Emmy Internacional 2019 pela atuação na segunda temporada da série, emociona o público e o deixa esperando por próximas indicações.
Em seu segundo episódio, Sob Pressão: Plantão Covid, usa do recurso dos flashbacks para contar sobre a opção de Evandro pela medicina. O médico, que passa o episódio entubado na CTI por conta da COVID, aparece 20 anos mais jovem cuidando da saúde de sua mãe, Penha (Fabíula Nascimento). Conhecido por suas gambiarras para enfrentar a frequente falta de equipamentos no SUS, Evandro descobre sua vocação ajudando a operar sua mãe dentro de uma ambulância.
De volta à pandemia, o episódio alerta sobre a irresponsabilidade daqueles que não respeitam o isolamento social, e também sensibiliza ao mostrar o envolvimento emocional dos profissionais da saúde com as histórias dos pacientes. Carolina, mais uma vez, protagoniza cenas comoventes, seja expressando a indignação médica com os que negam o perigo do vírus, ou decidindo participar da cirurgia de emergência que salva a vida de seu marido.
Ao final do especial, a recuperação de Evandro, em meio aos aplausos dos colegas, marca a principal mensagem de Sob Pressão: Plantão Covid: a homenagem aos profissionais da saúde, um pedido pela confiança na ciência e a necessidade da luta constante por um sistema de saúde pública de qualidade.