Gabriel Oliveira F. Arruda
Após uma estreia subestimada em 2016 com seu primeiro álbum de estúdio, Nothing’s Real, a cantora e compositora Shura (Alexandra Denton) volta com um novo álbum e uma nova abordagem musical. A britânica aprimora seu talento para compor batidas densas e pesadas junto com letras profundas e, por vezes, esotéricas: forevher é nada mais, nada menos do que um trabalho de amor.
So you’re coming over
Brooklyn to London
Though I didn’t expect it
Now we’re lying in my bed
Enquanto Nothing’s Real foi fomentado pelo término de um relacionamento e pelo próprio início de sua carreira (a faixa título do álbum narra o ataque de pânico dela ao ser informada do sucesso do single Touch), forevher é movido por um sentimento mais profundo e sóbrio que, ironicamente, produz um disco mais variado e emocionante do que o anterior. forevher é a história de como Shura se apaixonou novamente, e como esse amor a mudou.
Já no primeiro single lançado, BKLYNLDN, ela já havia nos dado uma prévia dos sentimentos que a levaram a escrever essas músicas: “This isn’t love/ This is an emergency”. Isso porque, enquanto Shura estava em Londres trabalhando em sua música, sua nova namorada morava em Nova York, a um oceano de distância.
Assim, o álbum é um produto tanto de um novo amor quanto da distância que o separa. Essa mistura se traduz em muitos sentimentos ao longo do disco, seja na ânsia pelo toque humano na excepcional religion (u can lay your hands on me) – que possui um dos melhores videoclipes do ano, seja no medo de se entregar incondicionalmente a alguém em flyin’ (Scared of flying, but I’ll fly for you/ Scared of dying, but I’m dying to see you/ And I don’t know you yet, I’m insecure/ Be my woman, babe, and I’ll be yours).
Shura tece todos esses sentimentos em batidas íntimas e profundas, fazendo bom uso do seu talento com sintetizadores e salpicando alguns acordes de guitarra bem colocados ao longo do disco de maneira equilibrada e melódica, como numa de suas primeiras faixas, side effects. Ela permite que os sentimentos das faixas guiem integralmente as batidas de uma maneira honesta e crua, mas que ao mesmo tempo é elegante e refinada.
It could be LA, it could be Heaven
If you’re an angel, can I be your God?
You in all your glory, it’s not confession
Baby, don’t apologize
Apesar de religion ter sido a primeira música que Shura escreveu para o novo álbum, na verdade a faixa foi escrita antes que ela e sua namorada se conhecessem. De alguma forma, ela age em consonância com o resto do disco: um sonho, uma expectativa, uma fantasia, sendo o resto do álbum tanto a sua realização quanto a sua desconstrução.
Os temas de religion acabaram influenciando a apresentação de Shura no palco. Ela abandona a estética indie e se porta como uma verdadeira Papisa lésbica, vestida completamente de branco e portando adereços religiosos enquanto canta músicas que não celebram apenas o seu queer, mas, de fato, todas as faces desse amor. Ainda está para nascer algo mais fofo do que a Papisa Shura cercada por freiras envoltas em bandeiras LGBTQ+, cantando a altos pulmões sobre sua namorada no palco de Glastonbury.
É impossível querer falar de forevher e não mencionar tommy, uma das faixas mais ousadas do disco e uma prova de que o talento de Shura como compositora vai muito além da técnica. Uma melodia suave que se inicia com a gravação de um homem chamado ‘Tommy’ com quem a cantora conversou em Austin, Texas, enquanto compunha o álbum. Assim como nas outras faixas, Shura consegue se abrir para o público, só que dessa vez, através das palavras de outra pessoa.
Tommy nos conta brevemente sobre sua vida: como sua mulher havia morrido e como ele agora estava apaixonado por uma antiga namorada que tinha no colégio. Como ele tinha tido um sonho em que sua esposa lhe dava permissão para seguir em frente. É doce, trágico, e uma maneira brilhante de começar a faixa. Logo após falar que iria tentar aproveitar sua vida ao máximo, Tommy dá lugar aos vocais de Shura, que pula por três vozes diferentes no espaço de poucos minutos.
Primeiro, como si mesma, contando como havia conhecido um velho homem que havia lhe contado sobre uma outra vida, então como o próprio Tommy contando sua história, terminando como a sua falecida esposa e fechando a faixa com versos absolutamente avassaladores: “I’m in heaven without you, but/ Just take your time, I’ll be alright”
Does she know that I’m driving across America
Dining with somebody new?
É um tipo diferente de distância: a vida e a morte. Shura relatou no Twitter que o conceito dessa distância, assim como o de eternidade (Tommy havia amado sua mulher para sempre, afinal de contas) haviam inspirado a canção. Para aludir a inevitabilidade da morte, ela termina sem cerimônias a faixa, de maneira abrupta e chocante.
Shura também presta uma homenagem linda à Carrie Fisher em princess leia, na qual ela lida com a morte dos seus heróis de infância. No que ela disse ser seu verso favorito do álbum, canta: “(Death is) Served just like it was a soda/ (Coca-Cola) Didn’t even want it but it’s complementary”. Para a artista, a morte não passa de um mero detalhe durante o vôo. Você não anseia por ela, mas quando lhe é oferecida, a coisa educada é aceitar e tomar um gole.
forevher parece com um amigo. Daqueles que você não vê há muitos anos, mas que se pega constantemente pensando em como ele vai e o que está fazendo. E quando vocês finalmente se encontram, parece que nunca estiveram separados. Ele te conta sobre todas as coisas loucas pelas quais passou e, em troca, você o ouve, faminto pelas histórias que tem para contar. O novo álbum de Shura é um exemplo de que, quando você coloca si mesmo em um projeto, você inspira outros a se colocarem nele também.
I’ll write a song for you that’s me,
Just a sweet melody
Um comentário em “Shura se apaixona por momentos eternos em forevher”