Ludmila Henrique
Em 1998, o seriado de Sex and the City regressou às telinhas norte-americanas e, em poucos minutos de exibição, metamorfoseou toda a próxima geração de dramaturgias dos anos 2000. O impacto de quatro mulheres com personalidades opostas, falando abertamente sobre sexo e seus relacionamentos complicados, estava fortemente vinculado com a nova linhagem de jovens adultos que procuravam incessantemente realizar seus propósitos profissionais na atribulada e glamurosa cidade de Nova York. O sucesso na Televisão foi tão grandioso e aceito pelo público que, após o encerramento de suas gravações, o roteiro de um filme sequencial da série havia sido confirmado, este que, há 15 anos, foi eternizado pelo olhar do cineasta Michael Patrick King.
Baseado no livro homônimo de Candace Bushnell, Sex and the City – O Filme chegou ao Cinema dando continuidade a narrativa das melhores amigas que vivenciam cotidianamente o fragmento mais seduzente do centro de Manhattan, com enormes filas de brunchs, idas e vindas amorosas e a maior lista de compras que o West Village pode proporcionar. Nesse cenário brilhantemente exagerado de Nova York, encontramos a nossa protagonista e narradora Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), renomada colunista sobre paixões desesperançadas do jornal The New York Star. Bradshaw passa aproximadamente seis temporadas dedicando o seu tempo escrevendo textos sobre como encontrar o amor… mas, o que acontece depois de o alcançar?
Quatro anos se passaram desde o fim do seriado e as vidas de Carrie Bradshaw, Samantha Jones (Kim Cattrall), Miranda Hobbes (Cynthia Nixon) e Charlotte York (Kristin Davis) mudaram de água para cosmopolitan. Jones deixa a badalada cidade nova-iorquina e segue para Los Angeles com seu parceiro e ator Smith Jerrod (Jason Lewis), Hobbes transita para o Brooklyn juntamente ao seu noivo Steve (David Eigenberg) e seu filho Brady (Joseph Pupo), e York tem finalmente o seu desejado casamento dos sonhos com Harry Goldenblatt (Evan Handler). Agora, após 10 anos de encontros e desencontros entre Bradshaw e Mr. Big (Chris Noth), ambos finalmente parecem ter encontrado uma maneira certa de se amarem e, claro, talvez estejam preparados para passar a vida juntos. Ou era isso que a audiência esperava dos dois.
Sim, o pedido de casamento aconteceu, mas não exatamente da forma que era esperado. Se você imaginava que o momento fosse digno de um conto de fadas da Disney, pensou errado. Toda composição foi realizada de modo mais íntimo e significante, como uma conversa entre dois amigos. Algo que foi se deteriorando no momento em que a editora-chefe de Bradshaw decide dedicar um artigo inteiro sobre seu matrimônio, intitulado de A Última Garota Solteira. A proposta que antes era até um pouco simplista, ganhou o glamour que estava faltando em uma narrativa de Sex and the City e tudo isso foi ditado pelo esplêndido vestido nupcial da grife Vivienne Westwood.
Assim como no seriado, o figurino do longa-metragem foi deixado nas mãos de Patricia Field, designer renomada pelos seus trabalhos em O Diabo Veste Prada (2006) e a atual série queridinha da Netflix, Emily em Paris (2020). Field presenteia a trama com a mesma essência de moda presente na Televisão, mas as roupas são bem mais luxuosas que anteriormente, idealizadas e montadas para uma obra hollywoodiana. Mesclando alta-costura com vestimentas do cotidiano, todas as personagens evoluíram seu senso fashionista, exibindo suas inúmeras bolsas, jóias e saltos da última estação.
Embora essa novo aspecto elegante tenha sido importante para mudar todo o planejamento do noivado, a demasiada relevância que os cerimonialistas e convidados atribuíram em propaganda do artigo para Vogue norte-americana contribuiu para que o evento adotasse um caráter inteiramente comercial, como se a união entre eles estivesse em segundo plano. Isso gerou um certo espanto para os telespectadores, visto que a ocasião inicial era para ser mais modesta, e também um insight na mente de Big, que simplesmente decidiu fugir daquele ambiente e, consequentemente, abandonar Carrie Bradshaw no altar. Evidentemente, essa não foi nem de longe uma das melhores decisões dele, que irá implorar pelo perdão da protagonista até o final da obra. Por vez, do outro lado da moeda, ela se vê novamente sozinha e magoada pela mesma pessoa que acreditava que iria passar o resto de sua vida junto.
Outro arco marcante do filme é dedicado à figura de Miranda Hobbes. Assim como Bradshaw, ela passa por um processo de reavaliar seu relacionamento com Steve após descobrir uma traição por parte dele. A desculpa que o filme usou para justificar a deslealdade foi de que Hobbes estava dedicando a maior parte do seu tempo para o trabalho e não ao seu parceiro. Tudo bem, no momento que um sujeito está inserido dentro de um relacionamento, obviamente seu acompanhante necessita de um certo cuidado, mas, se essa atenção for reduzida, isso concede um passe livre para a infidelidade?
Ao trazer essa questão para dentro do roteiro, Michael Patrick King procurou fomentar o debate sobre as inúmeras mulheres que são profissionais incríveis e que quando fazem parte de um relacionamento, essencialmente heterossexual, recebem uma obrigação externa de deixarem suas vontades e sonhos isolados para satisfazer e manter seu acompanhante interessado, sendo que a outra parcela não muda inteiramente a sua rotina para isso acontecer. Essa problemática também circunda a vida de Samantha Jones. A personalidade com o maior senso de liberdade do universo de Sex and the City se encontra estacionada em Los Angeles apenas administrando a carreira brilhante de seu namorado, enquanto ele segue com seus inúmeros trabalhos e quase nunca concede parte do seu dia para permanecer com Jones.
Por outro lado, a vida de Charlotte York é quase um suspiro para as pessoas que torcem pelo amor e que acreditam que a união entre dois indivíduos pode ser tranquila e feliz. Apesar de não ter tanto destaque nas filmagens em relação às outras, a personagem de Kristin Davis é surpreendida ao descobrir, após anos de tentativas, que está esperando uma filha. Um momento que ela sempre sonhou e acreditou ser impossível, e tudo isso aconteceu com um acompanhante que estava a cada instante ao seu lado.
Independente do teor caótico da comunhão entre as protagonistas, no final, Mr. Big pede novamente a mão de Carrie Bradshaw em casamento, não de forma clássica, com buquê de flores e aliança, mas com um par de sapatos Manolo Blahnik na cor azul royal. E como já era de se esperar de Bradshaw em relação a sapatos, ela aceita o pedido. Celebrar o aniversário de 15 anos de Sex and the City – O Filme é perceber como o amor pode ser mutável e estar sempre em transformação. Igualmente às noites nova-iorquinas, algo que antes parecia certo não é mais evidente ou algo que era impossível pode acontecer inesperadamente. Em todo o caso, a questão é estar sempre preparada com um bom martini em mãos no momento em que a vida tenta nos surpreender com os acasos.