
Davi Marcelgo
O avassalador sucesso da trilogia Rua do Medo, em 2021, resultou na aposta de um quarto filme para a franquia: Rua do Medo: Rainha do Baile, dirigido por Matt Palmer. Inspirado em uma série de livros infantojuvenis de mesmo nome, a história em três partes concebida por Leigh Janiak era assumidamente uma homenagem ao slasher e ao folk à la A24. Ainda que as três obras tenham caído no gosto do público, nunca foram exemplares de uma boa reprodução dos códigos dos subgêneros que se inspira e esse lançamento da Netflix segue pelo mesmo caminho.
Na trama, um assassino mascarado sai à caça de todas as meninas que disputam o título de rainha do baile na escola. Entre elas está Lori Granger (India Fowler), que além de um atentado contra sua vida, precisa lidar com o bullying. Rivalidade feminina, evento escolar e sangue derramado no ginásio soa familiar, não? O roteiro de Palmer e Donald McLeary – sem conseguir ecoar os feitos do passado – se inspira em Carrie, a Estranha (1976), Pânico (1996), e como a grande maioria das crônicas adolescentes após o ano de 2004, em Meninas Malvadas.
A abertura é até interessante, encarna o espírito juvenil de Tina Fey e apresenta cada personagem em uma dinâmica que remete à icônica cena de Damian (Daniel Franzese) situando o público sobre cada panelinha do High School. Entretanto, se o clássico se continha em localizar as peças principais da selva estudantil, Rainha do Baile dá um passo maior que a perna e vomita muitos nomes e rostos, que, tampouco vão importar para a história; não por exigir do espectador um desdém com as picuinhas do ensino médio e nem por banalizar as mortes de adolescentes em slashers – embora first kills tenham ficado no imaginário de cinéfilos – mas por seguir a fórmula seriada do streaming, que já havia adotado o estilo no método de lançamento da trilogia, semanalmente, como os episódios de uma temporada.

Contudo, os maiores problemas começam quando os corredores da escola são substituídos pelo salão do evento e a sanguinolência persegue os jovens. Ali, o longa não consegue desenvolver as temáticas nem provocar sentimentos típicos do Terror. Cada casal morto é atingido da mesma maneira: se afastam da multidão, se escondem em uma sala e morrem. É de praxe que a personagem isolada vai ter um fim péssimo, afinal é um elemento narrativo do slasher, desde o subgênero italiano antecessor, o giallo. Porém, repetir a mesma sequência só trocando as vítimas não é somente estéril, como também resulta na inexistência da surpresa e da tensão.
A fita sabota até seu próprio clímax, revelando, sem propósito algum, um segredo que só deveríamos descobrir quando fosse o grand finale. Aqui, cabe dizer, que não é uma imposição do que é certo ou errado em uma história, mas em Rua do Medo: Rainha do Baile, a narrativa e a relação dela com quem assiste é prejudicada por decisões produzidas para avançar o enredo até o ponto que o criador deseja, sem desenvolver e articular as ideias.
Inclusive, no recheio de tantos pastiches de obras ancestrais, o coração de Palmer escolhe um favorito: o clássico de Brian De Palma, a adaptação da personagem telepata de Stephen King. Uma garota loira que sofre na mão de outras alunas e é assombrada pela mãe, um baile, um par romântico e a existência de uma figura religiosa que é opressora. Tudo inspirado em Carrie, a Estranha. Entretanto, todos esses elementos não são bem relacionados – seja em conteúdo ou forma – ao menos que seja entendido que os adolescentes são vítimas das ações dos pais, mas para além deste comentário, as temáticas se perdem enquanto o machado decepa membros.

A encenação e a decupagem não dialogam com o texto, no sentido de corroborar para uma construção de unidade fílmica. Veja, por exemplo, a casa de Carrie (Sissy Spacek), no clássico de 1976, um ambiente que intensifica a violência doméstica que a garota sofre, ou como o cessar da música e devoção pelo próprio corpo é interrompido por risos de adolescentes na cena de abertura. Mais adiante, veja como o texto de Kevin Williamson em Pânico dá conta de não revelar que são dois Ghostfacers ao invés de um – porque sabe que é a melhor escolha – e da mesma forma, a direção de Wes Craven é criativa, cria suspense e sabe utilizar o cenário.
A própria noção de espaço é conflitante aqui, com os locais fechados, seja no baile ou nas sequências de morte, é um desafio para a direção conseguir fluir o ritmo e criar medo com as probabilidades de onde o assassino está escondido. Ao isolar as personagens, a única forma que Matt Palmer encontra para impedir o público de saber a localização é fechar os planos nos rostos das vítimas e deixar o mascarado fora do campo de visão da câmera, resultando, novamente, em um entrave previsível de composição de cena. Já sabemos que, em algum momento, alguém morrerá. O escuro, a ausência de som ou um canto sobrando entre objetos são ceifados, assim como a oportunidade de transmitir emoções oriundas do Horror.
Os créditos de Rua do Medo: Rainha do Baile criam um gancho para um futuro filme e se conecta com os anteriores, então, pelo menos quanto ao texto, as peças podem se encaixar, como a relação de religião e rivalidade feminina. Quanto à forma, isto é definitivo, sem salvação. Todavia, o trecho durante os créditos ressalta os sintomas da produção da Netflix: desenvolvimento de apêndices é para o futuro. Mas isso é coisa de série, não de Cinema.