Esther Chahin
Um filme sobre um triângulo amoroso entre três prodígios do tênis é específico, mas foi lançado. Rivais (Challengers, originalmente) estreou em Abril de 2024 e é mais uma grande obra do cineasta italiano Luca Guadagnino, também responsável por tramas como Me Chame pelo Seu Nome (2017) e Até os Ossos (2022). O principal nome do elenco é Zendaya que, pela primeira vez, interpretou uma personagem adulta, a ex-tenista Tashi Duncan. Dando vida aos outros dois elementos essenciais da narrativa, os atores Mike Faist (Art Donaldson) e Josh O’Connor (Patrick Zweig), porém, não foram ofuscados pela estrela de Euphoria.
O enredo conta a história de Art Donaldson, Tashi Duncan e Patrick Zweig, três tenistas de talento excepcional cujas vidas tomam outros rumos quando se envolvem em um triângulo amoroso. Ao longo da trama, o espectador é apresentado aos eventos que levaram os protagonistas à então relação, mas não há uma linearidade. No início, tudo que se sabe é que Art e Patrick competem uma partida de tênis, enquanto uma elegante jovem, apreensiva, assiste-os atentamente. A obra não ultrapassa esse núcleo de personagens de forma significativa: há bastante material a ser explorado apenas entre os três.
Guadagnino não aceita partidas com jogadores desatentos. Em Rivais, a concentração é indispensável. Os detalhes não revelam, apenas, a impecável construção da narrativa – recheada de déjà-vu – mas também o aspecto psicológico dos protagonistas. Seja nas anotações de Tashi em um anúncio que estampa junto a Art ou na forma com que acaricia sua cicatriz no joelho pela manhã, as pequenas ações dos personagens aparentam ser despretensiosas, porém, inocentemente, ilustram a codependência que os personagens principais mantêm entre si.
A atenção ao jogo não é necessária, somente, para se observar como os protagonistas entendem essa partida. É comum que o espectador de Rivais apresente uma constante sensação de ‘já vi isso antes’. Se, no início da trama, Art e Patrick opunham-se à rede para disputar o número de celular de Tashi, ao final, o embate ainda envolve a personagem interpretada por Zendaya. Dessa vez, o prêmio almejado é a ex-jogadora de tênis no posto de treinadora de um de seus “little white boys” (“garotinhos brancos”, como se refere à dupla). Essa competição, inclusive, permeia todo o desenrolar do enredo. Em um ‘vai e volta’ pouco usual, o diretor italiano mostra-se expert na Arte de instigar o público.
Tudo aqui se repete: as situações, os maneirismos, as piadas internas e até o figurino. Tashi e Patrick compartilham a camiseta emblemática que estampa a frase “I Told Ya” (em português, “eu te disse”), enquanto Fogo e Gelo (apelidos de Art e Patrick) vestem a mesma camisa verde com listras brancas. A conexão entre Art e Tashi não fica de fora das escolhas do figurinista – o diretor criativo da Loewe, Jonathan Anderson. O centro do triângulo amoroso (ou Tashi) veste a camiseta branca de seu marido quando sai no meio da noite para fazer algo não tão matrimonial assim.
Os trajes que marcam as cenas de Rivais estão ali enquanto símbolos da relação mantida entre os três protagonistas e, além disso, representam o amadurecimento dos personagens. Com suas escolhas, o diretor correu o risco de criar mais uma trama em que ninguém entende nada. O longa-metragem, porém, não ganhou essa alcunha e, em boa parte, graças ao figurinista. A narrativa é uma grande amálgama de acontecimentos que ocorrem ao longo de 12 anos, mas o espectador dificilmente se perde na trama. Os cortes de cabelo, seleção de vestuário e acessórios utilizados esclarecem com perfeição a passagem de tempo.
Na competição entre os maiores destaques da produção, a trilha sonora não fica de fora do ranking. Composta por Trent Reznor e Atticus Ross, uma mistura inesperada de gêneros, que vai desde coral a eletrônica, acompanha as cenas da obra. A genialidade por trás dos momentos em que a Música aparece ajuda o filme a se consolidar enquanto um dos expoentes do Cinema de 2024. Os trabalhos de Reznor e Ross acompanham os pensamentos de Art, Tashi e Patrick. Em momentos de embate, tensão e devaneios, a melodia embala a cena – e não há hesitação em interrompê-la conforme o que se passa na mente dos protagonistas.
Ao passo que a trama aproxima-se do fim, Tashi se vê cada vez mais perto de descobrir quem treinará dali para frente. Os momentos mais calmos que antecedem as cenas finais da partida de tênis são interrompidos pela junção entre efeitos visuais, posições incomuns da câmera, trilha sonora intrigante e muito suor. É a hora de endireitar as costas no sofá e não tirar os olhos da tela até que se saiba qual o grande vencedor. A apreensão, entretanto, termina com um desfecho inesperado e Luca Guadagnino encerra uma de suas grandes obras com a característica essencial de qualquer bom filme: a imprevisibilidade.
Com todo o brilhantismo que o envolve, Rivais configura um dos principais e melhores lançamentos de 2024. A trama ousa ao se pautar em um enredo pouco comum, organiza a narrativa de forma arriscada e chega a fazer da câmera uma bola de tênis – tudo dá certo. Embora a maior parte do público não seja composto de tenistas profissionais, há identificação com Art, Tashi e Patrick. Diferentemente da maioria das produções do mainstream, aqui, não estamos lidando com um casal protagonista ‘bonzinho’ e, sim, um triângulo amoroso cujos membros são assombrados pela sua complexidade, assim como quem os assiste. No fim, resta a vontade de que tudo, realmente, seja sobre tênis.