Vitor Evangelista
Se, três anos atrás, Rex Orange County achava que deveria ter ficado em casa, em 2020 ele quer o oposto. A pandemia e o isolamento social mataram esses sonhos, é claro, mas não impediram-no de lançar Live at Radio City Music Hall, seu primeiro disco ao vivo. As 9 canções selecionadas foram cantadas em Nova Iorque, pouco antes do mundo fechar as portas e as aglomerações virarem memória. 1 ano após o sentimental Pony, Alex O’Connor parece mais maduro e preparado para lidar com seu coração.
Não contente em disponibilizar apenas o CD, Rex lançou no YouTube o documentário Funny How Things Go From Thing To Another. O filme de 25 minutos visita a The Pony Tour, que começou em novembro no Reino Unido (sua terra natal), e migrou para o continente americano esse ano. A curta duração é explicitada pela frustração do coronavírus, com o ar de um trabalho inacabado, mas nunca ingrato. Fora isso, as filmagens soam muito mais como um esforço de gravar o passado, do que o simples ato de exaltar uma figura central.
Num momento que turnês e autógrafos parecem histórias de ficção, Funny How Things se abraça em lembranças e gratidão. O cantor fala e canta com carinho anasalado, sorri tímido quando vê a multidão gritando seu nome e chorando com suas composições. A seleção de músicas para o disco ao vivo conta uma história à parte: a de que podemos muito bem superar nossos traumas, e falar abertamente sobre eles.
Rex Orange County canta sobre pequenos momentos de relacionamentos, sejam eles platônicos ou amorosos. Pony, seu relato mais recente e refinado, expõe mais feridas abertas do que curadas e, um ano depois do lançamento, o fato de Rex retornar para os mesmos cenários com voz e atitude diferentes soa libertador. Essa característica de reinvenção e renovação parece intrínseca ao conceito dos álbuns gravados em shows.
Ariana Grande e seu k bye for now (swt live), de 2019, documenta o último concerto da turnê de Sweetener e, na gravação, mesmo que não tenha filtrado as canções que compõe o disco, ela canta mais aliviada e agradecida. Halsey seguiu o mesmo caminho em agosto, no lançamento de BADLANDS (Live From Webster Hall), que rememora o passado da artista, levando até o mesmo nome de seu debut de 2015. São momentos raros de conversa com o público, de emoção à flor da pele. E a brecha para ressignificar canções, entregando à elas novas camadas.
Live at Radio City Music Hall grita o processo de amadurecimento do taurino de 22 anos, e o documentário o ilustra de forma certeira, usando gravações do primeiro show do grupo, versões demo das canções e uma série de recortes da jornada deles. Rex apresenta seus companheiros de banda, conta histórias da adolescência e se diverte, feliz, com o merecido reconhecimento, mas sempre com um pé na realidade. Ele não pode acreditar nos shows esgotados, nas filas gigantes e no amor que recebe, ficando estupefato até com um desenho glitterizado de seu rosto num girassol.
Talvez seja essa fofura genuína que aproxima tanto o público do cantor, algo incomum nesses tempos, apreciar um artista com brilho nos olhos e calor no peito. A abertura do disco com 10/10 aquece quem ouve, na canção que discute autoestima e memória, como a saudade afeta nossa percepção do hoje. Na verdade, o processo de decupagem da setlist (as músicas tocadas no show) para a tracklist (as que foram pro CD) revela um doce e delicado cuidado de Rex.
Ele aprecia o momento ao vivo e guarda a experiência com quem viveu ao seu lado, não copiando e colando todo o conteúdo do concerto para as plataformas online. Alex O’Connor sabe valorizar os bons momentos da vida. A mera gravação no Radio City Musical Hall, local lendário para a música como um todo, faz a banda tremer as pernas e sentir borboletas no estômago. O entusiasmo é tanto que todos tocam de terno, fugindo das roupas largas que são figurino marcado do cantor. Perto do fim, quando canta Best Friend, ele pede para que as pessoas guardem os celulares para apreciarem, sentir tudo o que podem, sem se preocupar em gravar stories.
E, até mesmo na maneira como canta certos trechos das canções, Rex demonstra ter passado do momento de dor. Um catártico trecho de 10/10 que, na versão do estúdio de Pony rasga raiva e frustração, agora ao vivo é palco de humor. “E mesmo que seja difícil achar as palavras, ainda vou escrever essa porra de música”, e Rex joga para os fãs cantarem, como se o simples fato de falar aquelas palavras retroceda seus passos, ele está se curando.
Em Always, canção de encerramento do disco, ele declara seu contentamento e amor para quem está ali ao vivo e, involuntariamente, para quem ouve o álbum no conforto (ou prisão) do isolamento social. Fãs que foram impedidos de vê-lo performar ao vivo, visto que todas as datas da The Pony Tour foram canceladas, como mostra a melancólica finalização de Funny How Things Go From Thing To Another.
A gravação caseira de Funny How Things Go From Thing To Another imprime um ar vintage na obra, um retrato perdido que, sem querer querendo, se tornou uma cápsula do tempo. Rex Orange County grava o passado com o coração mais alegre do mundo e, em Live at Radio City Music Hall, consegue cantar suas tristezas com mais tranquilidade. Quer exemplo de superação e cura maior que esse? É depois de momentos assim que eu, particularmente, adoraria ser melhor amigo dele.