Aryadne Xavier
Adaptações são sempre um sonho e um medo para fãs de sagas literárias. Trazer à vida – nas telas de cinema ou por meio de streamings – personagens que, outrora, foram apenas vistos em palavras, gera um misto de ansiedade e receio, podendo ser um resultado muito bom ou algo desastroso. Essa experiência perpassa pontos chaves como casar a fidelidade ao material original com a mudança de mídia e, principalmente, fazer conversões que tenham lógica e respeitem o que já existe, se moldando e criando algo identificável para além do que já foi produzido.
Existe um ditado que diz que ‘um é pouco, dois é bom, mas três é demais’. Em questão de adaptações, Rick Riordan fingiu não escutar a sabedoria popular e, com a firme decisão de reescrever a fama de sua saga ‘xodó’ no meio audiovisual, embarcou na produção da nova leva de episódios de uma das franquias mais populares entre os jovens nascidos nos anos 2000. Quando anunciada em Maio de 2020, a ideia trouxe uma empolgação sem igual para a fanbase já cansada de esperar e já calejada com decepções anteriores. Após dois filmes de desempenhos desastrosos entre os fãs e crítica, e depois de três longos anos de espera, Percy Jackson & os Olimpianos chegou à Disney+ em oito generosos capítulos que cobrem todo o arco do primeiro livro da saga, Percy Jackson e O Ladrão de Raios.
Fiel ao livro, os oito episódios foram responsáveis por cobrir 22 capítulos do material original. Por um lado, essa decisão se mostrou agradável, tapando falhas e entregando um dos maiores pedidos dos fãs após adaptações nada fiéis ao conteúdo original: uma história verossímil com aquilo que se pode ler nas páginas dos livros, incluindo o sutil detalhe dos nomes de episódios inspirados nos capítulos da obra base. Contudo, essa fixação em se manter igual teve também seus custos. Enquadrando a divisão dos livros na lógica básica do streaming, a série sofreu para comprimir longas aventuras em 40 minutos de filmagem, deixando um material final que, por vezes, cedia ao raso ou era apresentado rápido demais, quebrando a sensação de envolvimento que as páginas estendidas traziam ao leitor.
Outro recurso que não funcionou tão bem foram os cortes secos e as muitas telas pretas, ferramentas de grande utilidade em momentos específicos para criar uma quebra durante a ação mas que, em excesso, se mostram entediantes ou, em alguns casos, irritantes. A falta de continuidade nas cenas causada pelo efeito poderia ser explicada pela antecipação criada ao precisar virar a página de um livro ou começar o próximo capítulo, contudo, no audiovisual, outros recursos poderiam ser utilizados, trazendo uma linguagem própria e melhor adaptada ao contexto. De certa forma, o escape de pós-produção para trocar de um cenário para outro rapidamente passa um ar de intervalo comercial ou, no pior dos casos, esmaga as expectativas ao fragmentar a ansiedade pelo que pode vir a seguir, passando sem nenhum impacto.
O acerto mais louvável de toda a equipe, no entanto, se deve a escolha muito assertiva do trio de atores principais. Representando o protagonista – que por anos foi retratado com o rosto de Logan Lerman –, Walker Scobell entrega carisma e atuação correspondentes a um adolescente descobrindo ser um semideus enquanto lida com seus problemas na escola, saudade da mãe e todos as novas questões que surgem com sua mudança para o Acampamento Meio-Sangue. Leah Sava Jeffries, que vive a protagonista Annabeth Chase, encarna o humor e personalidade da personagem, enquanto Aryan Simhadri, que vive o sátiro Grover Underwood, equilibra seus momentos de bondade com força em uma atuação balanceada. Separados, cada um consegue brilhar à sua maneira, mas quando juntos, os três conseguem ser mais convincentes do que seriam as figuras imaginadas por nós nas páginas.
Essa mudança na escalação do time de atores e a fidelização ao conteúdo do livro também teve suas consequências. Se uma nova parcela de crianças e adolescentes foi alcançada pela série pela primeira vez, os fãs mais antigos, que acompanharam o lançamento das duas adaptações prévias, tiveram seus desapontamentos ao receberem um seriado que segue parada em alguns momentos e que corta toda a tensão e expansão da violência, junto de outros elementos gráficos. Entre erros e acertos, a obra demonstra maturidade ao assumir o que sempre foi: uma história vivida por e destinada para adolescentes, sem pretensão alguma de agradar aos demais.
Percy Jackson e Os Olimpianos chega ao final da primeira temporada e de seu grande momento de estreia com o saldo de um bom (re)começo. Mesmo perdendo um pouco da linguagem ácida, por vezes, presente no material escrito, a adaptação se mostra fiel e começa a construir, em pequenos tijolos, o que a saga se tornou após longos cinco livros. Não sendo e, muito menos, pretendendo alcançar alto nível no meio audiovisual, a série faz bem o básico e entrega um produto aprazível, mostrando mais acertos do que erros e, apesar de ainda existirem tropeços, pode-se varrê-los para debaixo do tapete e olhar com expectativa para tudo que o novo projeto ainda pode entregar.