Laura Hirata-Vale
Dezembro de 1970. Nos dormitórios da Barton Academy, os estudantes fazem suas malas para o tão aguardado recesso de Natal. É hora de voltar para a casa, rever a família e usufruir das festas de fim de ano. Porém, um grupo seleto de estudantes fica na escola: esses poucos alunos – conhecidos como Os Rejeitados – ficam sob os cuidados do difícil professor Paul Hunham (Paul Giamatti) e da enlutada cozinheira-chefe Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph). Em The Holdovers, lançado em 2023, vemos como o feriado natalino mexe com os sentimentos, e como a saudade, a dor e a felicidade se revelam – seja por meio de milagres ou por meio da força.
Hunham é um professor de Estudos Clássicos. Sua rigidez é abominada pelos alunos, enquanto sua vesguice é fonte de zoação. Detestado até por seus colegas, o acadêmico é chato, introvertido e carrancudo, e ao ser escolhido para ser o supervisor d’Os Rejeitados, decide fazer das férias dos estudantes uma continuação do ano escolar. Inicialmente formado por quatro jovens, o grupo recebe mais um participante: Angus Tully. Revoltado pelo abandono da mãe, que preferiu deixá-lo na escola para viajar com o novo marido, o personagem do estreante Dominic Sessa irrita o professor até seu último fio de cabelo.
Em uma mistura de drama e comédia, Os Rejeitados mostra os conflitos que os internatos americanos possuem. A corrupção entre a administração e os pais, o senso de grandeza dos adolescentes, o distanciamento e cobrança familiar são alguns pontos que aparecem durante o filme – que relembram, com certa clareza, os acontecimentos de A Sociedade dos Poetas Mortos (1990). Os momentos tensos do longa trazem um ‘quê’ tragicômico, quando copos de bebidas alcoólicas trazem confissões puras de forma natural, como instantes bêbados vindos do fundo do coração.
Durante a obra, o contraponto da sinceridade, ingenuidade e da inconveniência são explorados ao extremo. Enquanto Tully é um jovem em formação, Hunham é um senhor sem nenhum tato, e ambos trazem às telonas o sentimento de vergonha alheia nas situações que são colocados. Desde comentários sem noção a falas ingênuas que não são nada agradáveis, a dupla tenta se entender: por que será que Angus é tão jovem e já é tão revoltado? Por que será que Paul é tão rabugento e tão solitário? Os conflitos entre os dois são assistidos e por vezes intermediados por Mary, que – na maior parte do tempo – fica sozinha, processando a perda do filho na Guerra do Vietnã.
Lançado no 50th Telluride Film Festival, The Holdovers traz o espírito natalino para qualquer época do ano. Por meio da trilha sonora feita por Mark Orton, o filme é acompanhado por hits festivos e dos anos 1970 – a época em que a história se passa. Bem-humoradas, as canções ambientam o espectador no clima invernal, repleto de neve e chocolate quente. Indo dos momentos de descontração até os mais tensos – como o colapso emocional de Mary em uma festa de Natal – o uso das músicas dá mais força ao teor cômico e dramático do filme.
Outro ponto de destaque de Os Rejeitados são as atuações. Enquanto Dominic Sessa fez sua estreia no Cinema, os experientes Paul Giamatti e Da’Vine Joy Randolph voltam para as telas de forma triunfal: os dois receberam indicações ao Oscar 2024. Giamatti está na corrida na categoria de Melhor Ator, junto aos veteranos Cillian Murphy e Bradley Cooper, e a grandiosa Joy Randolph – já condecorada com um Globo de Ouro e com um SAG Awards por seu papel – compete em Melhor Atriz Coadjuvante, ao lado de Emily Blunt e Danielle Brooks.
The Holdovers recebeu ainda mais três indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, a principal categoria da noite. Numa competição difícil, ao lado de Oppenheimer e Pobres Criaturas, o filme dirigido por Alexander Payne não é o favorito dos críticos à estatueta. O roteiro, feito por David Hemingson, foi indicado a Melhor Roteiro Original, enquanto a montagem de pegada setentista do longa, que ficou nas mãos de Kevin Tent, recebeu uma indicação a Melhor Montagem.
Ao fim, os porquês de cada personagem do trio ser do jeito que é são explicados de forma natural e progressiva. O crescimento de Angus, Mary e Paul durante o filme é impressionante – eles conseguem superar medos, mágoas e ansiedades. E, de jeito meigo e ao mesmo tempo conturbado, os três acham em si algo muito importante: o sentimento de pertencer a uma família, e como é significativo e gostoso passar as festas de final de ano juntos. Por isso, é sempre importante lembrar: um feliz Natal para todos! (E para os Rejeitados, também!).