O fim da década fechou o ano do cinema com chave de ouro. 2019 apresentou inovações em cada gênero. Seja na animação, terror ou mistério, tivemos obras que reinventaram e escreveram da sua maneira história audiovisuais únicas e emocionantes. No Brasil, o cinema foi tema do Enem e alvo do governo, porém, lá fora se mostrou vivo percorrendo festivais, ganhando prêmios e alcançando a tão aguardada indicação ao Oscar. Foi difícil, mas nosso time selecionou as principais obras que marcaram cada um no ano passado.
No ramo das séries, nossa curadoria reflete a diversidade temática das produções em alta: tem cinebiografia de personalidades da literatura mundial, ficção científica, drama, comédia romântica e muito mais. Por outro lado, também apontou um dado problemático: nossa dependência em serviços de streaming.
Então, sem mais delongas, eis a curadoria Persona de Melhores Filmes e Séries de 2019:
Egberto Santana Nunes
Num ano conturbado para a política cultural nacional, a safra mostrou que nossa arte está viva e forte e respirando perfeitamente pelo mundo. O sci-fi nordestino de Bacurau foi um deles, um grande marco de 2019. O longa dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles levou o prêmio do Júri em Cannes e arrancou elogios da crítica. A qualidade se provou quando as numerosas semanas em cartaz do filme e o boca a boca sustentaram sua campanha, em um ano extremamente difícil para o audiovisual brasileiro. Bacurau é o Brasil, é representatividade e conseguiu representar o desejo de muitos brasileiros com maestria. Fez história, arrisco dizer, com um dos últimos grandes filmes da política de incentivo da Ancine.
Por outro lado, houveram obras que foram subestimadas e mal divulgadas que possuem uma qualidade impressionante. Falo de O Fim da Viagem, O Começo de Tudo. A jornada tempestuosa e descobridora da repórter Yoko pelo Uzbequistão foi tocante e profunda para mim, justamente pelo controle da linguagem cinematográfica realizado por Kiyoshi Kurosawa. É imersão e empatia pela personagem ao extremo, de forma singela e poética. Bonita na superfície e cruel no seu fundo. Por todo o apelo simples, e a conquista de fazer o espectador mergulhar profundamente em sua personagem, O Fim da Viagem… merece o primeiro lugar.
O conflito cultural e a transformação pessoal também é palco de The Farewell. Mesmo com toda a questão étnica e de tradição envolvida, Lulu Wang constrói uma (autobiográfica) história capaz de ressoar em todos os cantos do mundo. Afinal, quando o assunto é avó, todo mundo sente, não é? Aqui, a beleza de cada quadro filmado encanta, e o impacto que Billi tem ao viajar da América para a China e presenciar sua família armando um casamento para reunir a família e ocultar a verdade da doença de sua avó diverte e emociona. Infelizmente, tanto a diretora quanto a responsável por representar Billi, Awkwafina, foram esnobadas pelo Oscar. Não nos esqueceremos.
O comentário social político de Nós também não teve palco para a Academia. Mas certamente, daqui a alguns anos, a dupla interpretação de Lupita Nyong’o para o papel principal do conto de doppelgangers de Jordan Peele vai ser lembrada e homenageada, como já é lembrada agora em outros lugares. Por fim, cabe a luta de classes de de Parasita ser reconhecida, essa sim, tanto pelos críticos quanto pela audiência. E aqui, ocupa o 5º lugar por pura preferência pessoal minha, mas não é nem um pouco desmerecido.
Menções honrosas: Fora de Série, No Coração do Mundo, Estou me Aguardando para Quando o Carnaval Chegar, Retrato de uma Jovem em Chamas e Dor e Glória.
Filmes favoritos: 1. O Fim da Viagem, O Começo de Tudo / 2. Bacurau / 3. The Farewell/ 4. Nós / 5. Parasita
Gabriel Oliveira F. Arruda
Ninguém sabe o quanto eu gostaria de ter colocado Star Wars: A Ascensão Skywalker no topo da minha lista de melhores filmes do ano. E eu sei que, se Rian Johnson o tivesse dirigido, ele provavelmente estaria. A habilidade de Johnson em reinventar gêneros permanece intacta em Entre Facas e Segredos, um mistério intrigante e inventivo carregado de significados em cada frame, carregado por excelentes performances de um elenco estelar, um roteiro muito bem estruturado e uma direção cirúrgica de Johnson.
A Música da Minha Vida ressoou comigo de maneiras que nenhum outro filme conseguiu fazer esse ano. Os dramas familiares de Javed Khan (Viveik Khalra) regados ao som de Bruce Springsteen fizeram com que eu me emocionasse de maneiras extremamente catárticas e expressivas. Na mesma linha, Homem-Aranha: No Aranhaverso injeta nova vida no gênero de super-heróis ao focar na jornada de seu protagonista, usando uma animação peculiar e estilosa para transmitir sentimento e amadurecimento.
Por mais difícil que fosse encontrar uma sessão de Bacurau, o esforço valeu a pena. O longa de Kléber Mendonça Filho conquista ao não medir palavras quanto a sua mensagem e a sua apresentação, ressignificando a violência tarantinesca a um patamar simbólico e metatextual. Por fim, Como Treinar o Seu Dragão 3 fechou uma das melhores trilogias de animação da história do cinema de maneira brilhante, carregado por personagens amadurecidos e conscientes disso, culminando em um final gratificante para quem acompanhou a série desde o início.
Filmes favoritos: 1. Entre Facas e Segredos / 2. A Música da Minha Vida / 3. Homem-Aranha: No Aranhaverso / 4. Bacurau / 5. Como Treinar o Seu Dragão 3
Já no ramo das séries, Dickinson silenciosamente cativou meu coração com sua alma irreverente e sua rebeldia contra os padrões de época. Com estilo, glamour e uma dose de psicodelia, Alena Smith entregou uma revisão ousada da heroína-poeta lindamente interpretada por Hailee Steinfeld, que se esgueirou até o topo da minha lista de melhores do ano como os versos de uma poesia especialmente peculiar.
Em sua segunda temporada, Impulse explorou seu potencial de ficção científica sem esquecer que o seu forte está na construção do drama entre as suas personagens, entregando alguns dos momentos televisivos mais aterradores do ano, através da poderosa performance de Maddie Hasson. Euphoria, por outro lado, nos oferece o retrato selvagem de uma juventude injusta e é precisamente a sua capacidade de contar histórias pessoais através de estilos e performances apaixonantes que garantiu o lugar dela nessa lista.
Em cada uma de suas 3 temporadas lançadas esse ano, She-Ra e as Princesas do Poder conseguiu elevar ainda mais o nível de qualidade de sua animação e narrativa, culminando em uma quarta temporada explosiva e corajosa, que termina com o destino de Etheria mudando para sempre. A terceira temporada de One Day at a Time se tornou especial, não apenas por marcar a primeira vez que uma série que a Netflix cancelou vai voltar por outra emissora, mas por ser corajosa o suficiente para terminar com um gracejo para o público, por acreditar que mais uma temporada viria, apesar de tudo.
Séries favoritas: 1. Dickinson / 2. Impulse / 3. Euphoria / 4. She-Ra e as Princesas do Poder / 5. One Day at a Time
Isabella Siqueira
Nesse ano tão conturbado, filmes de comédia e animações foram um resquício de conforto; portanto, o meu filme preferido de 2019 só pode ser Toy Story 4. A geração que acompanhou desde o início as aventuras do boneco Woody não se decepcionou com o quarto filme: com ele é possível dar risada, chorar e relembrar os personagens mais queridos da nossa infância.
Mesclando comédia com terror, Brinquedo Assassino e A Morte te dá Parabéns 2 me surpreenderam esse ano. O remake de Brinquedo Assassino conserva muito bem o humor do Chucky lá de 1988. E mesmo sem inovar (o remake de Poltergeist – O Fenômeno (2015) já apresenta a ideia de unir terror e tecnologia), a volta do boneco do mal junta boas atuações de Aubrey Plaza e Mark Hamill e muda o tom do original de forma convincente. O longa A Morte te dá Parabéns 2 entrega uma boa dose de comédia e tiradas clássicas de ficção científica que justificam o filme como uma boa variação do anterior.
Nós impressiona o público com sua trama extensa e profunda, o elenco excelente e (mais uma vez) a mescla entre terror e comédia. Por fim, Minha Mãe é uma Peça 3 reafirma a qualidade do trabalho do ator principal e roteirista Paulo Gustavo em um filme que vale se assistir em família e contemplar as semelhanças entre a realidade e o longa, que homenageia a figura da mãe em todas as suas qualidades e defeitos.
Filmes favoritos: 1. Toy Story 4 / 2. Brinquedo Assassino / 3. Nós / 4. Minha Mãe é uma Peça 3 / 5. A Morte te dá Parabéns 2
Em 2019 as minhas séries preferidas revelam uma dependência ao streaming e contemplam desde a comédia romântica à ficção científica e aventura em família. A série francesa Amor Ocasional (Plan Coeur) é uma pérola escondida na Netflix. Sua segunda temporada continua entregando uma trama divertida e jovial sobre os problemas amorosos da fofa Elsa (Zita Hanrot). A amizade da desastrada mas cativante protagonista com Charlotte (Sabrina Ouazani) e Milou (Joséphine Draï) é o que mais chama atenção na trama, e o final romântico com Jules (Marc Ruchmann), apesar de clichê, é um sonho.
Além de acertar na produção estrangeira com sucessos como Vis a Vis e Dark, o serviço de streaming também entrega grande variedade de gêneros. Esse ano na minha lista também se destacaram a minissérie de drama Olhos Que Condenam e a comédia irlandesa Derry Girls, em sua segunda temporada, que exemplificam a variedade da plataforma.
Representando os gêneros sci-fi e aventura, a segunda temporada de Perdidos no Espaço (Lost in Space), reboot da série de 1965, tem bons efeitos especiais que compõem uma fotografia memorável e uma boa continuidade para a aventura da família Robinson e seu robô. Já minha única escolha da Amazon Prime Video foi a antologia romântica Modern Love. Baseada em uma coluna semanal The New York Times, a série reflete os vários tipos de amor da forma mais criativa possível com diferentes personalidades que brilham em tela.
Séries favoritas: 1. Amor Ocasional / 2. Modern Love / 3. Olhos Que Condenam / 4. Derry Girls / 5. Perdidos no Espaço
Lucas Marques
Ano após ano fica cada vez mais difícil fazer listas de filmes do ano. Não pela oferta de produções, mas pela dúvida de qual metodologia adotar.
Por exemplo: Em Trânsito, meu filme favorito de 2019, é de 2018. E eu nem mesmo assisti numa das poucas sessões comerciais brasileiras, apesar de ter visto ano passado. Acredito que o que vale mais é essa confluência entre a experiência do espectador e alguma divisão do tempo arbitrária que criamos. Oportunismo.
Dirigido pelo alemão Christopher Petzold, o filme apresenta um conjunto de personagens em uma situação de indefinição de seus destinos quando nazistas ocupam a França. Porém, não estamos falando aqui da Segunda Guerra: se trata também de um espaço e tempo indefinidos, no qual trafegam pelas ruas carros contemporâneos, mas não há celulares; as tropas nazistas trajam uniformes não menos diferentes de qualquer polícia atual, porém a forma principal de comunicação são cartas. Um filme político, mas antes de tudo um dos grandes dramas e romances dos últimos anos, sem receios de resgatar referências do cinema clássico para criar algo novo.
Mas não se deixe enganar pelo pódio de Em Trânsito: 2019 foi um ano excelente para o cinema, um dos melhores da década que se findou. Encabeçando o restante da lista está Nós, o grandioso segundo filme de terror de Jordan Peele, talvez a obra que melhor retrata nosso tempo, justamente pelas inúmeras possibilidades interpretativas que ele sustenta.
Nós possui uma sofisticada mistura de gêneros cinematográficos e um subtexto sobre luta de classes, assim como outros dois grandes destaques do ano: Bacurau, de Kléber Mendonça Filho, e Parasita, de Bong Joon-ho. Filmes em que a metáfora é parte integrante de seus mundos e não criados a partir dela.
Completam a lista Dor e Glória – o filme que mais cresceu no meu conceito -, O Farol, Her Smell – uma das obras mais subestimadas do período -, O Irlandês, Toy Story 4, Um Elefante Sentado Quieto, História de Um Casamento, John Wick 3 e High Life. Uncut Gems é fabuloso também, mas esperarei entrar propriamente nos streamings para colocar em alguma lista.
Filmes favoritos: 1. Em Trânsito / 2. Nós / 3. Bacurau / 4. Parasita / 5. Dor e Glória