Cezar Augusto, Gabriel Leite Ferreira e Leonardo Teixeira
Como manda a tradição da indústria cultural do Ocidente, o maior fato musical do primeiro mês do ano foi o Grammy. Entre performances burocráticas e premiações previsíveis, os artistas que mais chamaram atenção foram Tyler, The Creator, que ganhou sua primeira estatueta como Melhor Álbum de Rap por IGOR (e a contestou após a cerimônia), e Demi Lovato, em sua primeira e tocante aparição pública após uma overdose em 2018. De resto, a pompa de sempre, que cada vez significa menos, tanto para os artistas, quanto para os fãs.
Nossa curadoria de janeiro dá conta de uma maior variedade do que o Grammy, indo da música eletrônica fora da caixinha à MPB ao pop. Tem pra todo mundo. Confira!
Against All Logic – Illusions of Shameless Abundance
música eletrônica, funk carioca
Foi tipicamente sem alarde que Nicolas Jaar disponibilizou o novo EP do Against All Logic, projeto que estreou em 2018 com o elogiadíssimo 2012 – 2017. Illusions of Shameless Abundance é um EP composto por duas faixas com participações de encher os olhos que dá uma guinada de 360 graus em relação ao que Jaar entregou em 2018. Em vez do deep house feito sob medida para as pistas, o deconstructed club baseado quase exclusivamente no grave das batidas. Não que o material não seja próprio para dançar (afinal, temos a influência de funk carioca em “Alucinao”), mas a proposta aqui é mais futurista e narcotizante. Jaar já anunciou um novo full-length para fevereiro. Se vier nessa toada, tem tudo para ser um dos grandes álbuns de 2020. (GF)
Georgia – Seeking Thrills
synthpop
We are wicked young fools. É como Georgia se define, nos primeiros segundos do registro. Fruto da tendência latente – e talvez até um tanto saturada – de oitentismos dramáticos que tentam falar por um geração, o segundo disco da britânica consegue fugir à curva. Isso se dá, principalmente, pelos sintetizadores que são familiares, mas que pervertem as expectativas do ouvinte aqui e ali. E letras como a da extraordinária “About to Work the Dancefloor”, composição que nos transporta direto para as pistas de dança solitárias de Robyn e Róisín Murphy, fazem o play valer a pena. (LT)
Kiko Dinucci – Rastilho
afoxé, Vanguarda Paulista
No release publicado no Bandcamp, Kiko Dinucci afirma que em Rastilho é a madeira que canta. Nesse seu reencontro com o violão, Dinucci mais uma vez reconfigura as possibilidades percussivas e de timbre do instrumento, da mesma forma que ele faz no Metá Metá e nos diversos projetos colaborativos da carreira.
A base rítmica de Rastilho é o afoxé, a versão não-religiosa da música de candomblé, enquanto as breves letras variam entre cantos do mesmo candomblé (“Olodé”) e contos caóticos urbanos (“Febre do Rato”, “Veneno”). O destaque é mesmo o violão de Kiko, sua fluidez de possibilidades aparentemente infinitas que atinge o ápice na instrumental “Marquito”.
As participações de Ava Rocha na selvagem “Dadá”, Rodrigo Ogi na supracitada “Veneno” e Juçara Marçal na frenética “Gaba” abrilhantam ainda mais o produto final, conferindo ecleticidade a ele. O encerramento com o samba “Rastilho” dá tom mais urgente ao álbum: “Ninguém pode parar / nem fé, amor ou sorte / vamos explodir”. As frutas podres que ilustram a capa, baseada no Power, Corruption and Lies do New Order, não estão ali por acaso. (GF)
Mura Masa – R.Y.C.
eletrônico
Lembra daquele clima de inadequação adolescente, de rebeldia sem causa, do indie pop no início da década passada? Young the Giant, Grouplove — quanto mais cafona, melhor. São essas as inspirações do segundo registro do projeto solo Mura Masa, que inaugura a nostalgia musical com os anos 2010.
A lamúria convence, ainda que venha com pitadas de ironia. Interferências eletrônicas dão sempre o ar da graça, mas a atmosfera adolescente e pop rock prevalece, resultando em um trabalho menos dançante que seu antecessor, mas que tem seus momentos de agitação — “Live Like We’re Dancing” deve funcionar nas pistinhas da cena. (LT)
Selena Gomez – Rare
pop
Após um bom tempo se dedicando a outros projetos, séries e colaborações, Selena Gomez retorna com seu mais novo álbum de inéditas. Abordando assuntos de alta relevância, como empoderamento feminino, saúde mental e relacionamentos abusivos, o disco é uma mensagem direta para ela mesma, que desde muito tempo vem lidando com assuntos turbulentos.
Sem sair da sua zona de conforto, a cantora busca dar uma repaginada no que já produziu em sua curta carreira. Além disso, toda construção do álbum, desde as músicas a estética visual contaram com participação ativa de Selena, tornando o disco um trabalho ainda mais pessoal. (CA)