Guilherme Luis
Na sua 20ª produção, os estúdios Pixar tinham dois desafios: reviver um clássico dos filmes animados lançado há 14 anos, de forma que correspondesse com a gigantesca expectativa do público da época (hoje adulto) e, ao mesmo tempo, chamar a atenção da nova geração para a história da família Pera de super-heróis. Os Incríveis 2 acaba por ser mais um dos inúmeros acertos em cheio da Pixar: além de ser, em sua mais pura essência, uma animação divertidíssima e inteligente, traz consigo discussões que afetam e emocionam diretamente o público adulto.
Na sequência de Os Incríveis (2004), os papéis familiares de invertem e é aqui que está a primeira ótima decisão do filme. Colocar a Mulher-Elástico no papel de quem trabalha fora e sai em missão como super-heroína enquanto o Sr. Incrível fica em casa cuidando das crianças pode soar como uma repetição descarada do plot do primeiro filme mas é mais como uma atualização bem feita de uma fórmula que deu certo. Afinal, o feminismo vem sendo inserido lenta e gradativamente nas grandes produções cinematográficas e ter Helena Pera como a protagonista é ver que o sucesso de Mulher-Maravilha e a grande expectativa por Capitã-Marvel não são em vão.
A subversão de gêneros e a missão dada de cuidar da família a Beto Pera é o gatilho pra tocar em assuntos que cabem quase que unicamente ao público adulto: a solidão, a sensação de impotência, a luta pela construção diária de sua figura paterna e a percepção de que não conhecia tão bem assim seus filhos. Deste último ponto, desponta-se um dos melhores arcos do filme, que é o de Zezé descobrindo seus poderes. Essa fora uma das grandes curiosidades de quem terminara o primeiro filme com um gostinho do que o bebê podia fazer e aqui o roteiro acerta quando dá espaço pra Zezé brilhar e conduzir a narrativa com naturalidade e diversão.
Apesar de tantos assuntos delicados e que emocionam, ainda existe o lado filme de super-herói; ou seja, a Mulher-Elástico comanda cenas magníficas de ação, que não ficam aquém para sequências live-action (deve-se mencionar uma cena de perseguição a um trem que é de tirar o fôlego!). A história ainda traz um quê de investigação criminal, já que o vilão Hipnotizador se esconde atrás de uma máscara e não revela de primeira suas intenções. Mora aqui, entretanto, o maior erro do filme: seu vilão. Apesar de gerar boas cenas de conflito, todo o plot circundando a figura do Hipnotizador é batida e quando existem reviravoltas, são previsíveis. Depois de enfrentarem o tão bem construído Síndrome (ou Bochecha), Os Incríveis mereciam um vilão a altura em sua continuação. Não acontece.
Tecnicamente, a animação é brilhante. É interessante que as características principais ainda estão lá, como os rostos quadrados dos personagens. Mas detalhes como o cabelo de Violeta e a textura da animação são formidáveis e de extrema evolução. Além disso, destaque pra trilha sonora, que remete magicamente ao primeiro sem deixar de trazer boas adições. Por fim, um elogio à dublagem brasileira, que trouxe nomes como Evaristo Costa (dublando um repórter) e Raul Gil extremamente bem alocados e com falas bem pensadas – sem contar as adaptações de gírias e inserções de expressões atuais brasileiras que são capazes de trazer o filme mais perto do público com enorme eficiência.
Por fim, Os Incríveis 2 consagra-se como mais uma das memoráveis animações Disney e Pixar e atende às expectativas geradas por 14 anos de espera. Resta-nos agora especular sobre a possível criação de uma franquia com a família Pera – que definitivamente, são os melhores para estrelarem uma série de filmes. Que não demore mais 14 anos.