Pâmela Palma
O novo filme de Christopher Nolan (Tenet) estreou de um jeito diferente de tudo produzido pelo cineasta até hoje. Oppenheimer chegou às telas com um teor crítico e extremamente didático, algo raramente produzido por outros grandes nomes da atualidade. De forma densa, realista e rica em detalhes, a obra nasce com a intenção de retratar biograficamente a vida do físico e cientista J. Robert Oppenheimer, responsável pelo Projeto Manhattan e pelas duas grandes bombas atômicas utilizadas pelos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki como ultimato para cessar a Segunda Guerra Mundial em 1945.
Para facilitar a compreensão das três horas densas, Nolan constrói uma versão dupla, dividindo as cenas em duas partes: as coloridas, que representam a visão de Oppenheimer (Cillian Murphy), e as que possuem tratamento preto e branco, que, ao invés de relatarem fatos passados, teletransportam o público para o presente, em uma visão externa dos acontecimentos, fazendo com que o filme ganhe um caráter inédito e uma construção visual impecável. Apesar disso, em alguns momentos, o diretor parece ter dificuldade para encaixar os contextos em suas respectivas linhas do tempo, já que o longa aborda diversos personagens para seguir com a história.
O secreto Projeto Manhattan deu origem a Los Alamos, cidade financiada pelo governo americano que foi usada como berço para a bomba atômica. A arma, responsável por aniquilar cerca de 265 mil pessoas, foi construída em segredo no local, liderada por Oppenheimer com a participação de outros renomados físicos, que também ganharam pequenos momentos na trama. Entretanto, o grande elemento de análise é J. Robert Oppenheimer, vivido de forma impecável por Murphy, concorrendo à estatueta de Melhor Ator no Oscar.
Polêmico, ambicioso, confuso e covarde (quando não se tratava de física) são palavras que resumem bem a personalidade do cientista. Embora dono de uma mente genial, ele já possuía comportamentos problemáticos desde a academia. No que diz respeito à construção pessoal do personagem, a trama entrega ótimos resultados, principalmente nos primeiros momentos, ao abordar o fascínio de Oppenheimer pelos elementos químicos, em uma jornada para provar a si mesmo que ele pode fazer mais. É nítido que Cillian Murphy dá a vida e todo o charme necessário para trazer todas as nuances esperadas para o papel.
Muito da obra gira em torno do caos político que pairava sobre a época. Neste contexto, Oppenheimer se afeiçoa pelo comunismo, logo quando se torna um professor renomado. Sua família não faz diferente: o irmão, Frank (Dylan Arnold), era membro ativo do Partido Comunista, e para a cereja do bolo, o protagonista se casa com Katherine (Emily Blunt), também alinhada ao movimento. Mesmo deixando a organização após se casar, por saber das complicações que causaria na trajetória do marido, os rastros desse passado os perseguem para sempre, se tornando o grande estopim para a carreira brilhante do físico ir ladeira abaixo.
Um ponto alto que merece o devido reconhecimento é o papel que Emily Blunt interpreta durante o desenrolar da história, crucial tanto para a trama, quanto para o descanso dos telespectadores e também reconhecida com uma nomeação da Academia, como Melhor Atriz Coadjuvante. É ela quem traz os principais momentos de emoção, já que a história conta com atuações totalmente racionais e frias. Por outro lado, Florence Pugh, que vive Jean, a amante do protagonista, não teve a mesma sorte e fez o melhor que pôde com seus poucos minutos de tela, que, na maioria, são apenas cenas de cunho sexual. Entre os saltos dessas relações, é nítido quão confusa é a mente de Oppenheimer, vivendo em uma relação morna com ambas as mulheres de sua vida, sem transparecer a sensação de um amor profundo. A morte de Jean surge apenas para tentar trazer uma entonação emocional para o personagem, mas acaba sendo irrelevante. Cillian Murphy e papéis sentimentais na mesma frase são coisas quase impossíveis.
À medida que o projeto se desenvolve e a tão esperada data do grande teste chega, nota-se a evolução do quadro perturbador do pai da bomba atômica. Além disso, algo muito importante vem à tona: o início das movimentações de Lewis Strauss (Robert Downey Jr.) para fazer com que Oppenheimer perca seus acessos confidenciais logo após a entrega da arma. Essa virada de chave é o primeiro passo de Nolan para a tentativa de segurar a curiosidade do espectador para o restante da trama.
Trinity, o momento que todos aguardavam ansiosamente, chega com um apoio gigantesco da trilha sonora de Ludwig Goransson. Composta por pianos, violinos e harpas, ela sustenta o suspense nos minutos antes da explosão, quando surge a grande reviravolta: o silêncio interminável, ao invés do barulho estrondoso de uma bomba, tudo que se pode ouvir é a respiração profunda de Oppenheimer. Nolan faz questão de projetar a cena desta maneira para lembrar que o filme é sobre a visão do personagem e não mais uma história sobre o ataque como outras mil que já existem. É o silêncio que permite captar as emoções de medo e ansiedade do físico, que seguem pelo momento em que os caminhões levam as verdadeiras bombas ao campo de batalha, no qual o vemos desmanchar em arrependimento.
Com um sucesso monstruoso, Oppenheimer acumulou estimados US$ 700 milhões nas bilheterias pelo mundo. O favorito da crítica lidera a lista de filmes indicados ao Oscar com 13 indicações, superando Pobres Criaturas, que possui 11 indicações na premiação mais aguardada do ano. Além deste grande êxito, o filme ainda levou várias estatuetas de premiações renomadas do cinema, como Globo de Ouro, SAG Awards, BAFTA (o Oscar britânico) e Critic’s Choice Awards. No Oscar, consolida sua corrida com Melhor Diretor, para Christopher Nolan, Melhor Filme e Melhor Som, entre outras nomeações.
Seguindo com as explosões. Quando o projeto final é entregue nas mãos das autoridades americanas, as suspeitas de Oppenheimer ser um espião soviético já estão no auge, já que uma operação comandada por um comitê forjado tem investigado a fundo seu passado. Vem a tona que tudo isso é armado por seu até então colega Lewis Strauss (Robert Downey Jr.). A atuação de Downey Jr. entrega uma performance avassaladora, talvez a melhor de sua carreira, digna de um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
Como nem tudo na vida é perfeito, ainda faltando cerca de uma hora de Oppenheimer, após o ponto alto que foi o teste Trinity, Christopher Nolan assume o desafio de terminar de contar o restante da história de maneira que prenda a atenção do público. O que sobrou foi um emaranhado de questões políticas que decidiram o destino da carreira de J. Robert Oppenheimer. Os momentos de julgamento parecem intermináveis, contudo, necessários para a finalização do longa, que termina relatando nada mais e nada menos do que a realidade de uma mente brilhante que foi usada pelas autoridades da época e praticamente esquecida depois, reduzido a um homem comum colecionando medalhas.
Trazendo todos os elementos importantes para que possamos chamá-lo de um ‘‘super filme”, Oppenheimer não é para amadores. Longo, denso e detalhista, é uma obra-prima quando se trata de estrutura, uma vez que todos os elementos visuais e sonoros são excepcionalmente bem empregados. Ainda que o elenco possua grandes nomes para tentar suavizar a densidade, a história exige atenção máxima nas três horas de duração e ainda não superou outras grandes produções de Christopher Nolan, como A Origem e Interestelar. Ainda assim, é evidente que é um dos maiores lançamentos de 2023.