A ruína dos homens em Oeste Outra Vez

Na imagem, em formato horizontal, Toto e Jerominho cavalgam por uma paisagem de mato amarelado e morros ao fundo. O fundo é azul com árvores. Toto está do lado esquerdo, mais atrás de Jerominho, em cima de um cavalo com pelagem cinza. Ele veste uma camisa de botão na cor branca e calça jeans. Ele é um homem na faixa dos 60 anos, de pele escura e cabelos grisalhos. Jerominho está mais à frente, montado em um cavalo branco, bem sujo. Ele veste uma jaqueta azul e calça cinza, Usa na cabeça um chapéu preto. Ele é um homem na faixa dos 80 anos.
As filmagens foram feitas no sertão de Goiás (Foto: O2 Play)

Davi Marcelgo

Já tem alguns anos que o Cinema, principalmente o western, tem desconstruído os mitos que solidificaram gêneros. Oeste Outra Vez, de Erico Rassi, segue pela mesma boiada, colocando em duelo os homens e seus relacionamentos. Nesse sertão, Toto (Ângelo Antônio) contrata um pistoleiro para dar um fim no homem que conquistou sua mulher. O filme faz parte da seção Mostra Brasil da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Não é exagero afirmar que o trabalho de Rassi é um dos melhores desta edição da Mostra; diálogos assombrosos, takes riquíssimos e a perfeita escolha de cores são os destaques no mar de qualidades deste clima árido. O longa é muito duro, são poucos cortes, quase nenhuma movimentação de câmera e planos que se estendem, simulando a vida desses personagens chucros, que convivem com muita sujeira e precariedade: dividem um mesmo prato com três colheres. No início, a primeira coisa que se ouve é o zumbido de uma mosca e o que se vê é um campo árido cheio de lixo. 

A casa do protagonista, dos coadjuvantes e os espaços que todos frequentam expressam a falta de alguma coisa. Um caco de vidro é usado como espelho, quase nada aparenta limpeza – nem roupas ou louça –, os bares estão vazios, se cheios, sem mulheres e o jogo de sinuca não tem vencedor. Se estamos no oeste outra vez, o que mudou desde a primeira vez que um caubói marcou a pegada de sua bota? 

Na imagem, Durval está sentado no balcão de um bar, segurando entre as mãos um copo de cerveja. Ele é um homem negro na faixa dos 40 anos, de cabelos crespos. Ele veste uma camisa de botões xadrez na cor vermelha e um relógio de pulso na cor dourada. As paredes são metade azul e metade vermelha. Ao fundo há dois carros estacionados. Um branco e o outro vermelho.
O filme ganhou o prêmio de Melhor Longa-Metragem Brasileiro no Festival de Gramado de 2024 (Foto: O2 Play)

Os homens do diretor goiano não são heróis, grandes pistoleiros ou símbolos de honra. Mas, sim, sórdidos; o que sabem fazer melhor é beber e pouco conversam. Porém, são muito parecidos, não existem vilões ou maniqueísmos, todos estão ligados pela ausência do amor e a incapacidade de viver sozinho. Em certo momento, Toto, ao telefone, diz que Jerominho (Rodger Rogério) não é seu amigo, mesmo que ambos atravessem um sertão juntos, eles não reconhecem nesses homens um senso de irmandade e de afeto. 

Toto, Durval (Babu Santana) e todos os personagens tratam as mulheres como posses, algo que foi roubado, perdido ou tirado deles por alguém. Não como uma pessoa que optou em ir embora. Esse comportamento, faz sentido na construção desta história, afinal, é uma das poucas realizações que eles têm na vida. Outros nem possuem e só viveram uma paixão de “longe”. A única mulher que aparece em todo filme, sem aparecer seu rosto, é a razão para todos os confrontos existirem, mas ela dá as costas e vai embora, deixando que os homens briguem. Eles continuam repetindo ciclos de violência até quando quem estava ali não vai voltar.

A direção de Erico Rassi é seca como o deserto, dura como o cacto e ardida como o sol. Ele não é pomposo ao contar a história de homens perdidos em suas masculinidades, com poucas falas e muitos momentos silenciosos. O western brasileiro mantém eles no mesmo lugar que saíram, distanciando a câmera cada vez mais; não há planos detalhe, os horizontes são muito maiores que eles e as cenas de ação escassas. As escolhas narrativas de Rassi não dão margem para salvação dos personagens e levam-nos ao Oeste Outra Vez.

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