Davi Marcelgo
Já tem alguns anos que o Cinema, principalmente o western, tem desconstruído os mitos que solidificaram gêneros. Oeste Outra Vez, de Erico Rassi, segue pela mesma boiada, colocando em duelo os homens e seus relacionamentos. Nesse sertão, Toto (Ângelo Antônio) contrata um pistoleiro para dar um fim no homem que conquistou sua mulher. O filme faz parte da seção Mostra Brasil da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Não é exagero afirmar que o trabalho de Rassi é um dos melhores desta edição da Mostra; diálogos assombrosos, takes riquíssimos e a perfeita escolha de cores são os destaques no mar de qualidades deste clima árido. O longa é muito duro, são poucos cortes, quase nenhuma movimentação de câmera e planos que se estendem, simulando a vida desses personagens chucros, que convivem com muita sujeira e precariedade: dividem um mesmo prato com três colheres. No início, a primeira coisa que se ouve é o zumbido de uma mosca e o que se vê é um campo árido cheio de lixo.
A casa do protagonista, dos coadjuvantes e os espaços que todos frequentam expressam a falta de alguma coisa. Um caco de vidro é usado como espelho, quase nada aparenta limpeza – nem roupas ou louça –, os bares estão vazios, se cheios, sem mulheres e o jogo de sinuca não tem vencedor. Se estamos no oeste outra vez, o que mudou desde a primeira vez que um caubói marcou a pegada de sua bota?
Os homens do diretor goiano não são heróis, grandes pistoleiros ou símbolos de honra. Mas, sim, sórdidos; o que sabem fazer melhor é beber e pouco conversam. Porém, são muito parecidos, não existem vilões ou maniqueísmos, todos estão ligados pela ausência do amor e a incapacidade de viver sozinho. Em certo momento, Toto, ao telefone, diz que Jerominho (Rodger Rogério) não é seu amigo, mesmo que ambos atravessem um sertão juntos, eles não reconhecem nesses homens um senso de irmandade e de afeto.
Toto, Durval (Babu Santana) e todos os personagens tratam as mulheres como posses, algo que foi roubado, perdido ou tirado deles por alguém. Não como uma pessoa que optou em ir embora. Esse comportamento, faz sentido na construção desta história, afinal, é uma das poucas realizações que eles têm na vida. Outros nem possuem e só viveram uma paixão de “longe”. A única mulher que aparece em todo filme, sem aparecer seu rosto, é a razão para todos os confrontos existirem, mas ela dá as costas e vai embora, deixando que os homens briguem. Eles continuam repetindo ciclos de violência até quando quem estava ali não vai voltar.
A direção de Erico Rassi é seca como o deserto, dura como o cacto e ardida como o sol. Ele não é pomposo ao contar a história de homens perdidos em suas masculinidades, com poucas falas e muitos momentos silenciosos. O western brasileiro mantém eles no mesmo lugar que saíram, distanciando a câmera cada vez mais; não há planos detalhe, os horizontes são muito maiores que eles e as cenas de ação escassas. As escolhas narrativas de Rassi não dão margem para salvação dos personagens e levam-nos ao Oeste Outra Vez.