Henrique Marinhos
Exibido na seção Perspectiva Internacional da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, O Pardal na Chaminé (Der Spatz im Kamin, no original), é um filme suiço dirigido por Ramon Zürcher e chega para provar que o ditado popular “família não se escolhe” não é só uma frase jogada ao vento – é uma sentença. Uma casa de campo, que parece um refúgio de tranquilidade, não demora a se mostrar uma prisão emocional onde as tensões familiares afloram o pior de cada um.
O maior problema da obra é justamente essa transição previsível e mal conduzida do bucólico ao caótico. Apressado em subverter o cenário idílico em um espetáculo de caos, o resultado se torna mais um choque gratuito do que um desenvolvimento natural dos personagens. Não há tempo para sutilezas, o filme entra de cabeça no desastre sem antes construir, verdadeiramente, o que está sendo destruído.
Em contrapartida, o primor técnico é, em partes, reconfortante. A Fotografia de Alex Hasskerl capta com sensibilidade tanto a serenidade superficial da natureza quanto o turbilhão emocional humano. A montagem, também realizada pelo diretor, confere uma fluidez muito bem-vinda à densidade do longa. A construção de som, por Balthasar Jucker, é deliciosa; envolve o espectador e ajuda a prender a atenção mesmo diante de tantas atrocidades. Do contrário, a chance de deixar a sala de cinema seria muito maior.
Aparentemente, há tentativas de humanizar os personagens. Em meio às catástrofes subsequentes, Zürcher insere lampejos de vulnerabilidade – pequenos gestos; olhares de dor; silêncios carregados. Contudo, essas fagulhas se perdem no meio da avalanche de negatividade que o filme insiste em despejar. Disputas verbais que escalam para o ódio explícito, sem qualquer aumento no tom de voz, não deixam frestas para justificar essas relações fragmentadas além de um ressentimento cego e recorrente. No fim, o espectador se vê em uma posição ingrata: procurar algo de bom ali parece um esforço em vão.
Podemos traçar um paralelo com Tia Virgínia (2023), que também explora as relações familiares, mas de uma maneira muito mais compassiva e próxima da nossa realidade. Enquanto o filme suiço nos arrasta para um abismo de desesperança, o longa brasileiro lembra que, apesar dos conflitos e das dores, há a possibilidade de cura, mesmo que parcial. Essa ausência de qualquer ponto de luz é o que nos desanima. Somos confrontados apenas com a escuridão, sem qualquer indicação de que exista uma saída ou uma forma de redenção, e, quando finalmente se debruça em um Terror espectral e surrealista, já é tarde demais.
A violência é um espetáculo à parte. O diretor não poupa o público dos atos cruéis – sejam eles físicos ou emocionais. Só que, ao invés de dar significado a essa violência, parece que o filme se deleita nela, como se o único objetivo fosse empurrar o espectador para fora da zona de conforto. Somos expostos a maus tratos às crianças e animais; agressões gratuitas; mentiras. Também presenciamos insinuações de pedofilia; humor mórbido; doenças graves como motivos de piada; traição à luz do dia; ameaças de morte a esmo; automutilações; incendiários. Assim, o roteiro se orgulha em incluir um catálogo de perversidades, como se cada elemento fosse uma tentativa de superar o anterior.
Não há contexto algum que justifique plenamente tantas cenas perturbadoras – elas estão ali, impiedosas, para garantir que o público saia desconfortável, no entanto sem qualquer porquê. Somente nos fazem querer que acabe logo e nos deixam relativamente felizes de não estarmos nesse ambiente. Nesse ponto, nos conectamos com a única personagem que compartilha dessa visão: a filha que decidiu partir porque, segundo ela, “tudo nessa casa se quebra”. Ela é a figura mais intrigante simplesmente por ter conseguido escapar desse ciclo tóxico, mas seu tempo de tela é frustrantemente limitado.
Em O Pardal na Chaminé, não há espaço para que nada floresça. É muito claro que, ali, a felicidade é uma ilusão inalcançável. No fim, a única certeza é que, assim como a filha que partiu, talvez, o verdadeiro ato de coragem seja reconhecer o que é irreparável e seguir adiante, deixando para trás o peso de um passado insustentável. Afinal, não precisamos comer a cereja amarga de um bolo que só tem gosto de desespero.