Carol Dalla Vecchia
Dezembro está de volta, o que significa que os filmes de natal também vão dar as caras o mais rápido possível. Prepare-se para maratonar comédias românticas cheias de neve e pinheiros, animações contando sobre o Papai Noel e seus filhos, ou produções que retratam grandes ceias natalinas. Não é de hoje que os produtores aproveitam essa data para criar e vender histórias emocionantes, afinal, todo mundo parece gostar do natal. Só há uma criatura descontente com esse dia: é o Grinch.
O Grinch é um personagem verde, peludo e mal-humorado que odeia o natal e os Quem. Ele vive em uma caverna nas montanhas apenas com a companhia de seu fiel cão, Max. Lá eles recebem todo o lixo produzido pela vila na base da encosta e o Grinch se alimenta desses dejetos para não precisar comprar alimentos ou socializar. A interação com a vizinhança só é permitida quando ele busca entretenimento em alguma travessura. As histórias desse anti-herói já ganharam várias adaptações, como um especial televisivo em 1966 e uma animação em 2018, mas aqui focaremos no filme de 2000, que está completando seu aniversário de 20 anos.
Essa criatura ranzinza foi criada por Theodor Seuss Geisel, um escritor norte americano que assinava apenas como Dr. Seuss e ficou conhecido por criar personagens como o Lorax, o Horton e o Gatola da Cartola. Infelizmente suas obras demoraram para ser traduzidas no Brasil, o que faz com que seus livros não sejam populares em território nacional. Felizmente, as adaptações cinematográficas alcançaram o mundo todo e, em 8 de dezembro de 2000, chegava às telas brasileiras a clássica adaptação do livro How the Grinch Stole Christmas. No original, o filme levava o mesmo nome que o livro, no Brasil, ele ostenta apenas o nome do protagonista interpretado por Jim Carrey, O Grinch.
“Num floco de neve
Que você encontrar
Acontece essa história
Que vamos contar”
Desde a primeira cena até o fim do filme, ouvimos uma voz over, um narrador que recita estrofes de poemas que se assemelham muito ao texto original do livro. As rimas são simples como as de um conto infantil, mas são elas que encaminham o enredo com conteúdo complementar ao que vemos na tela. Em vários trechos, a narrativa poética brinca com as falas dos personagens, o próprio Grinch completa alguns versos ou tenta responder o narrador. Na versão em inglês, quem recitava os versos era Anthony Hopkins, mas na versão dublada quem dá a voz a esses trechos é Antônio Fagundes.
“Lá entre as montanhas
Nas terras do além
É que fica a Quemlândia
A Terra dos Quem”
A história se passa na Quemlândia, uma micro vila que fica dentro de um floco de neve. Lá vivem os Quem, um povo humanoide com focinhos arrebitados, penteados engraçados e roupas extravagantes. Todo o cenário é cheio de casas com formatos incomuns e carros de brinquedo em tamanho real. Entretanto, apesar de O Grinch nos apresentar um espaço exótico, a Quemlândia e seus moradores não são tão diferentes dos seres humanos. Eles possuem falhas muito semelhantes às da sociedade comum e, além de falhas, os Quem também têm qualidades e compartilham alegrias, sendo a maior de todas o natal.
“Qualquer Quem sabe
Não existem local
Igual à Quemlândia
No dia de natal”
De acordo com o narrador, nenhuma outra festividade é tão importante para os Quem quanto o natal, por isso, eles têm um grande relógio que conta cada segundo restante para a data e, quando ela se aproxima, todos ficam histéricos para comprar os presentes, enfeitar suas casas e assar o rosbixo da ceia. Porém, no meio dessa loucura, uma criança pensa diferente. Cindy Lou Quem (Taylor Momsen) está cansada do natal, ela acha que é um feriado no qual as pessoas ficam frenéticas com coisas supérfluas, como os presentes e as promoções.
“Se o Grinch era tão mau
Por que me salvou?
Talvez não fosse tão mau
É o que ela pensou.”
No enredo do filme de 2000, Cindy Lou expõe seu questionamento sobre o sentido do natal e, em seguida, esbarra com o Grinch quando a criatura a salva de ser engolida por uma máquina de triagem dos correios. Para a menina, esse salvamento é a prova de que ele não deve ser tão horrível quanto as pessoas pensam e como ela compartilha alguns sentimentos com ele, como o desgosto pela festividade natalina, Cindy decide entrevistar pessoas que fizeram parte da vida do Grinch para entender o porquê de suas atitudes.
Além de entrevistas, ela indica o Grinch para ser o Quem-Animador da Quem-Festança de natal. O prefeito Augustus Quem (Jeffrey Tambor) não suporta a ideia e até inventa leis inexistentes para não convidar o vizinho, mas Cindy ganha o coração do público e traz o Grinch para a celebração. Ao fim da festa porém, o prefeito presenteia o animador com um barbeador que o lembra de sua infância e o Grinch enlouquece ao perceber que a ganância e a vaidade do prefeito são maiores do que qualquer outro sentimento que o natal busca nutrir. “É para isso que tem servido o natal: presentes e presentes […] A cobiça não tem fim”, gritou o Grinch enquanto destruía a festa.
“Então ele teve uma ideia
Uma ideia horrorosa
O Grinch teve uma ideia horrível e maravilhosa”
O sentimento que as ações do prefeito despertam no Grinch fazem com que ele tenha a grande ideia de roubar o natal. Vestindo-se de Papai Noel, ele furta os presentes, a comida e a decoração de todas as casas, pensando que isso bastará, mas em meio a discussões e aprendizados, os Quem descobrem que o natal não é um bem material, ele está na companhia das pessoas e na oportunidade de um novo dia para ser um indivíduo melhor. Ao tentar estragar o natal, o Grinch na verdade, trouxe de volta o real sentido do feriado.
Apesar de ter sido pensado originalmente em uma reflexão infantil, o filme ganhou um enorme orçamento de 123 milhões de dólares que demandavam um bom lucro. Para isso, o diretor Ron Howard e o roteirista Jeffrey Price precisaram trabalhar em uma trama que não atraísse apenas crianças, mas que também fosse interessante para o público adulto. Piadas, cenas sarcásticas e críticas sociais foram introduzidas na história original, o que fez com que o filme perdesse o certificado de “livre para todos os públicos”, e as crianças só podiam entrar acompanhadas de seus pais.
De toda forma, essas cenas incomuns a filmes natalinos funcionaram muito bem, principalmente por terem sido interpretadas por Jim Carrey, que conseguiu ser expressivo e cativante mesmo sob a pele de um ser verde, peludo e rabugento. O Grinch se torna uma criatura muito engraçada dentro de sua maldade. Lembro-me de quando minha mãe trouxe o DVD da locadora, ela tinha um clube de discussão sobre filmes e alugava histórias diferentes toda semana; nem sempre eu me interessava, mas ver o Grinch na capa despertou minha curiosidade.
Assistir àquela aventura super animada, ver Grinch e Max entrando em enrascadas e Cindy Lou agindo com mais sensatez do que a maioria dos Quem adultos me trouxe uma alegria que eu não compreendia. Mesmo assim, O Grinch (2000) se tornou meu filme obrigatório de natal, todos os anos eu volto a assistir e sempre me surpreendo com a sabedoria que está escondida nas ações do anti-herói protagonista. No fundo, ele é apenas um Quem que foi rejeitado, humilhado e excluído, por isso ele tem dificuldades de interação social e assume um papel de perturbador da ordem. Talvez ele não tomaria certas atitudes se não fosse as experiências as quais foi submetido e isso me leva a repensar minhas próprias atitudes.
“Talvez a cabeça fosse mal aparafusada
Ou então suas botas seriam muito apertadas
Mas eu acho que a razão principal
Era o seu coração bem menor que o normal.”
Desde o começo da história, o Grinch é apresentado como um monstro por suas ações e por sua aparência, mas apenas Cindy Lou tenta compreender a seus sentimentos e seu passado. Nessa jornada ela percebe que desde pequeno, o Grinch foi negligenciado e sofreu bullying por sua cor e seus pelos. Quando criança, o jovem Augustus gozava do Grinch porque este tentava se encaixar nos padrões sociais. Augustus se torna o prefeito da Quemlândia e mantém o inimigo distante enquanto cresce em sua ganância e corrupção.
Não é possível negar a maldade que está dentro do Grinch, seu coração se encolheu, oprimido pelas ações de Augustus. Dessa forma, o prefeito é a personificação dos maiores defeitos da sociedade: ele é a vaidade, a cobiça, o preconceito, o bullying e a exclusão, sem contar o materialismo e a futilidade representados pela importância que ele deposita nos presentes de natal. O prefeito é o verdadeiro monstro dessa história e se o natal é uma oportunidade de evolução, por que não aproveitar esse dia para destruir a crueldade presente entre nós?
Além de um ótimo entretenimento, O Grinch (2000) é sobre aprender com as outras pessoas, estar perto delas e demonstrar empatia por suas vivências. Mesmo completando vinte anos, esse filme ainda é atual no monstro que nos apresenta e nas mensagens que precisam ser absorvidas. E que o natal de todos seja como o do Grinch, cheio de amor e solidariedade.
“Talvez o natal
Não se compra no mercado
Talvez o natal possa ter muito mais significado”