Aviso: O texto contém alguns spoilers

Davi Marcelgo
Depois de Christopher McQuarrie conceber o melhor filme da franquia, o cineasta trava a impossível missão do novo superar o antecessor. Tarefa que o faz aderir à rebeldia: não por incapacidade, mas por opção. Missão: Impossível – O Acerto Final conclui o embate entre Ethan Hunt (Tom Cruise) e a Entidade, renunciando as convenções da saga e investindo na crença que o público possui no Cinema. Na trama, o agente e sua equipe precisam reunir as forças remanescentes para impedir que a Entidade destrua o mundo ou obrigue as principais nações nucleares a fazê-lo.
Enquanto o sétimo capítulo é solar, bem-humorado e com muita energia – a montagem de Eddie Hamilton nunca deixa o filme perder ritmo -, o novo filme é o oposto. Com cores frias, número inferior de cenas de ação e muito diálogo sobre geopolítica, o diretor e roteirista fabrica uma realidade comandada por uma Inteligência Artificial e, por isso, há uma injeção de desesperança que assola aquele mundo. Se a IA é quem domina o espaço material da humanidade, o longa também se adequa aos prognósticos da tecnologia.

As sequências de ação são pontuais e dramáticas, o show de ilusão ou uma perseguição irada de carros pela Europa são castrados e dão lugar a um senso de perigo, perda humana e silêncio. O protagonista está mais violento e a cadeia de acontecimentos que encerra o segundo ato é inibida de trilha sonora, da trivial montagem paralela ou de falas: Ethan Hunt está sozinho em um submarino abandonado.
Somos guiados pelo rigor da decupagem de McQuarrie, que constrói tensão a partir da ausência de luz e do uso do cenário, seja na claustrofobia de espaços pequenos ou pelo visual, por meio de objetos em cena que estão desorganizados ou soterrados. Se O Acerto Final difere dos episódios da franquia, pelo menos o cineasta consegue tirar proveito da situação e renova os mecanismos para causar emoções no público, se assemelhando mais ao início comandado por Brian De Palma (diretor do original) do que ao próprio tipo de Cinema, megalomaníaco e maximalista.

Todo movimento dos agentes do IMF é calculado – pelo menos em grande parte da história -, eles possuem um plano e têm de segui-lo. Em distinção da narrativa criada por McQuarrie nos três filmes anteriores a este, há pouco espaço para improviso. Os espiões precisam agir como o arquétipo de máquina: há uma missão e ela precisa ser cumprida; respeitando algoritmos e sequências. Porém, se em O Acerto de Contas, a Entidade e Hunt eram semelhantes pelo caráter rebelde e intrusivo, ocasião em que a edição construía paralelos da imagem do agente com a narração sobre a IA, neste último capítulo, a diferença não poderia ser mais gritante. Ora um é humano, o outro uma máquina.
O roteiro de McQuarrie prefere usar a humanidade do espião como bússola e, a partir disso, transformá-lo em um Messias. Quando a provação – e momento de virada na trama – de Ethan Hunt termina e ele, literalmente, é ressuscitado, o filme ganha, novamente, o aspecto enérgico comum. Para vencer o instrumento, é preciso “dar um jeito”, frase eternizada nas últimas aventuras da equipe. Porém, mais do que isso, é necessário ter fé.

Durante os percalços enfrentados e planejados, as personagens precisam contar com um sentimento que jamais um espião deve ter: confiança. As forças armadas precisam confiar em Hunt, pessoas em espiões desconhecidos que batem à porta e os agentes devem acreditar na sorte. Que o acaso vai salvá-los da morte. Mais do que nunca, na franquia, destino e crença, que andam juntos, são uma resposta ao cálculo frio da IA. Ter fé é um ato de rebeldia em um filme controlado.
Missão Impossível – O Acerto Final inicia sua trama com a presidenta dos Estados Unidos clamando ao personagem principal para se entregar. Não há mais uma missão para ser aceita. E ao final, Ethan Hunt é santificado ao cair do céu enquanto o público testemunha Grace (Hayley Atwell) indagar “Onde está você, Ethan?”, como um fiel desamparado que ora a Deus. A oitava missão impossível faz com que suas personagens sejam como o espectador: crentes. A Ação só funciona se você acreditar que aquela ilusão imagética capturada por uma câmera e manipulada por muitos profissionais é real. É se permitir abdicar da física real e abraçar o Buster Keaton que há em todos nós – do inocente ao radical.