Melhores discos de Junho/2019

Emicida se uniu a Pabllo Vittar e Majur para trazer luz sobre o diálogo da saúde mental na visceral “AmarElo”. O sample de Belchior coroa a parceria. (Divulgação/Papel Pop)

Junho marca o início do verão americano e também celebra o orgulho LGBTQ. Artisticamente, o mês seis costuma ser um dos mais frutíferos do ano. Amém! E acaba que é muita música boa para míseros 30 dias. Os nossos momentos preferidos estão elencados abaixo.

Gabriel Ferreira, Jho Brunhara, Leonardo Teixeira

black midi – Schlagenheim

rock experimental

Um dos debuts mais aguardados da história recente, Schlagenheim foi primeiro testemunhado na forma de pocket show na notória emissora de rádio americana KEXP. Como bem apontado na elogiosa resenha da Pitchfork, o vídeo uniu tribos: fãs de rock progressivo setentista, fãs da no wave oitentista ou fãs da nova geração pós-punk, todos se reuniram em volta do quarteto londrino em êxtase. A energia daquela performance foi mais do que suficiente para suscitar expectativas altíssimas para a estreia do black midi.

E aí? Para uma banda que construiu sua reputação pelos shows apoteóticos, Schlagenheim é menos barulhento do que se esperaria. Em vez de se basear no noise rock, a banda preferiu focar nos grooves quebrados, desde já sua marca registrada. O resultado é, surpreendentemente, um álbum que poderia muito bem ser rotulado como “rock progressivo”. A versatilidade da tracklist é notável, bem como a interpretação e as letras de Geordie Greep. Há ainda o que se amadurecer, mas, para uma estreia, está de bom tamanho. (GF)


Luísa Sonza – Pandora

pop

Luísa Sonza sabe o que está fazendo. Para o bem ou para o mal, os singles que a cantora gaúcha colocou na pista nos últimos anos causaram significativo impacto na internet. Pandora é o amadurecimento bem-sucedido dessas narrativas, além de ser evidência da ambição da artista, uma vez que álbuns andam meio fora de moda. Sonza não precisava lançar um disco, mas a escolha de fazê-lo foi bem pensada e rende bons frutos.

tracklist passa longe de reinventar a roda, no entanto faz um trabalho bom em referenciar tudo o que bomba na música pop brasileira. Garupa é o hit LGBTQ+ que todos pedimos no último Carnaval, ao passo que Apenas Eu, em toda a sua potência vocal, lembra clássicos da música gospel — ou seja, imperdível. (LT)


Madonna – Madame X

pop

Apesar dos boicotes, lançamentos da Rainha do Pop ainda conseguem render pauta mundo afora. Talvez pelo ineditismo do cenário — uma artista feminina de alcance imenso que segue se reinventando após quase quatro décadas de sucesso, não se contentando em se acomodar nos louros do passado —, Madame X teve uma recepção até calorosa. Mas, como todo bom trabalho de Madonna, o buraco é mais embaixo e o novo disco é pra ser redescoberto mais e mais vezes, para além das polêmicas.

A mudança de Madge para Portugal é crucial no entendimento de sua nova persona. O olhar aqui não recai apenas sobre o fado (estilo musical típico da região), mas em todo o poder multicultural do país. A artista se mantém sempre consciente da influência do colonialismo nas tradições portuguesas e usa desse peso histórico para construir narrativas de injustiça e descontentamento social. A música de outros países de língua portuguesa, como Cabo Verde, Brasil e Angola também compõem a festa.

Exemplo da mistureba bem-sucedida é a sofisticada Batuka, feita em parceria com uma orquestra de batukadeiras cabo-verdenses. Outro destaque é a discoteca surrealista de God Control, que debate o porte de armas e é o melhor trabalho da cantora em quase 15 anos. Faixas tão aventureiras seriam inviáveis, não fosse o tino único e a experiência de Madonna. A Rainha do Pop nunca deixou de ser essencial. E também nunca foi tão necessária. (LT)


Mafius – Tela Azul

rock alternativo, dream pop

Estreia do mineiro Matheus Daniel sob o pseudônimo Mafius, Tela Azul tem como maior trunfo sua honestidade. As seis faixas não reinventam roda alguma: temos a languidez dançante de Mac Demarco, as paredes de guitarra do My Bloody Valentine, o romantismo do The Cure. No entanto, a fusão desses elementos pelas mãos da competente banda de apoio, junto às letras autodepreciativas (“Estocolmo”: “Você me faz querer morrer / mas eu gosto”), dão forma a um disco no mínimo cativante.

Grande parte do apelo de Tela Azul está nos riffs de guitarra, que variam entre o dançante e o lento como uma fita cassete. O uso do sintetizador complementa a impressão. É como diz o verso de “Estocolmo” e o próprio título do álbum: tem algo errado, mas a gente gosta. Pra dar play e dançar esquisito lembrando (ou esquecendo) da vida. (GF)


MC Tha – Rito de Passá

mpb, funk carioca, pop

Quando se fala da nova mpb muitos imaginam uma sonoridade parecida com as clássicas do gênero, e se esquecem que o verdadeiro popular é a arte no ouvido do povo. Eis que surge Mc Tha, rasgando o Céu Azul desse Brasil como uma flecha e ecoando como um trovão.

O primeiro álbum da paulista nascida e criada no bairro Cidade Tiradentes é um sopro refrescante no pop brasileiro.  Com influências brasileiríssimas desde a capa, que é facilmente a melhor do ano, até o som – triângulos, tambores e sintetizadores do funk. Thais mostra pelo que veio, e para quem veio. Rito de Passá celebra a vida da cantora, sua relação com a umbanda e seu posicionamento perante ao mundo.

O disco é repleto de melodias deliciosas e um liricismo poderoso: Mc Tha é poeta tanto quanto é musicista. Seja em sua relação com a crença, o amor ou com sua vida. Rito de Passá é um álbum para rebolar e também para refletir, mas principalmente para celebrar uma cantora completamente imersa no que propôs a realizar. (JB)

Na fé de Zambi e de Oxalá, pedimos licença pros trabalhos começar. 


Test – O Jogo Humano

grindcore

Test é João Kombi (vocais, guitarra) e Barata (bateria), duo que vem infernizando todo e qualquer lugar por onde passa desde 2010. O Jogo Humano, terceiro disco cheio, saiu sem muito alarde em junho, primeiro via download depois via Bandcamp. Apesar da discrição, não se engane: este é um dos maiores lançamentos brasileiros do ano.

A proposta do álbum é realmente ser um jogo: são 54 pequenas músicas que podem ser reunidas como o ouvinte bem entender de modo a formar músicas inteiras. Por essa razão, todas as edições físicas da obra serão diferentes (Walter Benjamin ficaria orgulhoso!).

Segundo o release de O Jogo Humano, a principal inspiração são nossas marchinhas, “um tipo de música comum no carnaval de rua brasileiro que consiste em várias músicas com percussão incessante que satirizam partes particulares da sociedade”. Marchinhas invertidas, já que o som não suavizou nem mesmo um pouco, pelo contrário. Com o cirúrgico Barata a frente no mix e as letras desesperançosas assinadas por gente como Quique Brown (Leptospirose), Jair Naves e Kiko Dinucci (Metá Metá), esse é sem dúvidas um pico na consistente discografia do Test. (GF)

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