Em Megalópolis, Coppola nos permite sonhar com outro Cinema

A imagem está toda em um tom amarelado. Ao fundo é possível ver uma megalópole, com alguns arranha-céu. Mais próximo a câmera, estão várias vigas de metal. À direita estão Cesar e Julia se beijando. Cesar usa uma roupa preta e Julia um vestido verde. Cesar está sentado em uma das vigas e segura a cintura de Julia enquanto a beija. Julia está com apenas um pé na viga.
O filme custou cerca de 140 milhões de dólares (Foto: American Zoetrope)

Em um Cinema que simula um realismo, repleto de imagens sem cor e pasteurizadas, com escassez de histórias originais, recheado de remakes e continuações, pouco há espaço para grandes projetos autorais e arriscados. Sobre esse contexto, grandes diretores da história da indústria começaram a se manifestar, em especial, aqueles que ajudaram a consolidar Hollywood na década de 1970, como Martin Scorsese e Steven Spielberg. Nesse sentido, Francis Ford Coppola se juntou a eles e manifestou seus sonhos com relação à sociedade e a Arte em Megalópolis.

Figuras exóticas, brincadeiras com a realidade, muitas cores, vida e paixão. Parece até a descrição de uma obra das irmãs Wachowski, mas esse é o novo longa do Coppola. Todas as similaridades com a filmografia de Lily e Lana não são por acaso, ainda que não seja uma referência assumida, Megalópolis veio para desafiar a indústria e o tempo. O trato da imagem e a condução sonhadora da trama, buscam um novo olhar para o Cinema a partir do digital, que vai na contramão dos blockbusters realistas, ou seja, vai na antítese da indústria. Assim como Matrix (1999) e Speed Racer (2008) já fizeram anteriormente.

Cesar Catalina (Adam Driver) é um sonhador, um idealista. Ele faz de tudo para conseguir construir sua cidade dos sonhos, com tecnologia de ponta, o diálogo entre diferentes culturas e a ociosidade para se dedicar à Arte, à filosofia e à ciência. Em contrapartida, seu rival, Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), é o homem da concretude. “As pessoas não precisam sonhar. Precisam de professores, saneamento, empregos”. Cicero não enxerga materialidade nas ideias de Catalina, mas este, por outro lado, busca mostrar que não é um mero sonhador. Que é possível o ser humano ser mais do que apenas sobreviver. Cesar é como Francis Ford Coppola, que enxerga o Cinema como Arte. Enquanto a maioria dos estúdios vê apenas uma forma de fazer dinheiro, o diretor busca novas formas de se enxergar o fazer cinematográfico.

A imagem está toda em um tom amarelado. Ao fundo é possível ver uma megalópole. À esquerda está Cesar em cima da Estátua da liberdade. Ele está todo vestido de preto e olha para o horizonte.
O filme foi financiado pelo próprio Francis Ford Coppola (Foto: American Zoetrope)

O aspecto romano não é por acaso. O filme assume que os Estados Unidos se enxergam como a Roma do século XXI, ou seja, o grande Império mundial. No entanto, o longa traz consigo outro aspecto interessante na figura de Cesar, a de uma pessoa que valoriza o tempo para atividades culturais. A exaltação do ócio para a prática da filosofia e ciência era muito comum na sociedade que inspirou o Império Romano: os gregos do período clássico. Ademais, a obra coloca a necessidade de se discutir o futuro do mundo, para que as pessoas busquem melhorar a realidade. Ao somar o tempo para práticas culturais e os debates, é possível encontrar mais um paralelo com a Grécia Antiga.

A obra tem uma questão muito interessante sobre o controle do tempo, que se reverbera nas entrevistas do diretor. Cesar é um homem que quebra as leis da física e consegue congelar o presente, um poder que lhe serve para analisar a realidade atual. Desta forma, ele se torna o homem que pauta o debate sobre o amanhã. Essa ideia não foge muito do que Coppola tem feito com seu filme. Ele analisa o cenário da Hollywood contemporânea e propõe discussões críticas sobre o futuro do Cinema, enxergando Megalópolis como um filme que desafiará o tempo e que será reavaliado criticamente em alguns anos, assim como aconteceu com Apocalypse Now (1979).

O sonho do diretor não se basta apenas no discurso, ele se transforma em imagem. Em contraste com um Cinema que prega uma simulação do realismo, recheado de efeitos práticos e Fotografia acinzentada; a obra é colorida com tons quentes, na intenção de tornar bonito e assumir o estilo farsesco daquele universo. Diferente da grande parte dos blockbusters contemporâneos, Megalópolis tem um artesão do Cinema na direção. A colorização e os efeitos não são feitos apenas em pós-produção. As cenas são previamente pensadas para ter profundidade de campo e iluminação, o que faz com que o resultado seja muito distinto e visualmente mais rico em relação às imagens chapadas de grandes produções como Deadpool e Wolverine (2024).

 A imagem contrasta cores frias com cores quentes. À direita, mais próximo a câmera, está um carro preto. Ao fundo da imagem está uma floricultura, em luzes amarelas com uma tonalidade quente. Ao redor da floricultura predominam cores azuladas e frias.
“O universo é mudança, nossa vida é resultado de nossos pensamentos” (Foto: American Zoetrope)

Entretanto, a estética não é algo bonito e vazio, ele é a externalização da mente de Cesar Catalina. A maneira teatral como alguns personagens se comportam, principalmente os seus rivais, Cicero e Clodio, evidenciam a compostura rígida do primeiro e a vileza do segundo. Francis Ford Coppola encontra, na teatralidade, outra maneira de se comunicar com os tempos de ouro de Roma e Grécia.

É possível enxergar no idealizador, uma busca pelo passado no debate sobre o futuro. Enquanto fala sobre o sonho da sociedade ser mais do que apenas a sobrevivência, ele alude às grandes civilizações antigas. Já ao falar sobre Cinema, ele volta ao período pré-2008, quando era muito explorado as possibilidades do digital. Nesse aspecto, há um diálogo com as obras de George Lucas, pois ele também fazia parte da Nova Hollywood e, quando chegou a década de  2000, também desbravou as novas tecnologias.

Esse filme é uma raridade, pois é um dos poucos Blockbusters independente da história e faz juz ao Cinema independente, ao usar do dinheiro a favor de uma ideia artística e menos mercadológica; sem esquecer o contexto atual. Coppola não vê problema em gastar, desde que ele consiga financiar todas as suas concepções cinematográficas. Megalópolis, seja o filme ou a cidade, não é a resposta, mas a pergunta. É o início dos questionamentos sobre para onde a humanidade ou o Cinema podem ir. Não é sobre dar soluções, trata-se de pautar o debate sobre o amanhã.

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