Nathalia Tetzner
Todo ator é, no fundo, movido pela atenção. Acostumado a esconder a ambição por trás de performances gloriosas, seu maior pesadelo é transparecer pela pele do personagem. Essa situação terrífica acontece com Bradley Cooper que – pela segunda vez assumindo o cargo de diretor em um filme que também protagoniza –, orquestra o seu maestro interior em uma cinebiografia que parece dizer bem mais sobre ele do que o objeto de estudo, o lendário Leonard Bernstein. Ainda que tenha bons momentos, Cooper não consegue desaparecer por completo na pele do compositor do musical West Side Story, fato previsto quando acusações de antissemitismo surgiram por todos os lados pelo uso questionável de uma prótese de nariz.
Em entrevista a CBS Mornings, o artista revelado por Sex and the City chegou a afirmar ter cogitado interpretar sem maquiagem, mas que “nós tínhamos que fazer isso, caso contrário eu simplesmente não acreditaria que ele é um ser humano”. A prótese, também defendida pela família de Bernstein, foi desenvolvida pelo japonês Kazu Hiro, especialista em efeitos visuais já coroado pelas premiações de Cinema tradicionais, que se desculpou aos que ficaram ofendidos. Acontece que em Maestro, o nariz é, não ironicamente, o menor dos problemas. Depois de algumas cenas, o público se acostuma gradativamente. O longa sofre é com o ego de Bradley Cooper que, enquanto visualmente se despede de suas características, não se livra da atmosfera de Oscar bait.
Desde a compra dos direitos autorais em 2008, a história de vida do protagonista passou pelas mãos de Martin Scorsese e Steven Spielberg até chegar em Cooper. Mesmo diante de falhas, ele é um bom ator e diretor, além de ter alguns trabalhos sólidos na filmografia. O seu debut atrás das câmeras, Nasce Uma Estrela (2018), é um dos filmes sobre o universo da Música mais notáveis dos últimos anos e o traz como um ótimo protagonista. Embora esse feito não se repita em Maestro, algumas sequências do longa impressionam como os minutos iniciais, quando o jovem Lenny é agraciado com a chance de conduzir uma orquestra, com o seu entusiasmo genuíno ultrapassando os limites dos 35 milímetros utilizados nas filmagens em preto e branco.
O roteiro de Maestro, escrito por Bradley Cooper e Josh Singer, coloca em foco o casamento de Leonard Bernstein e Felicia Montealegre – atriz estadunidense de ascendência costarriquenha –, interpretada com muita delicadeza por Carey Mulligan que, quando em cena com qualquer outra peça do elenco, ‘dá um baile’. Essa narrativa em torno de um homem cujo maior defeito aparentemente foi amar demais tem seus percalços ao passo em que força os personagens em seu entorno a relembrá-lo de todos os seus feitos como uma forma simplista de não perder a atenção do espectador. Outro ponto no mínimo peculiar é o uso do cigarro como vírgula em quase todos os diálogos; honestamente, se eles não parassem para fumar a cada fala talvez o filme durasse meia hora a menos.
Se o início do longa parece formar um ambiente sereno como as composições de Bernstein, os atos seguintes provam que, felizmente, essa não é a proposta. Ao som das mais belas harmonias, o relacionamento do casal desmorona apenas para se reerguer novamente, fazendo o público pagar um preço pela carga emocional elevada e justificando como, de fato, por trás de todo grande homem existe uma mulher muito otária. Mulligan cresce nos momentos mais dramáticos de sua personagem e, entre o amor e o ódio, tem um arco digno até a despedida de Montealegre. A sua trajetória é atravessada constantemente pelas decepções que tenta suportar para ver Lenny feliz, definhando conforme ele suga a energia por não conseguir ser um por inteiro.
As grandes angústias da esposa de Leonard Bernstein também envolvem os relacionamentos ‘paralelos’ dele com outros homens. Vale destacar como Maestro realiza uma representação fidedigna e natural da comunidade queer, introduzindo os amores anteriores e posteriores do protagonista com maestria, além de entregar uma cena entre pai e filha muito importante para o entendimento do cenário vivido na metade do século passado; somente não tão grandiosa pelo fato de Jamie Bernstein ser interpretada por Maya Hawke, há um bom tempo emulando ela mesma nas produções em que é escalada. No mais, frente a tantos embates, nem mesmo um Snoopy inflável gigante invadindo a paisagem é capaz de atenuar o clima de drama.
Exatamente como todo Oscar bait que se preze, Maestro recebeu sete indicações ao Oscar 2024. Dentre as categorias de Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Ator, Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhor Roteiro Original e Melhor Cabelo e Maquiagem, a sua maior chance está na caracterização elaborada por Kazu Hiro, Kay Georgiou e Lori McCoy-Bell, que talvez tenha lhes custado a reputação nas redes sociais, mas já levou dois prêmios do Sindicato de Maquiagem e Cabelo de Hollywood para casa. Ao longo da divulgação do filme, Bradley Cooper tentou de tudo para atrair os holofotes sobre a sua atuação, até usou das mesmas táticas de sua ex-parceira de cena, Lady Gaga, ao relatar ter visto o espírito de Lenny vagando pelo set, porém, nada parece tirar o homem dourado das mãos de Cillian Murphy por Oppenheimer.
Ao fim, o filme trata de um cineasta tentando conduzir uma obra sobre uma lenda da Música, no entanto, que acaba orquestrando o seu próprio maestro interior. Com cosplays étnicos que variam desde ofender a população judaica até escalar uma atriz britânica para viver uma latinoamericana, Maestro parece preparar o terreno para que, em alguma chance futura, Cooper possa se gabar sobre esse divisor de águas na sua carreira em sua cinebiografia. Enfatizando o monólogo de John Mulaney durante o Governors Awards; foram supostos seis anos de treinamento para executar seis minutos de perfeita condução que a audiência dificilmente saberia distinguir de uma entrega fajuta. Resta a Leonard Bernstein os aplausos eternos e a Bradley Cooper o desejo de que pense melhor sobre o seu papel.