Luigi Rigoni
Polarizando opiniões tanto de crítica como público, o novo filme de Darren Aronofsky, é indiscutivelmente uma obra cinematográfica peculiar. A narrativa, carregada de metáforas e de simbolismos, insere o espectador em uma atmosfera sufocante, despertando um sentimento de impotência diante do cenário surrealista. A falta de nomes dos personagens, monótonas sequências do início do longa e, principalmente, as alusões bíblicas, o confirmam como uma obra pretensiosa, que não almeja, em momento algum, ser facilmente digerida pelo grande público.
Vendido erroneamente como um filme de terror, Mãe! decepcionará espectadores ansiosos por jump scares e outros clichês do gênero. Esse fato se deve a forma como a divulgação do filme foi feita, com um trailer cheio de paredes ensanguentadas e rosto assustados, uma obra que não condiz com a realidade do longa. Logo nos primeiros momentos podemos perceber que o filme irá transitar entre o drama e o suspense psicológico, oferecendo aos espectadores uma obra híbrida, que comporta sequências dramáticas em oposição ao ritmo frenético e sufocante do longa.
Darren Aronofsky frequentemente explora a subjetividade humana em suas produções, que buscam submergir o espectador em clima de tensão. Pi (1998), Requiem for a Dream (2000) e o blockbuster Noé (2014), são alguns dos títulos concebidos pelo diretor, que também é o responsável por Cisne Negro (2010), indicado a cinco categorias do Oscar, incluindo a de melhor filme. Nesta última, a insanidade da protagonista é destrinchada em uma narrativa com final surpreendente e, nesse aspecto, podemos ver convergência com a nova produção de Aronofsky.
Entretanto, a abordagem dada à figura da protagonista que tem a lucidez questionada é distinta nas duas obras. Em Cisne Negro a mensagem é muito mais clara, não deixando possíveis interpretações em aberto. Já no caso de Mãe!, o uso de alegorias permite que o espectador reflita sobre o filme de diferentes formas, podendo ou não chegar a interpretação de cunho bíblico arquitetada pelo diretor ao longo da trama.
Jennifer Lawrence atua como a dedicada esposa de um renomado poeta, interpretado por Javier Bardem, que passa seus dias buscando inspiração para novos poemas. Eles vivem em uma isolada casa de campo, mantida de forma impecável por Jennifer, que constantemente efetua reformas na residência, sempre prezando pelo bem-estar do marido. Apesar disso, percebemos, logo nos primeiros momentos do filme, que a relação do casal beira o tédio. Contudo, esse cenário blasé é abalado com a chegada de um casal de hóspedes fãs da obra do poeta. Os novos moradores, interpretados por Michelle Pfeiffer e Ed Harris, possuem hábitos peculiares, tornando-se a cada cena mais inconvenientes: quebram copos, sujam a cozinha e fumam em ambientes fechados.
A partir da chegada dos irritantes visitantes, percebemos a perda gradativa do suposto controle que a protagonista mantinha sobre sua realidade. Sua casa, símbolo de estabilidade e autocontrole, passa a ser profanada pelos novos hóspedes, que parecem ser protegidos pela necessidade de Javier em manter admiradores por perto. O ego do marido submete Jennifer à atitudes extremamente degradantes, que intensificam suas crises de ansiedade e aumentam a frequência com que a personagem busca acalmar seus ânimos com o uso de remédios, reafirmando a situação delicada a qual a protagonista se encontra.
Para compor o sufocante cenário no qual a personagem de Jennifer Lawrence está inserida, o diretor abusa dos movimentos de câmera, que em ritmo frenético, acompanham incessantemente a perspectiva da protagonista, sem perder um movimento da atriz. Outro importante elemento que ajuda a compor a atmosfera obscura do filme é a falta de trilha sonora, contribuindo para a aparência melancólica do longa. Entretanto, esse recurso pode dispersar espectadores relapsos, que dificilmente conseguirão manter a atenção nas longas e monótonas cenas do início do filme.
Embora o diretor pretenda em grande parte de Mãe! causar estranheza no público, o longa conta com belíssimas cenas compostas por uma fotografia em tons de oliva. Com o desenrolar da trama, a luz difusa que ambienta o longa torna-se mais escassa, dando lugar a sequências sombrias e pouco iluminadas. O desempenho de Jennifer Lawrence também se transforma na segunda parte, oferecendo uma atuação muito mais satisfatória e cheia de grandes momentos. Michelle Pfeiffer também brilha em seu papel, sendo desprezivelmente inconveniente.
Outro aspecto que precisa ser debatido é a alegoria construída por Darren, que debate assuntos delicados como religião, idolatria e maternidade. O uso de metáforas permite que o diretor explore esses temas de forma menos explícita, tornando o filme mais interessante e desafiador. Em uma das passagens do longa, vemos o inconveniente hóspede interpretado por Ed Harris ferido na costela, logo em seguida, sua esposa, Michelle Pfeiffer, adentra a trama. Essa, uma clara referência ao mito da criação, confirma a intenção do diretor em usar seus personagens como peças de uma alegoria religiosa.
O filme também busca criticar o egocentrismo divino, colocando Javier Bardem na posição metafórica de Deus, que se mostra indiferente perante as atrocidades cometidas por seus fiéis, aqui representados pelos fãs de sua poesia. A idolatria coletiva pelos poemas de Bardem, que funciona como uma materialização da criação do universo e da humanidade, leva aos momentos mais surreais do longa, resultando em uma cena de canibalismo extremamente polêmica. Outro ponto interessante é a aparência de Jennifer Lawrence em alguns posters de divulgação, que remetem à concepção ocidental das imagens cristãs da Virgem Maria, reforçando a intencionalidade de se estabelecer relações entre o filme e a bíblia.
Mãe! chegou aos cinemas nacionais como mais um filme de suspense, entretanto, logo ganhou hype na mídia por sua abordagem alegórica de temas polêmicos. Esse fato talvez seja o responsável por dividir o público em dois grandes grupos: os que amaram e os que odiaram, comprovando a intenção do diretor em causar estranheza no espectador. Com isso, Darren Aronofsky consegue, por meio da ajuda de atores renomados e de uma excelente composição imagética, alavancá-lo pretensiosamente à categoria de filme polêmico do ano.
Texto incrível! Me deu ainda mais vontade de assistir o filme 😀