Maju Rosa
Números, muitos números. É assim que somos introduzidos à Anitta no primeiro episódio do documentário Anitta: Made in Honório. As visualizações, seguidores e parcerias internacionais aparecem na tela, mostrando de forma orgulhosa as conquistas da cantora durante sua carreira, praticamente um currículo.
Depois do sucesso de Vai Anitta, a Netflix decidiu repetir a dose e apresentou para os seus assinantes mais uma série biográfica da cantora pop brasileira mais famosa da atualidade. Essa dose, assim como na primeira vez, veio batizada com algumas pitadas de autopromoção, basta saber se foi uma estratégia que se camuflou o bastante para não ser notada.
O retorno da malandra de 2017 foi promovido com peso nas redes sociais, tanto da plataforma de streaming, como da cantora, com a promessa de apresentar uma parte mais real da carioca, e assim aconteceu. Ao longo de seis episódios conhecemos a cantora, empresária de si, irmã, fã de Mariah Carey, e o lado sensível da artista. Apesar de curta, a série consegue caminhar pelas mudanças de humor de Anitta, além de mostrar seus lados mais sensíveis, como quando relata sobre um relacionamento abusivo, além de ter sido abusada sexualmente ainda adolescente.
Em meio a lágrimas ela explica toda a situação. A revelação foi um ato de coragem, visto que a maioria dos casos de abuso não são denunciados pelas vítimas por temerem as consequências, e no caso de Anitta, abordar o assunto em uma das maiores redes de streaming do mundo demandou muito de sua audácia.
Assim como no documentário de 2018, as câmeras seguem os passos da cantora em direção às suas maiores cartadas na indústria. O trajeto do projeto Xeque-Mate, que marcou o início de sua carreira internacional, finalizou com o lançamento do hit Vai Malandra, já na produção de 2020 acompanhamos o caminho até a apresentação no bairro de Madureira no fim de 2019, localizado no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. O show foi gratuito e uma cópia fiel da apresentação da cantora no Rock In Rio do mesmo ano.
Líder nata ou patroa arrogante?
Assim que Made in Honório foi lançada, trechos de Anitta chamando a atenção de seus funcionários e sócios se multiplicaram rapidamente pela internet. As cenas da ex-MC Larissa dizendo aos dançarinos que ainda não tem a “capacidade de fazê-los pensar”, além do áudio de quase 40 segundos reclamando sobre a falta de figurino perto da apresentação oficial do Rock In Rio, abriram discussões sobre o abuso psicológico em ambiente profissional.
Você gostaria de ter sua ideia rasgada (no sentido literal mesmo) durante uma reunião da maior empresa de bebidas do país? Pois é isso que Anitta faz em um dos episódios, Mulher de Negócios. Houve uma grande comoção no Twitter durante a semana de lançamento, em que pautavam a arrogância da cantora com sua produção durante alguns momentos. Ela inclusive já havia avisado, em uma coletiva de imprensa, que teriam cenas polêmicas durante a série, e que estava preparada pro linchamento.
Enquanto assistimos os capítulos, é fácil notar a personalidade exigente de Anitta no âmbito profissional. Sempre com o celular na mão, ela faz questão de saber o que está acontecendo em tudo que está envolvida e, apesar de não ser mais sua própria empresária, ainda é ela quem dá a última palavra nas decisões.
A cantora abusa dos mecanismos que a deixam comandar as apresentações, e o que mais impressiona foi o canal exclusivo que ela mantém com a produção durante seus shows. Durante uma pausa entre falas, o que acreditamos ser um momento de respiro, por meio de um botão, Anitta se conecta aos pontos da equipe com observações e exigências: “Arruma a luz que está em mim”, “tem alguém subindo no palco”, são algumas das informações repassadas em segundos através do mesmo microfone que transmite sua voz para o público.
Ivete Sangalo já revelou usar o mesmo sistema durante o carnaval. E apesar de não ser uma técnica nova, ainda é chocante o profissionalismo e a concentração dessas artistas, que se desdobram para serem membros da direção enquanto dançam e cantam durante duas horas. É inegável que Anitta sabe liderar com maestria, ela faz questão de explicitar o que, como, e quando quer algo, e Made in Honório mostra isso. Ela faz questão de mostrar isso. O tom romântico dado ao trabalho excessivo e sem pausas torna o documentário menos documental, e mais como uma grande propaganda.
Os relatos de familiares e funcionários são sempre munidos de poucas reclamações e muito carinho, o que me fez acreditar numa grande escolha de elenco em que a regra era exaltar a protagonista. Uma das poucas críticas que recebemos é a de seu irmão (e empresário), que revela, emocionado, sobre a escassez de elogios da cantora para a equipe.
Apesar de não ser seguidora assídua da cantora, fui tomada totalmente pela imagem criada durante a série. Anitta não se esforçou em esconder seus pontos negativos – os que lhe favoreciam de certa forma, é claro, visto que suas polêmicas mais famosas com outros artistas, como com a cantora Ludmilla durante o Rock In Rio 2019, nunca são citadas – e fez questão (até demais) de mostrar seu esforço pelo trabalho, e amor pela família, que até recebe um irmão perdido por anos.
A produção foi certeira em mostrar uma pessoa multifacetada, sem pudores de falar sobre a vida pessoal (menos os companheiros que foram filmados, esses continuam com o rosto censurado por emojis), e disposta o bastante para ser seguida durante meses por uma produção de filmagem enquanto viaja, trabalha, briga, dança, e chora.
Made in Honório, apesar de ser uma propaganda escancarada da cantora, consegue cativar desde a abertura do primeiro episódio, garantindo algumas lágrimas até o fim do último. Minha única ressalva foi não ter uma gravação do encontro de Anitta com Mariah Carey em Aspen, mas entendo que a rainha do falsete tem suas exigências.
Maria tu conseguiu colocar em palavras tudo que eu achei desse documentário, e também queria o vídeo dela encontrando a Mariah, seria tudo, ou ela na balada em Aspen hahaha