Leonardo Teixeira
“Ás vezes as coisas não se quebram, elas se estilhaçam. Mas quando você deixa a luz entrar, estilhaços de vidro brilham”. A cena da carta do longa Alguém Especial (2019), filme que bombou na Netflix, deve ter emocionado muita gente. Após o término de um relacionamento de 9 anos, a protagonista escreve sobre seu luto e o futuro incerto, sem a pessoa com que ela esperava passar a vida. “Nós somos mágica. Para sempre”.
É uma cena linda e dolorida. “Se cuide, meu querido. Só existe um de você”, Jenny (Gina Rodriguez) conclui. Quando se ama alguém, por tanto tempo, essa pessoa se torna um lugar de conforto. E passa a ser parte essencial da sua vida. A ideia de perder essa pessoa é desesperadora, já que é fácil esquecer como era a vida antes dela. E é exatamente esse vazio que Taylor Swift teme seu novo disco, Lover.
Poucos cantam um coração partido de forma tão chiclete quanto a cantora de Nashville, só que o momento agora é outro. Parece óbvio, mas ela está apaixonada. E dessa vez o amor tem nova cor, nova temperatura. É confortável, mas decepções do passado são o que fazem entender o quão precioso esse sentimento é.
Mas antes do início dos trabalhos, um aviso: a era reputation ficou pra trás. A primeira faixa do registro se despede de toda a obscuridade (que nem era tanta assim) do trabalho anterior, sugerindo um olhar para o presente e o que de bom pode-se receber disso. I Forgot That You Existed não diz nada além do óbvio, inclusive musicalmente, mas passa o recado de forma eficiente.
A abertura é um dos poucos momentos em que a produção de Jack Antonoff erra. O ex-fun. tornou-se carta marcada em álbuns pop que caem nas graças da crítica e dos ouvintes mais “chatos”, com sua estética de melancolia glamourosa. E esse ponto de vista é dominante aqui. Tanto que o produtor faz falta em algumas das canções em que não trabalhou.
Em outras, nem tanto. Afterglow é um triunfo na carreira de Swift, com sua narrativa de arrependimento e desejo por perdão. Num mundo em que a cantora é acusada de constantemente “se fazer de vítima”, a composição apresenta um lado novo e mais complexo de sua intérprete, que passa longe dos maniqueísmos usuais. Vilões e mocinhas, garotas más que roubam namorados, bad boys que te arrastam para a quebra do seu coração… tudo isso nos manteve entretidos na última década, mas o buraco é mais embaixo.
Mais realista, a compositora se mostra disposta a encarar suas questões de forma analítica. “Nós cultuamos esse amor, mesmo que ele seja um falso deus” ela canta na oitentista False God. Trata-se de uma relação humana, passível de turbulências, mas a sua importância é quase religiosa. Erros podem ser perdoados, nem tudo é perfeito.
A produção, que lembra os trabalhos do americano Dev Hynes, indica um caminho interessantíssimo para possíveis próximos trabalhos de Taylor. Um pop adulto e fresco, com os pés fincados no chão. Se no seminal Red (2011) o amor era desesperador e intenso, cor de sangue, agora azuis e lilases ilustram melhor o status emocional do eu-lírico.
A calmaria, no entanto, não domina totalmente a tracklist, já que o medo do fim dessas relações está sempre à espreita. E explode em alguns momentos. Cruel Summer narra os últimos momentos de um romance de verão que não deve subir a serra. É um synthpop poderoso e nostálgico, que consegue fazer o ouvinte sentir falta do que não viveu. Além de relembrar o talento enorme de Taylor enquanto compositora. É um presente em forma de faixa.
Outros momentos, no entanto, devem incomodar até o paladar mais infantil. Me!, carro-chefe da divulgação do disco, mira em musicais da Broadway mas acerta em musicais do Disney Channel. Por sua vez, You Need to Calm Down é institucional demais ao tentar falar o óbvio. Mas o álbum se recupera fácil de seus tropeços, que são poucos.
Isso porque o novo trabalho apresenta a intérprete de Blank Space fazendo o que ela sabe fazer melhor: explorar seu universo pessoal. Se por um lado a adição ao conjunto da obra é mínima, por outro nos aprofundamos em uma versão mais madura e complexa da pop star mais “padrãozinho” da indústria.
Ainda que na zona de conforto, ela consegue se renovar perante ao público. Através de cores, ruas, luzes e cidades percorremos as confissões da artista, que não apresenta novidades mas conforta por ser familiar.
A agridoce Death By a Thousand Cuts pergunta aos semáforos da rua se as coisas vão melhorar. Nem verdes, nem vermelhas, as luzes dizem não saber o que acontecerá. É dessa incerteza que o filme Alguém Especial, citado no início desse texto, fala. A perda de algo cômodo e a possibilidade de ter que se jogar no mundo, sozinha novamente.
O amor — familiar, romântico ou político — é o que dá liga à narrativa da compositora, daí sua importância. A personagem de Gina Rodriguez enfrentou a quebra desse sentimento, enquanto Swift só espera que tal momento não chegue. Trata-se de um medo irracional, mas a nossa conexão com Taylor sempre foi, desde seu primeiro trabalho, primariamente emocional. E Lover renova esse contrato.
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