Giovana Silvestri
O amor é um tema saturado na arte. É um sentimento indescritível que tentamos descrever, constantemente recriando clichês e tornando o tema repetitivo, previsível e chato. Mas uma série em especial mostrou que ainda é possível inovar. Love, original da Netlix, foi disponibilizada em 2016 e chegou, no último dia 9 de março, a sua terceira (e, infelizmente, última) temporada.
Desde o início, a produção gerou polêmica: você ama ou odeia – sem meio termo. Isso porque a série provoca um incômodo ao mudar os conceitos de amor que sempre vimos em filmes e séries e que automaticamente adotamos para nós. O show é realista em sua crítica a relacionamentos, desmistificando o amor romântico e quebrando os esperados clichês.
Gillian Jacobs e Paul Rust estrelam como Mickey e Gus, um casal visto como opostos pelo público: Mickey é uma mulher independente, impetuosa e cheia de vícios, enquanto Gus é um cara gentil, nerd e “certinho”. Contudo, nenhum deles repara ou assume isso. Não há uma justificativa para estarem juntos pautada no contraste do casal. Eles também não possuem uma harmonia, provocando um incômodo. Notamos que, apesar de se gostarem, estão sempre entrando em algum conflito ou problema.
Assim, o seriado foge do lugar-comum do casal que desenvolve, de início, um repúdio para depois notarem que gostam um do outro. Além da história não justificar o sentimento do casal nas suas diferenças, como em “Um Amor para Recordar” (2002) e “10 Coisas que Eu Odeio em Você” (1999).
Outro estereótipo que a série quebra é o da manic pixie dream girl, termo criado pelo crítico de cinema Nathan Rabin, que notou a existência de um certo padrão nos filmes: personagens femininas dentro dos padrões de beleza, mas que possuem uma sutileza. Mickey é um exemplo, já que é descolada, despreocupada, espontânea e autêntica… Ou seja: uma mulher que se destaca das demais.
Este tipo de personagem geralmente serve durante a trama como uma alavanca para a parte masculina do romance. Um apoio para a evolução da percepção de mundo do homem, inocente, inseguro e indesejado pelas mulheres. Isso ocorre também com Clementine, mocinha de “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (2004) e Summer de “(500) Dias com Ela” (2009). Os roteiristas as exploram apenas nesse âmbito, dentro do limite que permitam agir como interesse para as mudanças e paixões dos personagens principais.
Love inova também por mostrar que Gus não é um bom moço que precisa de uma personagem autêntica que desperte seu interesse para desenvolver um novo olhar de mundo. Ele é impulsivo e comete erros, assim como Mickey. Ela também não depende de Gus, possui camadas mais profundas e independentes dele. Temos aqui duas pessoas reais: inseguras, imperfeitas, com medos e erros.
O casal vive em conflito. A desarmonia nos faz pensar que a relação é problemática ou tóxica. Mas na verdade ela apenas mostra a realidade de todos os casais: pessoas que, apesar de tudo, tentam ficar juntas. Essa ideia foi levantada por PC Siqueira, um dos primeiros youtubers brasileiros, em seu vlog. Ele diz também que simpatizou tanto com a série que desenvolveu uma paixão platônica por Mickey.
Certo ar de modernidade é outro atributo da relação, na qual desde a ansiedade da espera pela resposta de uma mensagem no celular até o medo de se entregar e aceitar um sentimento têm importância, aproximando-se da realidade dos relacionamentos contemporâneos.
Desmontando a ideia de uma “relação perfeita”, a visão realista do amor que Love propõe é um tanto incômoda. Não mostra o que queremos e esperamos, e sim a sua realidade nua e crua – seus problemas constantes, seus receios e brigas.
Aliás, a série apresenta um pequeno retrato da relação dos dois produtores executivos da série: Paul Rust (estrela do elenco) também escreveu, produziu e dirigiu a o roteiro junto de sua esposa, Lesley Arfin.
Judd Apatow é outro produtor aqui. Sua carreira na televisão começou a bombar em 1999, com a famosa série “Freaks and Geeks” – um dos primeiros trabalhos de James Franco como ator. Além disso, chegou a trabalhar com Lena Dunham em “Girls”.
A primeira e segunda temporada se casam. Ambas retratam Mickey e Gus antes de se conhecerem, durante seus antigos relacionamentos e, depois, se conhecendo sem assumir um compromisso sério. Os episódios não só mostram duas pessoas opostas sempre entrando em conflito, mas desmascaram os personagens ao longo da temporada. E a terceira parte revela que não sabíamos tanto de Mickey e Gus como pensávamos.
Como que em uma relação de verdade, vamos conhecendo-os cada vez mais, descobrindo que não são meras descrições da sinopse, muito menos tão opostos como parecem. Na última season, porém, os produtores investiram em outros personagens, desconfigurando o foco da série. Episódios voltados para coadjuvantes fizeram com que o final do casal fosse retratado de supetão, sem muitas enrolações. O desfoque deixou a terceira temporada lenta, cansativa e decepcionante.
Afinal, onde estão Gus e Mickey?
Os poucos episódios centrados na dupla principal carregam uma romantização que quebra toda a lógica e inovação que as duas primeiras temporadas criaram, voltando para o lugar-comum. Nos últimos dois episódios surge o único dos problemas do relacionamento, deixando um final imediatista e sem muitos pormenores.
Por mais que Love siga inovando, acaba falhando no final. A ausência da dupla estrela no centro da trama dificultou a manutenção do realismo da mesma e a compreensão das soluções para seus conflitos.
Mas a série deixa alguns questionamentos: o que seria uma relação saudável? Como saber se amamos? Quando vamos parar de idealizar as relações e aceitaremos a realidade? Existe alguém perfeito para alguém ou existe apenas uma vontade de fazermos aquela relação ser boa para nós?
Essas perguntas nos acordam de nosso transe de amor hollywoodiano e nos mostram que um relacionamento só faz sentido quando separado da idealização que fazemos dele.