Tharek Alves
Em 2017, no lançamento de seu primeiro álbum, Heresia, Djonga havia carimbado seu nome no meio do rap nacional, com uma estreia abaladora o suficiente para alavancar as expectativas em cima de suas próximas obras. Porém, o rapper dobrou a aposta em 2018 e superou todas as expectativas com O MENINO QUE QUERIA SER DEUS, tão abalador e marcante quanto seu antecessor. Visto na época como novo nome do rap mainstream, o mineiro tinha uma árdua missão de manter a qualidade em seus próximos lançamentos.
Assim como os antecessores e os que viriam posteriormente, Djonga também lançou seu terceiro álbum em 13 de Março e provou, mais uma vez, que raios podem sim cair no mesmo lugar. Intitulado Ladrão, os discursos presentes nas músicas ficaram ainda mais objetivos, com críticas incisivas ao racismo e desigualdade social, além de assumir, de fato, o papel de protagonista não só na luta antirracista, como também, no rap nacional.
Na faixa-título, LADRÃO consegue sintetizar bem o sentimento do disco. Nela, o cantor fala sobre os lugares que conseguiu acesso graças a sua fama e dinheiro, além da maneira como ele usa disso para devolver ao povo preto e pobre. Contextualizada na realidade do mineiro, a letra o retrata como uma espécie de Robin Hood, um herói do povo retratado, obstinado a tirar dos boys e devolver aos seus. Por diversos momentos, a canção ainda faz críticas às apropriações culturais recorrentes na Música.
A exemplo de JUNHO DE 94, Djonga questionou sua própria posição por diversas vezes durante seu segundo álbum, porém, HAT TRICK, a faixa debutante, demonstrou que, agora, o caminho adotado seria completamente oposto. Referenciando um termo do futebol utilizado quando um jogador faz três gols na mesma partida, o cantor reconhece o novo disco como acerto e, ressoando um forte “abram alas pro rei” no refrão, deixa clara a mudança de visão que terá sobre si nas músicas. Encerrando-a com uma poesia, a primeira faixa demonstrava o golaço que Gustavo Pereira Marques (nome de nascença de Djonga) estava para fazer.
fiado nos versos, o cantor mineiro usa de um vasto repertório de referências, que bebem da Música, política, história, Literatura e Cinema. BENÉ e DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL retratam bem essa criatividade, mesclando o título e tema das músicas com obras cinematográficas clássicas do imaginário brasileiro. Em referência ao personagem homônimo do filme Cidade de Deus, a primeira faixa relata a proximidade do tráfico com a juventude periférica, mostrando os males do envolvimento nessa atividade e fazendo um apelo para que não sigam o mesmo caminho. No filme, o personagem que dá nome a faixa é um jovem preto periférico que se envolve com o tráfico e melhora suas condições financeiras, porém, acaba morto por sua ligação com atividades criminosas.
Seguindo a linha de referências ao Cinema nacional, Djonga, em parceria com o carioca Filipe Ret, entrega DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, com fortes críticas às desigualdades sociais do país. Entretanto, a música deve muito ao filme de Glauber Rocha, ficando cansativa em seus seis minutos de duração.Uma repetição sonora que tenta ser uma proposta diferente de métrica, mas acaba chata e enjoativa. Os versos que tentam ser divinos se chocam com um beat diabólico dentro da terra ensolarada que é todo o álbum.
Característica sempre presente em seus álbuns, Djonga convida para seus feats artistas do cenário musical de Belo Horizonte, e com Ladrão não foi diferente. Tendo o refrão cantado pelo mineiro MC Kaio, TIPO fala sobre o padrão de mulher com quem o artista se relaciona, usando e abusando de um romantismo carnal e sensual. Além disso, a presença do beatmaker JNR Beats na produção da faixa entrega algo que difere (muito positivamente) do restante das faixas do álbum, em um beat leve e sedutor que conversa muito bem com a proposta da música.
Mas as parcerias mineiras não se restringiram a apenas um som. Assim como seu título, VOZ deu a fala para que dois grandes nomes do rap de BH, DougNow e Chris MC, se reunissem com Djonga e, assim, os três brincassem de fazer Música. Gustavo e Doug relatam em seus versos as violências que pretos e periféricos passam diariamente, refletindo sobre amizades já perdidas e, como, surpreendentemente, eles conseguiram se esquivar disso e permanecer vivos. Chris MC fica responsável pelo refrão, no qual reforça que, mesmo a visão da sociedade sobre pretos favelados não tendo mudado, eles resistirão sendo quem são, ainda que morram com isso.
Sua visão sobre mim ainda não mudou
Não vai ser da forma que tu quer
Sempre faço questão de ser quem sou
Mais honrado morrer sendo quem é e tamo aí
-Chris MC em “Voz”
Nos seus álbuns anteriores, as ‘love songs’ foram pontos marcantes. Cantando amores cafajestes em Geminiano e Solto, Djonga assume o romantismo apaixonado para ser, de fato, LEAL. Com sua amada no status de musa, o cantor não poupa palavras para demonstrar a admiração que sente pela parceira, assim como o gosto pelos laços que a relação do casal criou, seja através de brigas ou dos momentos de ternura sexual. No ápice de seu sentimento, o jovem mineiro usa do estribilho pedindo por lealdade e reciprocidade na relação, com a promessa de que tudo durará enquanto a paixão for uma realidade.
Em um resgate das raízes do rap no Brasil, que bebeu e ainda bebe do samba, Djonga se apropria da música Moleque atrevido de Jorge Aragão e presta uma homenagem ao grande musicista carioca. Recitando as rimas de maneira crua, sem nenhum acompanhamento instrumental, MLK 4TR3VIDO é uma releitura que fala sobre todo esforço e os caminhos percorridos para conseguir chegar onde chegou. A trajetória para Gustavo Pereira Marques ser reconhecido como Djonga não foi fácil, e ele reinvindica respeito por toda luta e história conquistada.
Ainda buscando falar sobre suas raízes, Djonga volta sua atenção para a família, como fez anteriormente em Canção Pro Meu Filho. Com extrema sensibilidade, o rapper rima sobre a vida de sua avó, Maria Viana, e dos duros caminhos enfrentados para construir e sustentar uma família sozinha, além de abordar a importância da valorização da ancestralidade para famílias pretas. BENÇA fala sobre não esquecer de onde você veio e saber que, em sua família, reside seu porto seguro. É saber que é possível sair para ganhar o mundo e encarar as dificuldades que a vida dá, mas também encontrar os momentos de recuar e voltar para a segurança do laço familiar.
Já a música que encerra a obra, FALCÃO, apresenta uma crítica do artista sobre aqueles que acabam por deixar a causa que lutavam e se renderam para produção de obras vazias, visando o retorno financeiro. Com essas condições, Djonga observa como as correntes e ‘ostentação’, retratadas por esses artistas, não adiantam de nada se os versos cantados não puderem mudar vidas. O rapper ainda reflete, em forma de desabafo, sobre a ambiguidade de se enxergar tanto na situação de mais um corpo no chão, quanto como o de alguém sentado no trono, e encerra desejando que a violência contra corpos negros acabe de uma vez.
Para além dos diversos feats do álbum, é importante citar duas importantes presenças nas faixas. O beatmaker Coyote Beatz é o responsável pela produção de todas as músicas e, novamente, mostra que sua parceria com o rapper é uma deliciosa e sonora junção. A segunda participação é a de Marina Sena, que empresta sua voz para o backing vocal em quatro registros, e oferece contraste entre sua suavidade vocal e o cantar ‘raspado’ presente na voz de Djonga.
O ano de 2019 foi importante para a carreira do cantor. Com participação marcante no festival João Rock, turnê de seu projeto recém-lançado e cada vez mais visibilidade na grande mídia, o período foi um grande pavimento para futuros shows, como o Lollapalooza 2022. Mesmo que não seja sua obra mais aclamada e esteja abaixo de seus antecessores, Ladrão é um ótimo álbum e foi essencial para a consolidação de Djonga no cenário da Música nacional, confirmando para todos que os dias 13 seriam os dias em que ‘raios’ cairiam no mesmo lugar.