Leonardo Oliveira
Já faz um tempinho que a cantora de Honório Gurgel não sai de cena, desde seu estouro entre 2012 e 2013 Anitta vem atuando no cenário cultural brasileiro com muito afinco. Para além da música, com menos de 10 anos de carreira, Anitta já atuou como apresentadora, produziu uma animação, fez pontas como atriz e já agencia outros artista. Neste ano essa trajetória é levada a outro nível com a chegada de Kisses, o primeiro álbum visual trilíngue da cantora.
Álbuns visuais já não são uma novidade. Nessa década Beyoncé lançou em 2013 seu álbum homônimo com vídeos para todas as músicas, assim restabeleceu um grande interesse por lançamentos audiovisuais, principalmente dentro do mercado pop. No mercado brasileiro e talvez até no latino-americano, esse tipo de produção é algo inédito, principalmente tendo uma proposta que trabalha os três grandes idiomas do continente americano (português, espanhol e inglês) em sonoridades muito populares.
Kisses é a grande cartada de Anitta no mercado internacional. Apesar de já ter dito que não tinha a intenção de fazer outro álbum e que preferia a dinâmica de lançamento de singles, a cantora teve que mudar seus planos por conta do mercado internacional que “exigia” dela um material mais completo. De seu último grande empreendimento musical, CheckMate, até seu primeiro álbum declaradamente internacional, Anitta fez parcerias com deus e o mundo, se manteve constante na mídia entre polêmicas e lançamentos até chegar o dia da grande estreia.
O álbum conta com dez faixas e não economizou em parcerias, seja em vocais, produção ou composição, esse trabalho tem um grande número de colaboradores. Por mais que esse lançamento não surpreenda liricamente, nem mesmo em sonoridade, é de grande ousadia e pretensão um álbum que vislumbra alcançar um grande público em diferentes mercados musicais.
No álbum tem trap, rap, hip-hop, mpb, reggaeton, funk, a lembrança de um sertanejo chato mas é essencialmente um álbum pop, apesar de todas influências a sonoridade que dá liga a tudo isso é sem dúvidas um bom pop latino. Esse trabalho é muito preocupado em agradar gregos e troianos, mas deixa claro seu grande objetivo que é se fazer relevante entre o público de língua espanhola.
Um álbum trilíngue é no mínimo curioso, e aqui essa miscelânea é feita sem nenhum intenção de ser equilibrada, pois sem dúvidas o espanhol é a língua principal desse projeto. Além das músicas inteiramente em um só idioma, composições que misturam as línguas em versos e estrofes também são utilizadas. A faixa que faz a melhor utilização disso é Tu y Yo, nessa alguns ouvidos desatentos podem não notar a mistura idiomática, principalmente por conta do sotaque de Chris Marshall que divide os vocais com Anitta, mas sentirão de longe a vibe praiana.
Por conta de toda mistura de influências, Kisses tem uma coesão questionável, porém entrega muita versatilidade e uma produção visual e sonora de alto nível, que não perde em nada para projetos de artistas de maiores proporções. A possibilidade de trabalhar cada música como um single faz parte da estratégia de Anitta e cada faixa parece ter sido cuidadosamente pensada para isso. É inegável que músicas como Banana com a Becky G e Onda Diferente com Ludmilla e Snoop Dogg tenham sido pensadas para serem virais. Elas carregam muita energia, sendo a primeira um pop de batidas intensas e a outra o único funk do disco (porra, Anitta) e sem dúvidas são as que muito possivelmente serão as mais ouvidas entre o público latino e brasileiro. Já por outro lado as duas últimas músicas Juego e Você Mentiu com participação de Caetano Veloso são de cara as que precisarão de mais empenho na divulgação por conta de serem as mais destoantes do todo.
A divulgação se pautou na ideia de mostrar as diferentes personas da Anitta representadas em cada faixa. Dias antes do lançamento, pelo Instagram a cantora postou uma sequência de fotos mostrando a Anitta de cada clipe com uma breve descrição da personalidade de cada uma delas. O conteúdo visual disso parecia mostrar, a cada foto, uma stripper que não condizia com as descrições feitas na postagem. Ao ver os clipes esse conceitinho não cola muito bem, um vídeo faz jus à descrição, outro à imagem e o que se nota na maioria das vezes é a personalidade já muito conhecida e batida: a Anitta super sensual.
Apesar de um grande time de compositores, as letras do álbum são majoritariamente bem simples e frívolas. A mensagem principal do álbum fica bem clara em 4 músicas, Atención, Sin Miedo, Get to Know Me e Juego. É dentro dos meandros dessas faixas que Anitta canta para o mundo quem ela é. É aqui que ela se auto afirma como uma mulher forte e muito consciente de si, se mostra destemida diante do julgamento dos outros, tem noção do seu valor e ainda mostra que tá no comando da própria vida. Esse é o sinal mais importante que a poderosa quer escancarar para os gringos.
Os objetivos de levar a própria música para fora de nossas fronteiras vira e mexe passa a ser cogitado por artistas que estão em alta, porém essa tentativa nunca foi algo fácil de se fazer. Wanessa Camargo e Claudia Leitte são grandes exemplos do fracasso nessa empreitada que vai muito além de fazer um copia e cola controverso do que é sucesso nos Estados Unidos. A sacada de mestre de Anitta e sua equipe foi entender o que está fazendo sucesso nos outros mercados e começar a trabalhar em novos ritmos e gêneros dentro do mercado nacional como forma de criar uma ponte com outros mercados. Só assim foi possível vislumbrar ter sucesso fora do Brasil, e é por conta de toda consistência galgada paulatinamente que Anitta tem o potencial para se tornar memorável internacionalmente assim como Shakira já fez. De Snoop Dogg a Caetano veloso, Kisses não promete um grande hit, mas é uma grande obra audiovisual. Falha essencialmente ao propor um conceito e não entregá-lo, porém é ao mesmo tempo inovador e eloquente.