Após cinco anos desde a estreia, a terceira temporada de Killing Eve ainda ressoa na memória

Cena de Killing Eve. Na imagem, duas moças jovens estão sentadas lado a lado em um salão de paredes vermelhas. À esquerda, está a personagem Villanelle, uma mulher branca que usa um terno com estampa rosa e azul. Com cabelos loiros, ela não usa acessórios e olha serenamente para o horizonte. À direita, está Eve Polastri, mulher de ascendência sul-coreana e cabelos escuros cacheados, que veste uma blusa preta de gola alta e mangas cumpridas. A personagem também olha para o horizonte, mas com feição preocupada.]
As respectivas performances em Killing Eve renderam um Emmy para Jodie Comer (Villanelle) e um Globo de Ouro para Sandra Oh (Eve Polastri) (Foto: BBC America)

Esther Chahin

Às ruínas de uma vila de beleza tocante no coração da Itália, o corpo de Eve se estilhaça no chão. Os planos de Villanelle (ou Oksana) de iniciar sua nova vida pacata ao lado da mulher que ama – se é que esse é o sentimento – se desfalecem. Por consequência, o olhar da assassina russa muda e, com isso, Polastri deixa de ser intocável. Esse é o terreno que a irreverente Emerald Fennell, principal showrunner da segunda temporada de Killing Eve, deixa para Suzanne Heathcote, quem a sucede no cargo. Em 2020, Jodie Comer e Sandra Oh se juntaram à Fiona Shaw (Carolyn Martens) e Kim Bodnia (Konstantin Vasiliev) e voltaram ao elenco da produção em uma nova leva de episódios que comemora o seu quinto aniversário em 2025.

Após dois anos pensados por verdadeiros expoentes do entretenimento britânico, as expectativas para o retorno da produção estavam altas. Aqui, o principal desafio dos roteiristas da obra é explicar a imensa quantidade de mistérios herdados que surgiam exageradamente na trama, bem como desenvolver relações as quais, naquele momento, pareciam destroçadas. Villanelle havia atirado em sua assim chamada “ex-namorada”, enquanto as decisões de Carolyn e Konstantin romperam com a confiança que nutriam junto à Eve e à serial killer apaixonada por moda. Daí, surge a questão: “como suceder uma narrativa cujos pilares já não estavam mais ali?” 

Pois bem, o desafio foi aceito. No episódio Devagar Se Vai Longe, que inaugura a temporada, os quatro protagonistas tentam seguir com suas vidas das formas mais inesperadas o possível, indo desde um casamento sáfico em uma província da Espanha, até New Malden, centro cultural coreano em Londres. Porém, assim como a última operação do MI6, tais tentativas nem se aproximaram do êxito. Agora, um grupo de personalidades estreantes no enredo renovam a atmosfera da produção enquanto a grande pergunta da vez tenta ser respondida: “quem matou Kenny?. O novo enigma é o suficiente para reunir o quarteto novamente, embora a reunião fosse pouco provável. 

Cena de Killing Eve. Uma moça branca de cabelos loiros e uma senhora branca sentam em um sofá roxo. Atrás delas, há paredes com estampa florida e janelas. A senhora, com olhar desolado, encara o chão enquanto segura uma garrafa de vinho. Com cabelos grisalhos e presos em um coque, ela veste uma blusa com a imagem de uma onça desenhada e um cinto sobre ela. A calça é nude e possui pequenos pontos dourados. A moça loira conversa com a senhora, enquanto segura uma xícara de chá apoiada em um pires. Ela veste um pijama amarelo-limão com flores brancas estampadas. O dia aparenta estar ensolarado.]
Harriet Walters, que dá vida à Dasha Duzran em Killing Eve, possui grandes obras em seu currículo, como Succession e Ted Lasso (Foto: BBC America)

O surgimento de uma nova incógnita, entretanto, não parece o caminho certo a ser seguido na nova leva de episódios de Killing Eve. Ainda que o público, realmente, anseie para descobrir quem o matou, a quantidade de mistérios iniciados, mas insatisfatoriamente resolvidos, coloca em cheque o quão apropriado é iniciar mais um deles. Se no primeiro ano, a grande investigação que movia Eve Polastri girava em torno dos Twelve (Doze, em português), agora a eterna Cristina de Grey’s Anatomy se embaralha em múltiplas dúvidas sem que nenhuma delas seja respondida. Assim, a produção caiu na armadilha para reter a atenção do público, mas, quando se deu conta, transformou a narrativa em uma amálgama de problemas. 

Porém, se engana quem pensa que a grande aposta de Heathcote para terceira temporada de foi, apenas, o assassinato de Kenny. A showrunner da vez inovou na abordagem adotada pela série até então ao humanizar os personagens principais. Nos anos anteriores, a única preocupação dos quatro protagonistas aparentava ser o bom desempenho frente aos Doze – seja obedecendo-lhes ou os investigando. Dessa vez, os serviços prestados por Villanelle passam a atormentá-la, Eve deixa de negar seus sentimentos para com a serial killer, Konstantin teme pela própria vida e, surpreendentemente, Carolyn se vê acuada em ambas esferas, pessoal e profissional. 

 Cena de Killing Eve. Na imagem, está Carolyn Martens, personagem da série. Ela é uma mulher de meia-idade, branca, de cabelos curtos e avermelhados. Carolyn, com feição brava, aponta uma arma, enquanto veste um casaco verde-escuro e uma echarpe com fundo vermelho. Atrás dela, vemos uma parede branca com algumas marcas amareladas, as dobradiças de um suposto armário, um quadro e uma grande janela. É noite.
Fiona Shaw, que interpreta Carolyn Martens, gostaria que a personagem tivesse sotaque irlandês, como a atriz. A produção recusou a sugestão (Foto: BBC America)

Embora a humanização dos personagens seja inédita na trama, desde o começo a audiência já mostrava-se envolvida com eles – em especial, com a personagem interpretada por Jodie Comer. É indiscutível que um pouco de carisma, senso de humor e estilo foram o suficiente para transformar uma assassina em série com traços de psicopatia em uma grande queridinha do público. Tal favoritismo da protagonista fez com que um enorme parênteses fosse aberto dentro da terceira temporada para explorar suas origens. Ainda que a deixa parecesse, inicialmente, desnecessária e desconexa, Heathcote obteve êxito encaixando-a na narrativa e, de bônus, prestou um bom Fan Service (serviço para os fãs, em tradução literal). 

Inclusive, quando se fala no agrado aos fãs de Killing Eve, o romance implícito, mas latente, entre Eve e Villanelle não pode ser esquecido. No terceiro ano, a temática é perfeitamente explorada dentro da narrativa. A atração recíproca entre as personagens aparece nos momentos certos para que não se torne o centro da trama, mas, ainda assim, instigue os que torcem pelo casal atípico. O clímax de tal relação ocorre logo nos primeiros episódios, quando, após um embate físico, elas se beijam pela primeira vez na série. O inesperado, e que pode desagradar parte da audiência, é que a cena pouco altera a dinâmica da dupla: Oksana volta à Barcelona e o momento só é lembrado quando Polastri é presenteada com um bolo que referencia a ocasião – o qual arremessa pela janela. 

Cena de Killing Eve. Ambas personagens, Villanelle e Eve Polastri, estão dentro de um ônibus. Villanelle, mulher branca de cabelos loiros presos em um coque, veste um blazer cinza e uma camiseta branca. Ela está em cima de Eve, enquanto a segura pelo colarinho. Eve é uma mulher com ascendência sul-coreana e cabelos escuros cacheados. Ela veste um casaco cinza claro de tecido leve e está embaixo de Villanelle. Eve aparenta assustada e Villanelle a olha com ira. Os rostos de ambas estão muito próximos.
Killing Eve é inspirada na série de livros Codinome Villanelle, do autor Luke Jennings, embora os roteiristas tenham mudado grande parte da trama para a interpretação na TV (Foto: BBC America)

Presente ora nos enigmas pouco respondidos, ora na paixão secreta que as protagonistas nutrem mutuamente, o implícito é o grande cerne do enredo da série. A audiência consome a produção na expectativa de que o escondido seja, finalmente, escancarado. Por sua vez, o roteiro constantemente avança em direção a satisfazer tal desejo, mas recua pouco antes. No episódio que encerra a temporada, intitulado Você Conduz ou Eu?, a tentativa frustrada de Konstantin de fugir da Europa promete revelar mais informações sobre os Doze, enquanto Eve e Villanelle, pela primeira vez juntas e sem negar os próprios sentimentos, apontam para a tão esperada união entre ambas. 

No entanto, na iminência de atender as vontades do público de uma vez por todas, Heathcote desiste completamente. É assassinada a então maior fonte de informações sobre a organização criminosa que permeou todo o enredo e, para decepção da audiência, a dupla principal segue (literalmente) caminhos opostos em uma cena comovente que encerra a temporada. Dessa forma, a obra se coloca em um local arriscado: até que ponto os que a consomem estarão dispostos a sofrer tantas rupturas de expectativa? O risco assumido pelo roteiro junto ao seu desenvolvimento pouco produtivo fadou a série ao cancelamento logo após a quarta temporada, mas o fato não reduz seu brilhantismo. A produção reuniu personagens carismáticos, mesclando humor, suspense e amor lésbico. Com toda certeza, Killing Eve deixa saudades, e um sotaque russo na cabeça também. 

Deixe uma resposta