Conan Gray definiu seu álbum de estreia como ‘chaotic neutral’ (Foto: Reprodução)
Vitor Evangelista
Conan Gray nunca foi de pedir muito. ‘Take me where the music ain’t too loud’, ele canta numa das faixas que abrem seu encantador debut. O californiano de 21 anos é filho do Youtube e da Geração Z, é filho também de pais divorciados, mas disso falamos depois. Suas canções mantém uma máxima: são súplicas. O músico versa sobre corações partidos e amizades distantes. Temas comuns mas que ganham fôlego quando ele faz uso de suas vivências, seus respiros e, principalmente, a maneira como lida com a rejeição. No fim das contas, Kid Krow é uma prisão macia. Nunca seremos felizes? Não há resposta certa mas, se a incerteza vier com trilha sonora de Gray, tudo é suportável.
Comfort Crowd, que inaugura o CD, é a primeira investida na solidão que o cantor sublinha ao longo dos trinta e três minutos seguintes. Após o divórcios dos pais, Conan mudou para o Texas com a mãe, deslocando-se física e emocionalmente de seus amigos. Urge então uma necessidade avassaladora de dividir momentos com qualquer pessoa que seja. Kid Krow reflete habilmente sobre essa nossa inevitabilidade de estar sempre em busca do outro, nunca satisfeitos.
Como bom jovem adulto que é, Conan Gray não sabe medir sentimentos e emoções. O compositor já declarou em tweets a repulsa por álcool e drogas e, na explosão de Wish You Were Sober, espelha angústia numa carta de amor às avessas. Apaixonado por alguém imprudente, ele pede o mínimo, e se frustra ao não recebê-lo. ‘Honestly, you always let me down, and I know we’re not just hanging out’, choroso, canta, ele só queria o silêncio de casa, confessa.
O clipe de Wish You Were Sober aterrissou junto do lançamento do álbum e filma a insatisfação e o desconforto de Conan num ambiente aterrorizante. O cenário da festa universitária rende bons clichês visuais, que contrastam na medida certa com a composição ácida da música. Os videoclipes de Gray são potentes ao ilustrar a implosão que guarda no peito. É um trabalho extremamente criativo e pessoal. Ele chegou se envolver na direção dos clipes de Grow e Idle Town, do EP Sunset Season.
Com aptidão para o ramo do visual, Conan Gray surgiu com um canal em 2013. No ‘ConanxCanon’, o conteúdo variava de desafios até covers de canções famosas. Ele ainda gravava sobre inseguranças pessoais, como seu jeito afeminado de se portar. Vítima de bullying a vida toda, tanto por fugir dos padrões do masculino quanto por sua ascendência japonesa, Conan encontrou no bom humor e nas canções um refúgio de e para sua solidão.
Em 2018, lançou o EP Sunset Season. Em músicas como Idle Town (escrita após ser expulso de casa), ele abraça a ideia mística de segurança da pequena cidade em que viveu. Dois anos depois, munido de um coração estilhaçado e muita energia acumulada, chegou Kid Krow. O título alude a personificação do animal que Conan adota para si. Na mitologia asiática, a figura do Yatagarasu (Corvo de 8 Pernas) é sinônimo de supremacia e perfeição.
Kid Krow conta com duas faixas interlúdio: (Online Love) e (Can We Be Friends?). Nomeadas entre parênteses, ambas canções são linha direta entre artista e fãs, como ele mesmo disse em entrevista à Apple Music. Tiete de outros astros, Gray dá valor imenso a quem acompanha seu trabalho e vibra com suas conquistas. Esse é outro fator interessante do efeito do álbum: o trabalho de um amante de música para seus iguais. Conan nasceu na mesma faixa de anos que a maioria de seus admiradores, chamados de ratpack, então essa confluência de sentimentos e vazios e inspirações se torna charmosa e genuína.
A falta de clareza é consequência de nossas emoções e reações. Num primeiro momento, Conan esbraveja o rancor de Maniac, ‘Listen to yourself, think you need to get some help’, e a arrogância de Checkmate, ‘So cry me a river ‘til you drown in the lake’. Para, logo na sequência cantar lamentos em The Cut That Always Bleeds. Além de multifacetar sua própria figura, ele admite que a cura não é linear. E nem deve ser.
Desde seu EP, Conan já balançava a alegria e a tristeza no mesmo punho. Em Lookalike, de longe seu trabalho mais polido, ele brinca com essa dualidade. A calmaria da canção é um soco no estômago que brinda a superação, mas finaliza seus acordes com uma recaída colossal. São relances, são momentos mínimos. O garoto corvo não esconde suas falhas e buracos na armadura. Mesmo tímido e retraído, cresce nele uma coragem para se expor dessa forma.
Como bom filho de cultura pop, Conan Gray é admirador confesso da neozelandesa Lorde. Dona de dois intensos álbuns, a ganhadora do Grammy já visitou os terrenos de juventude, medo do futuro e saco cheio que o cantor vive agora. Em Pure Heroine (2013), a artista cantava sobre seu bairro, seus receios quanto ao mundo lá fora e sobre amar. Gray absorve, ventila e nos presenteia a ótima Affluenza. Prima distante de Royals, a canção é quase um escarro aos colegas bem afortunados do garoto. Um respiro empolgante num conjunto que carrega sons de melancolia e delicadeza. Little League é outra faixa que rima com a Lorde de Ribs. Insegurança, medo de crescer e saudade da infância são temas convergentes nas duas composições.
E então chega Heather. O cantor já estraçalha com o comovente instrumental que demora a encontrar sua voz. Exemplo maciço da vibe i hate u i love u do álbum, a décima faixa nos transporta para aquele doloroso três de dezembro. A canção flutua acanhada, navega com temores e chega a conclusão nenhuma. Concordando, mais uma vez, com os sentimentos do mundo real. Conan Gray sabe que é errado odiar Heather, mas reconhece a necessidade quase animalesca de direcionar algo à ela, mesmo que agressivo (ou maníaco).
Além da questão financeira, Affluenza coloca o holofote sobre o complicado divórcio dos pais de Conan (Foto: Reprodução)
A decisão de dar fecho à Kid Krow com a aveludada The Story diz muito sobre como o artista enxerga essa fase de sua vida. Narrando o conto de amor das pessoas que passaram e partiram, o americano entona otimismos ao futuro. Conan lê com astúcia o padrão que molda nossa vivência. Tudo isso para arrematar ao voo uma mensagem benevolente: ‘but I think that it could work for you and me, just wait and see’.
Se Conan Gray nos assegurar disso, é provável que o oposto acontecerá. Mesmo que suas estelares canções sejam causa e efeito de expectativas infundadas, sentimentos afogados e memórias que soam melhores que os momentos reais, elas também são macias a quem precisa. Às vezes, o necessário é o conforto de alguém com quem nos identificamos. E está tudo bem, não é o fim da história.