Caio Machado
Joias Brutas, novo filme dos irmãos Safdie (conhecidos anteriormente por seu trabalho em Bom Comportamento, que tem Robert Pattinson no papel principal), serve para ilustrar o que as pessoas querem dizer quando hoje em dia as coisas estão muito mais aceleradas e cada minuto do seu tempo é mais precioso do que nunca. A trama do filme acompanha Howard Ratner (Adam Sandler), um joalheiro viciado em jogos de azar que precisa correr contra o tempo para pagar suas dívidas com mafiosos enquanto lida com seu casamento que está se desfazendo aos poucos.
Ver Joias Brutas é um desafio. Durante suas duas horas e quinze, acompanhamos um protagonista que só arranja problema atrás de problema e parece que não há escapatória. Observamos personagens cujas falas atravessam as dos outros a todo momento, vemos uma cidade que não para nunca e acabamos sugados para dentro da rotina extremamente cansativa e perigosa do protagonista. É construído um clima de tamanha tensão e nervosismo que, quando o espectador menos percebe, sua perna já está tremendo devido à ansiedade que o filme consegue provocar tão bem. A trilha sonora de Daniel Lopatin, que utiliza de sintetizadores e se inspira nas trilhas de filmes da década de 1980, é inquietante e colabora na criação dessa atmosfera frenética e hostil que permeia o filme.
A forma como os irmãos Safdie conseguiram “comprimir” o tempo na narrativa de Joias Brutas é algo que vale a pena ser mencionado . É como observar Ulisses, de James Joyce, e ficar incrédulo que todas aquelas páginas narram acontecimentos de apenas um dia. No caso do filme, são tantos eventos desencadeados que a sensação que fica é a de que tudo aquilo ocorreu em, no mínimo, uma semana. Porém, passaram-se somente três dias. É importante estar extremamente atento diante do que está acontecendo, pois não é nada difícil ficar perdido nessa odisseia da cidade grande.
O fio condutor dessa jornada é Howie, interpretado por um Adam Sandler que entrega uma performance tão intensa e diferente do usual que chegou até a ser considerada na corrida do Oscar (e, infelizmente, acabou não sendo indicada). Howard Ratner é explosivo, ganancioso até o último fio de cabelo e tem uma esperança de que as coisas irão dar certo que beira o infantil. Mesmo assim, não deixa de ser um protagonista carismático apesar de suas falhas como pai e marido.
Os outros personagens que o cercam são um grupo diverso e memorável, apesar de não terem tanto tempo de tela quanto o protagonista de Sandler. Alguns deles, como os que trabalham na loja de penhores, são vistos por uma ótica caricatural tão curiosa que praticamente os transforma em personagens de desenho animado. Outros, principalmente Demany (interpretado por Lakeith Stanfield) e Julia (Julia Fox), possuem nuances que são pinceladas na tela e indicam que são personagens muito mais complexos do que aparentam: enquanto Demany serve como um colaborador de Howard que só se importa com os próprios interesses, Julia é uma funcionária da joalheria que esconde uma ambição tão grande quanto o protagonista.
Ainda é possível observar algumas participações especiais: Kevin Garnett assume o papel de ídolo supersticioso a quem o protagonista faz de tudo para agradar; enquanto isso, The Weeknd serve como catalisador para a principal explosão de raiva do protagonista. O filme toma seu tempo em mostrar como cada um é afetado pelas ações de Howard- principalmente sua esposa, Dinah (interpretada por Idina Menzel)- e utiliza deles para potencializar o efeito dramático, especialmente em seu final explosivo.
Joias Brutas é um filme desconfortável e completamente eletrizante. Mostra um Adam Sandler dando o melhor de si num papel intenso, neurótico e que certamente merecia mais reconhecimento. Junto com Bom Comportamento, consagra os irmãos Safdie como grandes expoentes do cinema norte-americano: aqui, eles apresentam um total domínio do espaço cênico e da narrativa, sabendo remodelar seus personagens para que estes consigam se adaptar ao frenesi dos acontecimentos.
Além disso, funciona muito bem como um retrato da sociedade na década de 2010. Uma época marcada pelo capitalismo extremamente opressor, na qual todo mundo é obrigado a viver em função do dinheiro e não sobra tempo para cuidar da própria saúde física ou mental. Muitos querem melhorar de vida e acabam sucumbindo no processo. É algo cruel, hostil, porém não há nada que possa ser feito. Já nascemos nesse sistema e aprendemos desde cedo que precisamos trabalhar para não morrermos de fome. Talvez a mudança só seja possível quando chegarmos ao limite derradeiro. Ou muda, ou daqui para frente é só ladeira abaixo.