Fábio Gabriel Souza
Sorriem, fiquem eretos. Vocês estão no ar
– Effie Trinket
Após 10 anos do lançamento, é interessante analisar um filme que se mantém tão atual se comparado com a realidade geopolítica do mundo. Jogos Vorazes – Em Chamas acontece no país distópico e totalitário de Panem, onde 12 distritos são governados com mãos de ferro pela Capital. Após uma guerra devastadora, conhecida como Dias Sombrios, os Jogos Vorazes foram instituídos como punição, em que uma garota e um garoto de cada distrito lutariam até a morte em uma arena, sobrevivendo apenas o mais forte.
O longa inicia com um ritmo mais lento e introspectivo, quase exatamente onde terminou o primeiro, Jogos Vorazes. Tal dinâmica demonstra a existência de uma grande confusão na cabeça de Katniss (Jennifer Lawrence), que, após os traumas sofridos na 74° edição do evento, tenta se recuperar antes da Turnê da Vitória. O que ela não esperava era enfrentar as consequências dos seus atos e se encontrar em um intrincado jogo político ditado pelo presidente Snow, interpretado brilhantemente por Donald Sutherland. A trama entra em um ritmo mais acelerado com o início da turnê, na qual a personagem principal e Peeta (Josh Hutcherson) voltam a interpretar os amantes desafortunados do Distrito 12.
Essa viagem não acaba quando volta para casa. Você nunca desce desse trem.
– Haymitch Abernaty
Em paralelo a isso, ainda existe o forçado e sem sal romance da garota em chamas com o revoltado e egoísta Gale (Liam Hemsworth), que não convence e existe apenas para mostrar o quanto a protagonista não sabe o que está fazendo. O plot twist aparece quando se anuncia a 75° edição dos Jogos e o 3° Massacre Quaternário: Katniss voltaria para a Arena e novamente fica sob custódia da Capital.
O longa dirigido por Francis Lawrence, diretor também de Água Para Elefantes (2011), trabalha muito bem a intimidade dos atores com a câmera. Os momentos de tensão, por exemplo, são muito bem feitos e passam ao telespectador um constante recado de que nada está bem e que a qualquer momento irá piorar. Isso acontece durante todo o desenrolar de Em Chamas, mas alguns momentos são mais marcantes, como no encontro entre a protagonista e o ditador instantes antes do início da grande viagem por Panem.
A fotografia, desenvolvida por Jo Willems, é outro ponto de destaque. Com o dobro de orçamento de Jogos Vorazes, o resultado são imagens belíssimas que complementam o brilhante trabalho do diretor em passar mensagens com a câmera. Ora com takes intimistas e melancólicos, ora com sequências revoltantes que despertam ódio e stress, a produção é sem sombra de dúvidas uma obra-prima contemporânea.
Entretanto, a fidelidade extrema da produção para com o livro escrito por Suzanne Collins, que agradou e muito os fãs, por vezes atrapalha a dinâmica da adaptação. As cenas idênticas ao romance quebram o ritmo da narrativa em algumas situações, interferindo na experiência imersiva da proposta cinematográfica. Além disso, sendo o segundo filme, Em Chamas não possui início e nem final, o que, a depender dos olhos de quem vê, pode ser um ponto negativo. Começando logo após o primeiro longa da franquia e terminando exatamente onde começa o terceiro, os desavisados podem ter um problema para entender a trajetória dos amantes e de toda Panem.
Ainda durante a sequência podemos acompanhar o amadurecimento de Jennifer Lawrence enquanto intérprete de Katniss Everdeen. A atriz consegue transparecer claramente todos os sentimentos conflituosos sentidos pela personagem. Quanto ao elenco principal, o que se vê é um show de atuação entregue por atores de peso, como Elizabeth Banks, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Lenny Kravitz e Donald Sutherland, que dão vida com primazia a personagens complexos e profundos construídos por Collins.
A imagem de Effie Trinket (Banks) é essencial para se entender a profunda complexidade da sociedade distópica retratada. A escolta do Distrito 12 é uma pessoa deslumbrada com os jogos, mas que, no decorrer da trama, começa a perceber a verdadeira realidade em que está inserida. Representando todo o fetichismo, futilidade e manipulação que a população da Capital sofre, Effie nos apresenta ao resultado do Pão e Circo proposto pelo governo de Panem.
Novamente, assim como no primeiro filme, Peeta representa a grande oposição a Katniss e o complemento perfeito para toda a voracidade e revolta internalizada da protagonista. Sendo um grande orador, o personagem consegue transformar em palavras belas e convincentes a dura realidade em que estão inseridos, inflamando os telespectadores e patrocinadores da Capital. Afinal, no grande simbolismo do Massacre cada um usa a arma que têm, e o padeiro sabe muito bem usar as suas.
Os novos rostos transformam a dinâmica da trama, nos inserindo ainda mais nesse universo distópico e mostrando um pouco sobre a realidade vivida em cada distrito. Com atuações excepcionais e envolventes, Finnick Odair (Sam Clafin) propõe uma sensualidade fortemente presente na figura dos tributos, mas que faltou nos jogos anteriores, e Johanna Mason (Jena Malone) traz toda a revolta que Katniss e a população periférica dos distritos não conseguem colocar para fora.
Jogos Vorazes – Em Chamas foi um sucesso de público, sendo a 5° maior bilheteria de 2013 e muito bem recebido pela crítica, com altos índices de aprovação. Mesmo após 10 anos, o longa ainda provoca grandes reflexões no telespectador quanto ao capitalismo e a banalização do mal (aspectos fortemente criticados na franquia), além de problematizações sobre a sociedade contemporânea.
Em Chamas pode ser considerado um excelente segundo capítulo e esse é um dos motivos da grande expectativa para o quinto filme da franquia, Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes. A adaptação da mais recente obra de Collins chega aos cinemas brasileiros no dia 15 de novembro, pouco depois do aniversário da irmã, e promete continuar emocionando a legião de fãs conquistada pelas quatro primeiras adaptações e trilogia de livros.