Leonardo Teixeira
Quase uma década se passou desde que Lady Gaga surgiu no cenário musical. Com visual desafiador e produções contagiantes para as pistas, a nova-iorquina foi um sopro de ar fresco na cena pop, que à época encontrava-se saturada pela mistura prolífica de dance e hip hop, encabeçada por produtores como Timbaland e Jermaine Dupri — atualmente considerados datados, apesar de sua grande contribuição à cultura popular — e lugar comum da criação radiofônica da primeira década do século XXI.
Agora, no entanto, os tempos são outros: a fórmula de figurinos à moda club kid somados à reinvenção do dance pop que consagrou Madonna na década de 80 rendeu muito nos últimos anos, mas já não é tão bem digerida pelo público, que não conseguiu apreciar as megalomanias visuais e musicais da cantora em seu último registro de estúdio solo, Artpop (2013). Se em 2008 as gravadoras tiveram que encalçar a interprete de Bad Romance e sua revolução performática, em 2016 cresce a pressão para que ela se adeque ao casamento da música pop com a moda minimalista e à retomada dos ritmos negros, tidos como superados anos antes. Joanne (2016) é o resultado do desafio feito a Gaga pelo público, de manter-se fiel a sua veia artística sem prender-se aos anos de glória passados. Uma tarefa daquelas!
Lançado sob expectativa das grandes, o carro-chefe do álbum, Perfect Illusion, não empolgou: a produção de Mark Ronson, BLOOD, creditado nos últimos trabalhos de Grimes, Britney Spears e Justin Bieber, e Kevin Parker, vocalista da queridinha indie Tame Impala, mira num rock cru e orgânico, mas acaba soando mal acabada.
Felizmente, as demais faixas do trabalho não sofrem com o mesmo problema, apresentando coesão na exploração do conceito escolhido. Concebido como um relato pessoal da antítese entre a Lady Gaga real e a pessoa que sua família aspirava que ela se tornasse, Joanne é repleto da sonoridade pop-rock que inundou as rádios na década de 80 e de musicalidade do country setentista. As faixas Diamond Heart e Sinner’s Prayer são alguns dos pontos altos do álbum por explorarem, respectivamente, estas características. Encontra-se na faixa-título, no entanto, o único momento em que o emocional da cantora é cavado fundo o bastante.
Em outros momentos, Gaga decepciona por apresentar uma interpretação muito literal de suas referências. Produções como Come to Mama — que encarna uma versão pouco inspirada do David Bowie de Hunky Dory (1971) —, e John Wayne soam óbvias em meio aos experimentos mais inventivos citados no parágrafo anterior, embora mantenham a atenção do ouvinte.
Dancin’ in Circles, com a inusitada participação do multifacetado Beck na composição, ensaia um divertido ska à Gwen Stefani, apesar de soar fora de contexto aqui. Enquanto isso, o tão esperado dueto com Florence Welch, Hey Girl, acerta em cheio ao utilizar do synth-funk imortalizado por nomes como Grace Jones e Prince para embalar a letra sobre sororidade, compondo o ato mais memorável do álbum.
Joanne é uma consequência de seu tempo: no ano em que Rihanna e Beyoncé optaram por incorporar uma atmosfera alternativa a seu som e visual, Lady Gaga viu a necessidade de compensar os erros do passado. Depois de suavizar sua imagem através de um álbum e turnê com o veterano do jazz Tony Bennet, a compositora de Born this Way já se vê caindo novamente nas graças de público, dessa vez como uma cowgirl sofredora à Dolly Parton. Gaga parece ter finalmente entendido as regras do jogo da música pop, que determinam a validade da persona que o artista apresenta à audiência, exigindo que essa se renove constantemente.
O resultado é uma obra de qualidade bem alta, mas que por vezes tropeça em seu próprio conceito. Vendido como a exposição do íntimo emocional de sua intérprete, Joanne não oferece muito mais que uma contribuição divertida à discografia de Lady Gaga, permanecendo na zona de conforto. No entanto, empolga por trazer de volta à cena uma das mentes mais interessantes e criativas de sua geração. É a prova de que a relação da artista com o público é sólida. E segue firme e forte.