Vitória Gomez
Jão agarrou cada chance que teve de virar uma estrela pop. Antes das noites lotadas e das superproduções que marcam seus dois últimos projetos, o cantor do interior paulista já se entregava em cada performance, seja em palcos pequenos de bares, com um figurino calça-e-camiseta-preta na Virada Cultural de São Paulo ou casas de shows que mal comportam o fervoroso público adolescente. Mais do que tempo ou maestria musical, o fenômeno surgiu da conexão dos temas com uma audiência enfrentando a perspectiva de virar adulto, se desvencilhar dos primeiros laços ou ter um primeiro coração partido. Com SUPER, não foi diferente: é durante a performance que o artista se conecta e cria o espaço seguro tão característico de sua carreira, transformando um álbum comum em uma noite memorável.
O projeto é o quarto de Jão e fecha um ciclo dos quatro elementos: Lobos foi terra; Anti-Herói, ar; Pirata, água; e SUPER é fogo. Incendiando a despedida do que começou há pouco mais de cinco anos, o cantor e compositor refina suas letras e referências musicais, mas não desapega dos temas que o alçaram à fama. Se por um lado o projeto atual soa novo, mas diz algo velho, por outro faz sentido dentro do fechamento da casa dos vinte anos planejado por ele, que, agora, pensa em cada trabalho como uma experiência completa, do musical ao audiovisual à performance.
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— Jão (@jaoromania) August 8, 2023
A conexão não só continua como atinge seu auge em SUPER. Já na audiência do álbum (evento em que o cantor apresenta as faixas ao público antes do lançamento oficial e já virou tradição), Jão apresentou um conceito que, aparentemente, esteve em sua mente o tempo todo, mas só foi revelado na reta final. A relação com os quatro elementos como norteadores de um único ciclo da vida do artista retoma elementos e trechos dos trabalhos anteriores e justifica as repetições – afinal, quantas decepções amorosas podemos viver a cada ano?
Outros trunfos também foram importados. A tradição das cartas abertas, em que o artista publica uma mensagem aos fãs precedendo o lançamento, cria a expectativa para não só escutar mais um disco, mas acompanhar um novo capítulo da vida da estrela em ascensão. Dessa vez, o capítulo é antigo para, finalmente, colocar um ponto final em tudo aquilo que já conhecemos, desde a saída do interior até a chegada em uma São Paulo cheia de oportunidades. Além de colocar os pingos no is a respeito de sua história até aqui, SUPER eleva o potencial de Jão para o que vem a seguir: como o próprio explica, foi feito para ser gritado ao vivo nos maiores palcos do país.
Prova disso é Alinhamento Milenar e Locadora. As faixas não se destacam nem entre o conjunto das 14 que formam o álbum, mas, na performance ao vivo, elevam a experiência de vivenciá-las, que perdurará nos próximos plays. Um estádio lotado gritando “você não acha?” com um beijo cinematográfico no telão ou um palco de cinema transmitindo imagens de uma câmera na mão (à lá Rosalía e, mais recentemente, Ludmilla) mostram que o artista não mentiu.
Ainda, há faixas de SUPER que soam como coringas. Me Lambe, Julho e Maria poderiam facilmente integrar qualquer um dos álbuns anteriores de Jão. A fórmula da primeira torna impossível não lembrar do hit chiclete Idiota e as duas últimas, da sonoridade voz e violão que se repetem a cada trabalho até aqui, ao estilo de Acontece e Você Me Perdeu. Ainda assim, o pecado do cantor vai somente até a página dois: Julho mostra a evolução ao tentar responder aos questionamentos de um João Vitor mais novo, enquanto Maria, não importa em qual disco esteja, é uma das mais pessoais desde 🙁 (Nota de Voz 8) e Monstros.
Já outras canções trazem um novo ponto de vista: agora há também a sexualidade inerente da casa dos 20. Se antes ele já dava uma palinha do que fez nos dias de juventude com Santo, Barcelona e Hotel San Diego, assume de vez a sensualidade e o sexo. Ainda que a ordem escolhida para apresentação das faixas corte qualquer possibilidade de clímax ou continuidade temática, a presença de Lábia e São Paulo, 2015 em polos opostos não deixa dúvida que, entre tanto amor que ficou pelo caminho, ao menos o tesão valeu a pena.
Inclusive, desde Anti-Herói, é nas produções que abusam dos subtextos, do sensorial, das guitarras e riffs abusados, e, quase como um reflexo natural, das luzes quentes no palco, que Jão extrai um sentimento diferente de dor ou conforto. Nessas, a pele se ouriça, a curiosidade bate à porta e a imaginação corre solta. O que aconteceu dentro do quarto de hotel, no banco do carro ou naquele banheiro lotado? A cada um, a liberdade de imaginar.
E se não há nada de novo a dizer, há para mostrar: as temáticas são as mesmas, mas as produções – todas em conjunto com o colaborador de longa data Zebu – amadureceram para compensar. Arranjos elaborados e experimentações sonoras, desde a presença marcante de um pop synth etéreo até trechos modulados para soar como um videogame, ganham espaço e renovam a musicalidade da nova leva de faixas. Ao invés de sentar e sentir, SUPER nos convida a levantar e dançar, lembrando a todos que somos o Sol. A produção também vai além dos pouco mais de 40 minutos de álbum. Fora audição, super dragão e anúncio de turnê, um trailer, concerto secreto e curta-metragem expandem o entorno do disco, criando uma riqueza visual e conceitual extra que engrandece o denso universo criado por Jão junto dos fãs.
Ao final, ele próprio dita seu destino e, como escolheu que os quatro projetos seriam um ciclo, também escolheu como finalmente deixá-los para trás. A faixa-título representa esse fechamento: nela, um sample de Monstros, canção de encerramento do primeiro álbum do cantor, embala a narrativa que une terra, ar, mar e fogo às experiências até ali, retomando frases marcantes e elementos que nortearam a construção da conexão entre artista e público. Com um estrondoso “me deixa ir”, Jão obedece e, com a SUPER Turnê, caminha para a conclusão de uma fase da vida para dar as boas-vindas ao que mais tiver pela frente.