How Big, How Blue, How Beautiful: Há 10 anos, Florence Welch mergulhava em sua linda e triste imensidão

Capa de How Big, How Blue, How Beautiful. Nela vemos Florence Welch, uma mulher branca de cabelos ruivos. Ela veste uma camisa preta de manga comprida. Ela está arcada para frente com o ombro esquerdo um pouco abaixo da linha do direito. Sua mão direita está levantada, fazendo com que seu dedo direito apoie levemente seu queixo enquanto ele olha fixamente para frente. A foto está em preto e branco.
Terceiro álbum do grupo traz a versão mais pés no chão (mas não menos megalomaníaca) de sua frontwoman [Foto: Island Records]
Guilherme Veiga

Florence Welch sabe enganar muito bem. Quem ouve sua voz angelical ou já a escutou seus trabalhos anteriores, como Lungs e Ceremonials, de relance nem imagina que a frontwoman do Florence + The Machine reivindica todas as desgraças sentimentais existentes para si. A princípio pode até soar prepotente e egoísta uma pessoa achar que só ela detém de todo o sentimentalismo do mundo, mas é justamente na ignorância de que nenhuma experiência é única que How Big, How Blue, How Beautiful se torna tão singular.

Ao longo de sua carreira, o grupo desenvolveu suas próprias fases do luto. Em Lungs ela assumiu uma película fantasiosa, enquanto em Ceremonials a dor é tão grande que a fez ir para a igreja, porém nesse terceiro álbum ele se torna extremamente mundano. Tais fases refletem também a sonoridade de era desta trilogia inicial. Lungs é renascentista, Ceremonials é barroco/gótico e How Big, How Blue, How Beautiful é vanguarda moderna. 

Foto de Florence Welch, vocalista do Florence + the Machine. Ela é uma mulher branca de cabelos ruivos longos. Florence veste uma camisa preta com um decote marcado que vai até a barriga. Ela está com a cabeça arcada para trás e fazendo gestos com suas duas mãos. Ao fundo, uma parede azul
Constantemente a cantora é comparada com nomes como Kate Bush e Stevie Nicks, não apenas pelo estilo, mas também pela lírica (Foto: Tom Beard)

Porém, há duas coisas das quais Florence não abre mão: o grandiosismo e a água, que neste registro são quase sinônimos. Quanto ao elemento aquático, a própria cantora disse que, em primeiro momento, o produtor Markus Dravs – que trabalhou com nomes como Coldplay, Bjork e Arcade Fire e que aqui substitui Paul Epworth – colocou um copo de cerveja escrito Water to drink, not write about it (água é para beber, não para compor sobre) no estúdio. No entanto, a astúcia da escrita conseguiu driblar a imposição, visto pelo próprio nome do álbum e também pela faixa de abertura, Ship to Wreck, onde a cantora diz estar construindo um navio para naufragar.

Fica evidente então que há coisas que Florence jamais vai abdicar, e uma delas é a grandiosidade. A banda sempre prezou por uma instrumentação de respeito, seu primeiro trabalho traz uma musicalidade mais crua, quase medieval, já seu sophomore é extremamente pomposo, enquanto aqui ele traz um aspecto mais modernista, que lembra um concerto de Bernstein, resultando na melhor orquestração da carreira do grupo, igualmente massiva, mas que sabe ser comedida nos momentos certos e entra em harmonia com os vocais de Welch, tendo a sonoridade mais rock da discografia.

O resultado é, sem dúvidas, o álbum mais consistente do Florence + The Machine, o que é uma pena, pois, acostumados com todo o expansionismo que a banda propôs em seu início, ele raramente é um dos mais lembrados. Mas isso, de forma alguma, tira o brilho que ele tem. De longe, How Big, How Blue, How Beautiful, em termos de produção é o mais robusto, pensado para ser catártico tanto no estúdio quanto no ao vivo.

Aqui, mais uma vez, o grupo mostra que não está preocupado em ser mainstream, e, ainda sim, conseguem imprimir uma roupagem comercial. E isso, dado às temáticas que Welch – que aqui é centrada principalmente na forma que o processo de superação da cantora afeta a vida à sua volta – aborda é uma tarefa bastante difícil, que, quando bem feita, do modo com que Florence + the Machine faz, dá muito certo.  Ao mesmo tempo em que a lírica dá a entender que a frontwoman não tem problemas em abrir seu peito, desde seu debut eles sempre mascaram tais sentimentos abusando da liberdade poética.

Foto de um show da banda Florence + The Machine. Nela, vemos Florence Welch, uma mulher branca de cabelos ruivos. Ela veste um vestido longo azul. Ela está correndo, de forma com que o vestido, ao mesmo tempo que esvoaça, também cola em seu corpo. Ela também segura uma meia lua com sua mão direita. Ao fundo, luzes de um palco
A turnê do álbum passou pelo Brasil, com Florence + the Machine sendo headliner da edição de 2016 do Lollapalooza (Foto: Caio Kenji/G1)

Queen of Peace e Delilah deixam evidente como isso é feito. A primeira, usa de um casal de monarcas que perdeu o filho para falar de feridas internas, que, apesar de cicatrizadas, marcam o eu lírico pela dor. Já a segunda, se apropria da personagem bíblica para abordar a auto descoberta após um período de dependência emocional. Mesmo sendo libertador, a música mostra que quebrar as correntes é tão doloroso quanto estar preso por elas.

Se a produção alcançou níveis não vistos anteriormente, o vocal de Welch não fica atrás. Não há tanta teatralidade quanto antes, mas nesse disco, a já autointitulada bruxa entoa seus feitiços com uma visceralidade que emana ódio e desespero, e bebe da influência de vocalistas fortes de décadas passadas que, não à toa, a deu o título de Stevie Nicks da geração Crepúsculo. Which Witch – talvez um dos melhores encerramentos de um álbum em décadas, por exemplo – vai além e pinta a intérprete realmente como a Feiticeira Escarlate, capaz de destruir todos a sua volta apenas com sua voz sofrida, moldando a realidade de quem a ouve.

A força de Florence + The Machine sempre pairou na forma como o grupo nunca teve medo de apresentar suas fraquezas ao mundo e desafiá-las. E How Big, How Blue, How Beautiful potencializa isso a enésima potência ao trazer uma carga de humanidade para a discografia. Períodos de luto e superação podem parecer apocalípticos, ainda mais os representados por Florence Welch, mas, a partir de suas obras fica claro que a dor é implacável e, com a guarda alta ou não, tem que enfrentá-la com as armas disponíveis, nesse caso, é a Música. Se o abismo, por mais lindo e gigantesco que seja, te encara, não se pode somente encará-lo de volta, mas é preciso botar medo nele e, se for o caso, mergulhar.

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