Em Hit Me Hard and Soft, Billie Eilish tira o fôlego e o devolve como um novo sopro de vida

Imagem quadrada ambientada embaixo da água. Uma porta branca está aberta, próxima à superfície, no canto superior central da imagem. Em um lugar azul escuro, é possível ver caída flutuando a cantora Billie Eilish, uma mulher branca de olhos claros e cabelos longos, lisos e escuros. . Ela veste roupas escuras e largas, e cai em direção ao fundo.
Billie Eilish demonstra que não há espaço para sorte em seu sucesso estrondoso com um novo álbum de tirar o fôlego – em todos os aspectos (Foto: Darkroom)

Aryadne Xavier

Quando surgiu na mídia em 2015, Billie Eilish ainda caminhava a passos tímidos ao lado de seu irmão e parceiro mais íntimo na Música, Finneas O’Connell. Juntos, eles criaram uma das canções mais tocantes do ano, Ocean Eyes, e deixaram como marca registrada esse jeito único de gerar uma composição: sincero, sentimental e com um ar de caseiro, que aproxima o ouvinte do autor com  uma verdade quase universal. Em todos seus trabalhos, essas características ficam marcadas, mas em Hit Me Hard and Soft, Eilish escancara todos os seus sentimentos e se expõe de ponta a ponta em cada uma das canções. Muito mais madura e consciente do que faz, a artista eleva o nível técnico de suas produções e sua poesia emociona ainda mais. Nesse ponto, já nem faz sentido não assumir a estrela musical que ela é.

Mesmo tendo começado jovem, sua carreira soma números expressivos. Indicada às quatro categorias principais do Grammy aos 17 anos e vencedora destas aos 18, Billie Eilish comprovou que criar Música não é uma ciência exata, entretanto, tudo que ela toca pode, sim, virar ouro. Em seu álbum de estreia, WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO? (2019), a cantora apresentou um pop gótico e refletiu sobre pesadelos e traumas em uma musicalidade que prendeu a atenção de todos, fruto da parceria com O’Connell. No sucessor, Happier Than Ever (2021), trouxe um ar mais maduro, de quem superou as questões anteriores e se deparou com as dúvidas que a vida adulta traz. Já em seu novo trabalho, Eilish nos leva a passear por pensamentos e emoções ao longo de dez novas músicas. 

Imagem retangular ambientada em uma espécie de sala, com piso verde semelhante a grama, uma parede em cor clara e uma janela coberta por uma persiana entreaberta. Ao centro para direita, em uma cadeira também de cor verde parecida com a grama, está Billie Eilish, uma mulher branca de olhos claros e cabelos longos, lisos e escuros.Ela usa um boné com estampa similar a jornais recortados, que se encontra com a aba virada para trás. Seu rosto é adornado com uma armação fina e prateada, e ela apoia o braço esquerdo no encosto da cadeira, que serve de apoio para seu rosto enquanto olha para a câmera. O outro braço, direito, está estendido para fora da cadeira, parecendo estar meio deitada/jogada na cadeira. Ela veste uma camisa xadrez azul com riscos em preto e detalhes em vermelho e uma calça escura com alguns borrados mais claros. Não é possível ver seu sapato e sua mão está suja de tinta preta.
É saudável advertir: ao escutar com fone de ouvido, a experiência fica ainda mais imersiva, presenteada pelos detalhes de produção de Finneas (Foto: Aidan Zamiri)

A expectativa sobre o terceiro trabalho da cantora de 22 anos era altíssima. Depois de surpreender o mundo com uma estreia marcante e acumular prêmios, incluindo duas estatuetas do Oscar e um retorno de alta qualidade, não se esperava nada menos que o fenomenal, de novo. Billie Eilish é certeira ao abrir o trabalho com SKINNY, em que expõe seus pensamentos de maneira visceral. Ao dizer que “os vinte e um demoraram uma vida inteira”, a intérprete demonstra uma ponta do peso que é ter se tornado uma superestrela global antes mesmo de ser considerada uma adulta no próprio país, e fica mais claro que, a partir de então, só veremos o que há de mais genuíno da artista.

E essa autenticidade segue até a faixa de encerramento, BLUE, amarra o tópico de forma sensível. Começando com o instrumental de uma música nunca lançada oficialmente, True Blue, mas que deixava um ‘gostinho’ de querer mais nos fãs desde 2016, Eilish retorna ao início de sua carreira, reconstrói passagens do que há de mais recente em seu trabalho, finaliza e, subitamente, quebra o ritmo. A inventividade sonora da parceria com seu irmão se tornou marca registrada ao cativar todos com Happier Than Ever, porém, aqui se abre com um ar de dúvida e divagações. Ao terminar com a simples frase “Mas quando posso ouvir o próximo?”, a cantora traz o ouvinte para terra firme novamente, quase como um aviso de que o mundo não poderia parar – e desacelera nossos pensamentos ao nos presentear com uma viagem sonora nos pouco mais de quarenta minutos do álbum.

Imagem retangular ambientada em um fundo branco iluminado por luzes em um tom azul escuro. Ao centro, na posição de cócoras, Billie Eilish, uma mulher branca de olhos claros e cabelos longos, lisos e escuros. Ela usa um brinco de argola dourado e veste uma blusa de estampa militar, em tons de verde, e uma bermuda (não é possível distinguir a cor da mesma). Ela parece estar sentada e abraça suas pernas próxima ao tórax.
A mistura entre o duro e o leve também está na base de cada música: a cantora caminha com maestria entre as canções suaves e agitadas (Foto: Arturo Holmes)

O passeio por diferentes sonoridades talvez seja um dos maiores trunfos. O medo de não se encaixar não passa nem em pensamento: a musicista se joga por inteiro e passeia desde o soft-funk de LUNCH até a propositalmente quebrada ao meio L’AMOUR DE MA VIE, que sai de um conjunto de vocal e guitarra até um electro-synth como o puxar de um band-aid da pele. E a troca dos ritmos não se limita apenas às faixas, sendo um universo fluido dentro de uma própria canção. Em um momento no qual o mercado musical se adapta ao formato propagado pelas mídias sociais e trends, a performer nos entrega músicas de quatro a cinco minutos, produzidas tão primorosamente que nem percebemos o tempo passar.

A estrondosa CHIHIRO, canção inspirada na animação japonesa A Viagem de Chihiro, produzida em 2001 pelo Studio Ghibli, carrega diversas referências à jornada da protagonista do filme, que se mistura com a trajetória da própria intérprete. No videoclipe lançado posteriormente, fica ainda mais clara a relação e o respeito a obra de Hayao Miyazaki, ponto que reforça aquilo que aproxima os dois, porém também demonstra a singularidade de cada um dos trabalhos.

Imagem retangular ambientada em um fundo branco iluminado por luzes azuis que vão de tom claro a escuro. Ao centro, na posição de cócoras, Billie Eilish, uma mulher branca de olhos claros e cabelos longos, lisos e escuros. Ela veste uma camisa branca de manga longa, sobreposta por um colete amarelo. Nas mão, usa uma luva que cobre apenas a palma, deixando os dedos para fora, que seguram um óculos em seu rosto, de armação fina e prateada, na altura dos olhos. Ela usa uma bermuda xadrez verde escuro e bege, uma meia branca de cano alto e um tênis vermelho e preto. Em seu pescoço, está um óculos de proteção para esquiadores e em sua cabeça está um boné vermelho e preto, com a figura central de um pictograma humano em preto.
A exploração visual também é um dos trunfos do disco, que permite liberdade artística em todas as esferas para a intérprete (Foto: Petros Studio)

O passeio é sombrio em alguns momentos e florido em outros. Em BIRDS OF A FEATHER, o sunshine pop faz até esquecer que a letra inicia com uma pitada de humor sádico: “Eu quero que você fique até que eu esteja no túmulo, até que eu apodreça. Em letras que passeiam por desilusões e paixões, e traumas e alegrias, a cantora se redescobre e se reapresenta à sua legião de fãs, sem a pretensão de criar um produto apenas para manter o público atualizado ou para viralizar. 

Ela está em todos os detalhes, do videoclipe à produção, da performance ao pensamento de cada frase. Em uma era de discos mornos no mundo pop, que se prende em um único gênero e exploram sempre os mesmos tópicos, um álbum sentimental que passeia com maestria por novos estilos sonoros se destaca e chama o público a uma imersão única. Aos 22 anos, Billie Eilish comprova, novamente, que sabe o que está fazendo e que, felizmente, esse é apenas o começo.

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