Aryadne Xavier
Quando surgiu na mídia em 2015, Billie Eilish ainda caminhava a passos tímidos ao lado de seu irmão e parceiro mais íntimo na Música, Finneas O’Connell. Juntos, eles criaram uma das canções mais tocantes do ano, Ocean Eyes, e deixaram como marca registrada esse jeito único de gerar uma composição: sincero, sentimental e com um ar de caseiro, que aproxima o ouvinte do autor com uma verdade quase universal. Em todos seus trabalhos, essas características ficam marcadas, mas em Hit Me Hard and Soft, Eilish escancara todos os seus sentimentos e se expõe de ponta a ponta em cada uma das canções. Muito mais madura e consciente do que faz, a artista eleva o nível técnico de suas produções e sua poesia emociona ainda mais. Nesse ponto, já nem faz sentido não assumir a estrela musical que ela é.
Mesmo tendo começado jovem, sua carreira soma números expressivos. Indicada às quatro categorias principais do Grammy aos 17 anos e vencedora destas aos 18, Billie Eilish comprovou que criar Música não é uma ciência exata, entretanto, tudo que ela toca pode, sim, virar ouro. Em seu álbum de estreia, WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO? (2019), a cantora apresentou um pop gótico e refletiu sobre pesadelos e traumas em uma musicalidade que prendeu a atenção de todos, fruto da parceria com O’Connell. No sucessor, Happier Than Ever (2021), trouxe um ar mais maduro, de quem superou as questões anteriores e se deparou com as dúvidas que a vida adulta traz. Já em seu novo trabalho, Eilish nos leva a passear por pensamentos e emoções ao longo de dez novas músicas.
A expectativa sobre o terceiro trabalho da cantora de 22 anos era altíssima. Depois de surpreender o mundo com uma estreia marcante e acumular prêmios, incluindo duas estatuetas do Oscar e um retorno de alta qualidade, não se esperava nada menos que o fenomenal, de novo. Billie Eilish é certeira ao abrir o trabalho com SKINNY, em que expõe seus pensamentos de maneira visceral. Ao dizer que “os vinte e um demoraram uma vida inteira”, a intérprete demonstra uma ponta do peso que é ter se tornado uma superestrela global antes mesmo de ser considerada uma adulta no próprio país, e fica mais claro que, a partir de então, só veremos o que há de mais genuíno da artista.
E essa autenticidade segue até a faixa de encerramento, BLUE, amarra o tópico de forma sensível. Começando com o instrumental de uma música nunca lançada oficialmente, True Blue, mas que deixava um ‘gostinho’ de querer mais nos fãs desde 2016, Eilish retorna ao início de sua carreira, reconstrói passagens do que há de mais recente em seu trabalho, finaliza e, subitamente, quebra o ritmo. A inventividade sonora da parceria com seu irmão se tornou marca registrada ao cativar todos com Happier Than Ever, porém, aqui se abre com um ar de dúvida e divagações. Ao terminar com a simples frase “Mas quando posso ouvir o próximo?”, a cantora traz o ouvinte para terra firme novamente, quase como um aviso de que o mundo não poderia parar – e desacelera nossos pensamentos ao nos presentear com uma viagem sonora nos pouco mais de quarenta minutos do álbum.
O passeio por diferentes sonoridades talvez seja um dos maiores trunfos. O medo de não se encaixar não passa nem em pensamento: a musicista se joga por inteiro e passeia desde o soft-funk de LUNCH até a propositalmente quebrada ao meio L’AMOUR DE MA VIE, que sai de um conjunto de vocal e guitarra até um electro-synth como o puxar de um band-aid da pele. E a troca dos ritmos não se limita apenas às faixas, sendo um universo fluido dentro de uma própria canção. Em um momento no qual o mercado musical se adapta ao formato propagado pelas mídias sociais e trends, a performer nos entrega músicas de quatro a cinco minutos, produzidas tão primorosamente que nem percebemos o tempo passar.
A estrondosa CHIHIRO, canção inspirada na animação japonesa A Viagem de Chihiro, produzida em 2001 pelo Studio Ghibli, carrega diversas referências à jornada da protagonista do filme, que se mistura com a trajetória da própria intérprete. No videoclipe lançado posteriormente, fica ainda mais clara a relação e o respeito a obra de Hayao Miyazaki, ponto que reforça aquilo que aproxima os dois, porém também demonstra a singularidade de cada um dos trabalhos.
O passeio é sombrio em alguns momentos e florido em outros. Em BIRDS OF A FEATHER, o sunshine pop faz até esquecer que a letra inicia com uma pitada de humor sádico: “Eu quero que você fique até que eu esteja no túmulo, até que eu apodreça”. Em letras que passeiam por desilusões e paixões, e traumas e alegrias, a cantora se redescobre e se reapresenta à sua legião de fãs, sem a pretensão de criar um produto apenas para manter o público atualizado ou para viralizar.
Ela está em todos os detalhes, do videoclipe à produção, da performance ao pensamento de cada frase. Em uma era de discos mornos no mundo pop, que se prende em um único gênero e exploram sempre os mesmos tópicos, um álbum sentimental que passeia com maestria por novos estilos sonoros se destaca e chama o público a uma imersão única. Aos 22 anos, Billie Eilish comprova, novamente, que sabe o que está fazendo e que, felizmente, esse é apenas o começo.