
Arthur Caires
A atmosfera positiva e idealizada de Heartstopper é uma marca registrada da série desde a sua estreia, gerando algumas críticas por parte do público. Embora certos momentos possam ser considerados caricatos, a produção tem como objetivo ser uma fuga da adolescência corrompida de obras como Euphoria, focando em ser quase como um ‘manual’ para a nova geração e um acalento para os mais velhos. Na terceira temporada, lançada em Outubro de 2024, o original Netflix segue com o tom adocicado, mas oferece um retrato mais realista e autêntico ao tratar de temas mais maduros.
O distúrbio alimentar de Charlie Spring (Joe Locke) introduzido na segunda temporada é ampliado e dá o pontapé inicial para o tema que vai permear o novo ano: saúde mental. Além do protagonista, Nick Nelson (Kit Connor) também apresenta sinais de estresse, pois não sabe como ajudar seu namorado e não consegue se ver longe dele.

Até a metade da temporada, acompanhamos a trajetória do casal descobrindo como lidar com este desafio. Nick tenta ao máximo convencer Charlie a procurar ajuda, que, por sua vez, nega que algo esteja errado. Tudo isso culmina no cuidadosamente dirigido e roteirizado quarto episódio, intitulado Jornada, em que Locke e Connor entregam performances marcantes mostrando como seus personagens tiveram que lidar com essa situação.
Para uma produção destinada ao público jovem, é muito importante que Heartstopper tenha esse papel de representação e conscientização. Desde as cenas de Charlie visitando centros de ajuda até o diálogo de Nick na praia com sua tia Diane (Hayley Atwell’s), a série busca mostrar que não estamos sozinhos nesses momentos e que sempre há uma luz no fim do túnel.
A partir da metade final da temporada, a questão da saúde mental continua a ser abordada, mas fica em segundo plano. O novo arco foca em tratar de outras experiências da adolescência, como a ‘primeira vez’ e a escolha de uma faculdade. Além disso, abre-se mais espaço para o desenvolvimento dos personagens secundários e de discussões diferentes porém igualmente importantes.

A jornada de Elle Argent (Yasmin Finney) se destaca entre as histórias paralelas da série. Além de lidar com questões de disforia corporal, a personagem precisa navegar pelo mundo online, onde ganha notoriedade como artista. Essa exposição inesperada a coloca em uma posição complexa, confrontando-a com as expectativas de ser uma representante ativa da comunidade trans. Ao mesmo tempo, a produção mostra a vida cotidiana de Elle e seus relacionamentos, como seu romance com Tao Xu (William Gao); humanizando sua experiência e oferecendo uma representação multifacetada e positiva de uma jovem trans.
Além de Elle, Tori Spring (Jenny Walser) deixa de fazer aparições repentinas e também ganha um maior destaque nesta temporada. A personagem, além de ser um pilar de apoio para Charlie, representa a irmã mais velha que, muitas vezes, assume responsabilidades além de sua idade. Ao explorar a jornada de Tori, a série oferece uma representação autêntica da experiência de muitos jovens que se encontram em situações semelhantes, cuidando de familiares e amigos enquanto lidam com seus próprios desafios.
Vale também mencionar outras narrativas que foram menos trabalhadas, mas que deram uma diversidade para os temas de Heartstopper. É o caso da pressão acadêmica sofrida por Tara Jones (Corinna Brown) ao se ver diante da escolha de uma faculdade e o progressivo entendimento de Darcy Olsson (Kizzy Edgell) como pessoa não-binária e a forma leve como isso é retratado.

A última grande trama de Nick e Charlie da temporada se consistiu na ‘primeira vez’ dos dois. O tema foi motivo de críticas no ano anterior, pela suposta falta de relações sexuais entre os dois adolescentes. A mensagem que fica é que tudo acontece no momento certo, e a forma com que Locke e Connor representam essa cena não poderia ter sido feita de uma melhor maneira. A narrativa evita a sexualização excessiva e se concentra na importância do consentimento e da vulnerabilidade, oferecendo um retrato positivo e realista da sexualidade adolescente.
O maior legado de Heartstopper será a forma como a série conseguiu abordar diversos tópicos pertinentes da juventude e, principalmente, sobre a minoria LGBTQIAPN+ com cuidado e respeito, de maneira que todos sentissem o seu ‘quentinho’ característico. Na cena final da terceira temporada, os dois passam a noite inteira conversando deitados na cama. É como um lembrete de que as coisas podem ser simples e positivas, e que podemos encontrar uma ou várias pessoas que nos fazem sentir em casa.