Filme surpreende por ser uma representação desencantada do mundo financeiro
Lucas Marques dos Santos
A julgar pelo cartaz de A Grande Aposta, no qual quatro atores de nome estão escrachadamente transfigurados, e pelo seu diretor Adam McKay, conhecido por comédias pastelões como O Âncora e Quase Irmãos, o mais lógico seria deduzir que o tema da crise financeira de 2008 teria a abordagem mais humorística no cinema até então. Entretanto o que se vê em cena é uma escancarada critica ao mundo financeiro, surpreendentemente desglamouralizado, apesar dos diversos recursos de edição e montagem usados.
O filme, que se baseia em fatos e personalidades reais, segue a trajetória de 3 núcleos de personagens, que de modos distintos preveram o colapso da econômica estadunidense – e consequentemente global – causada pela bolha de títulos hipotecários. Desta forma, a grande aposta das personagens foi justamente colocar as fichas contra o “estável” mercado financeiro.
Cada núcleo de história é carregado por um ou mais protagonistas, bem interpretados pelos atores modificados pelos quilos de maquiagem ou massa corporal. O primeiro a aparecer é Michael Burry, um tipo recluso e esquisito interpretado por Christian Bale, cujos diálogos expositivos são realizados muitas vezes por monólogos e mensagens eletrônicas. O segundo núcleo é marcado pelo enfrentamento de Mark Baum (Steve Carrell), líder de uma equipe de finanças e sem dúvidas a personagem mais humana do filme, e Jared Vennett (Ryan Gosling), a caricatura do economista egoísta clássico. O terceiro núcleo é marcado pelo entusiasmo de uma dupla de economistas recém formados (John Magaro e Finn Wittrock) em contraponto ao pessimismo de um veterano (Brad Pitt).
O filme, principalmente no primeiro ato, humaniza e busca explicações no passado para os comportamentos das personagens de Christian Bale e Steve Carrell e a faz bem até certo ponto, diga-se de passagem. Mas é a economia que prevalece em grande parte dos diálogos do filme e de um modo contraditório: da mesma forma em que o roteiro não atenua nenhum jargão econômico, as conversas parecem sempre expor e explicar algo, repetidas vezes. A linha entre um diálogo expositivo relevante e um artificial é tênue, mas algumas nuances do roteiro e as interpretação fazem a balança pousar para o lado positivo.
As exposições, aliás, são realizadas diversas vezes pela quebra da quarta parede. Em três ocasiões, que são algumas das melhores cenas da película, personalidades da “vida real” são convidadas a traçar metáforas com o mundo econômico. Esse recurso visual se junta a outros para promover referências visuais – como a câmera desfocada antes das cenas de Bale, representando seu problema de visão – e piadas – como o infame videoclipe de Enya citado por Carrell.
Mas, apesar da dinamicidade provocada pela edição, o filme não glamouriza Wall Street e nem as sacadas dos protagonista, o que é um dos grandes acertos do filme. Em um exercício de comparação, se em O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, e na série House of Cards a edição dinâmica e as quebras de quarta parede transmitem um certo entusiasmo e leviandade em contraposição aos atos horrendos dos protagonistas, em A Grande Aposta o tom é quase sempre apático e pessimista. É interessante ver, por exemplo, as montagens de fotografias feitas de modo grosseiro, parecendo um trabalho de documentário amador.
A apatia ou a omissão de uma representação moral mais profunda das personagens ao mesmo tempo que funcionam para desmoralizar e ironizar o mundo financeiro, por vezes peca no excesso ao expressar poucas características que fogem de suas personas econômicas – fenômeno causado principalmente pelos já mencionados diálogos em tom explicativo.
Em uma grata surpresa desta temporada de filmes, Adam McKay realiza um filme corajoso, que em nenhum momento esconde os nomes dos bancos, agências e personalidades. A comédia está presente sim, mas contida no humor visual e no absurdo dos jargões econômicos. A Grande Aposta pode até carecer de personalidades mais profundas, mas acerta em cheio ao deixar uma mensagem pessimista e de total desconfiança.