Aviso de prevenção de gatilho: Giles Corey pode contar com elementos possivelmente prejudiciais aos que sofrem com pensamentos suicidas ou depressão.
Frederico Tapia
Em 2011, Dan Barrett, membro da banda Have A Nice Life, lançou o primeiro e único LP sob o nome Giles Corey. A origem do nome adotado por Barrett é de um fazendeiro com o mesmo nome que viveu no século 17 e foi morto durante os julgamentos das bruxas de Salem. Ao longo dos 56 minutos que constituem o álbum, ele fala abertamente sobre suas lutas internas, principalmente contra a depressão e o suicídio. Ele mesmo afirma em seu perfil no Bandcamp: “Giles Corey são músicas acústicas sobre depressão, suicídio e fantasmas”.
O disco é acompanhado de um livreto de cerca de 150 páginas no qual o artista conta sobre e diz muito das ideias de Robert Voor, um personagem que aparece de forma recorrente na arte de Barrett e é possivelmente uma Tulpa (conceito do budismo tibetano que se trata de uma criatura imaginária que pode ser criada a partir de pura força de vontade, envolvendo uma meditação intensa; além disso, essa criatura seria um pensamento tão real que chegaria a assumir uma forma material, e, até certo ponto, autônoma). Todas as faixas possuem uma seção correspondente no livreto.
Giles Corey definitivamente não se trata de uma obra fácil de se consumir, muito pelo contrário. É um álbum extremamente triste e com uma atmosfera de total desolação, durante todas as canções. E não é à toa, afinal, musicalmente ele incorpora elementos de shoegaze, drone, noise, passando por field recordings e até gospel. O disco não é uma tentativa de achar consolo ou conforto, mas sim de achar respostas. No verão de 2009, Barrett viveu um episódio depressivo que durou meses, e ele fala sobre esse acontecimento que culminou na concepção do LP na introdução do livreto. A depressão de Barrett se manifestou com uma pergunta: “se eu não quero estar vivo, eu quero estar morto?”, e Giles Corey nada mais é do que uma tentativa de responder isso.
O disco abre com The Haunting Presence, quando Barrett já diz que está “enterrado acima do chão”, um jogo de palavras tanto pela forma como o fazendeiro Giles Corey morreu quanto metaforicamente, uma alma morta dentro de um corpo vivo. Na sequência, em Blackest Bile, Barrett traz a imagem de uma nuvem de desânimo que inicialmente só afeta ele próprio e que só ele consegue perceber, mas com o passar do tempo essa situação começa a afetar todos que estão ao seu redor.
Faixas como I’m Going To Do It e No One Is Ever Going To Want Me criam um sentimento de completo desespero, de uma vida que não vale a pena ser vivida. Não há nada além de desespero e atitudes autodestrutivas que, com o passar do tempo, só se intensificam. Saber que se sentir desta forma mesmo com tantas pessoas em situações piores só fazem você se sentir culpado, e essas sensações se agravam. Nada mais importa, sua família, seus amigos, todos eles te amam e se importam com você, mas isso não faz diferença.
É difícil dizer o que você quer, mas, no fundo, é bem claro o que você busca. Dar seu último adeus é difícil, muito difícil, mas esse não é nem o maior dos problemas. E no fim das contas? Nada importa, nem mesmo tudo o que vai deixar para trás quando consumar seu fim. Junto a isso, o sentimento de auto-ódio em I’m Going To Do It e dizendo como ele se tornou tudo aquilo que odiava, e isso estava acabando com ele.
Existe uma outra nuance para I’m Going To Do It que vem do livreto lançado junto ao disco. Nele, Barrett fala sobre o conceito de Descontextualização de Robert Voor. De forma geral, é como manter um diário e após um tempo trocar tudo o que foi dito na primeira pessoa pela terceira. Assim, se cria um cenário da sua vida sem você/sua identidade nela. Essa faixa é também Barrett dizendo que ele vai matar sua persona, seu ego.
Enquanto isso, No One Is Ever Going To Want Me ainda recicla uma ideia do outro projeto de Barrett, a banda Have a Nice Life, na comparação de forma implícita entre ser crucificado e formas severas de depressão na música Who Would Leave Their Son out in the Sun. Neste caso, a comparação é mais clara e direta, dizendo que o narrador e quem está ouvindo está “andando sobre a ponte dos suspiros, teremos uma cruz como Cristo, crucificado” e isso é repetido durante a canção.
Outro tema recorrente no álbum é o sentimento de solidão, de não merecer ser amado, sensação comum para pessoas que apresentam quadros depressivos. Por exemplo, Spectral Bride (que soa como uma série de canções gospel retrabalhadas) trata do conflito entre ter o desejo de não estar mais na Terra e, ao mesmo tempo, não querer abandonar quem ele ama, nesse caso virando um fantasma para poder continuar ao lado de sua amada. Anteriormente, no refrão de Blackest Bile, o narrador diz ser um fantasma solitário, e que nasceu para ser sozinho, reforçando esta ideia.
No encerramento Buried Above Ground, apesar de sonoramente a faixa destoar das outras por soar muito mais esperançosa que tudo o que veio antes, Barrett reutiliza alguns elementos da música de abertura The Haunting Presence, a começar pelo próprio nome. Já na letra, é reutilizada a metáfora que inicia o disco dizendo que “tem um demônio no meu peito/nas minhas pernas/nas minhas costas/no meu pescoço”, que representa sua luta contra a depressão e como ela o faz sentir que está vivendo no Inferno. Isso é reforçado logo em seguida quando ele diz que está gritando com uma criança no fundo de um poço, e finaliza ao retomar que “está enterrado acima do chão”.
Uma obra difícil de ser ouvida, mas, sem dúvidas, um dos projetos mais únicos da última década. Não se trata de um álbum com o perfeccionismo geralmente esperado do slowcore, é algo muito mais focado no emocional. Giles Corey acabou ditando os últimos 10 anos do gênero que ficou muito mais despretensioso, principalmente se comparado com as duas décadas anteriores.
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