Ludmila Henrique
A juventude é um tema indispensável no audiovisual. As inúmeras questões sobre esse momento singular de nossas vidas é, sem dúvidas, um prato cheio de possibilidades para os cineastas explorarem a sua criatividade e levantarem discussões pertinentes a respeito da adolescência, que muitas vezes são desconsideradas no mundo real. Há 15 anos, Gurinder Chadha, diretora renomada por suas adaptações contemporâneas de livros para filmes – como o longa-metragem Noiva e Preconceito (2004), inspirado na literatura de Jane Austen -, retornava às telas do Cinema com o clássico cult Gatos, Fios Dentais e Amassos (2008), filme sobre o amadurecer de uma garota e que marcou uma nova geração de adolescentes.
Adaptando os livros de Louise Rennison, Angus, Thongs and Perfect Snogging narra a trajetória de Georgia Nicolson (Georgia Groome), uma jovem de 14 anos experienciando, ou melhor, suportando pela primeira vez, todas as emoções efervescentes que surgem na vida de mulheres durante a juventude. Sendo a única passando por esse momento dentro de casa, Georgia se sente incompreendida pelos familiares e encontra todo o apoio necessário no seu grupo de amigas, o Ace Gang.
Georgia quer três coisas. Agir e ser respeitada como uma mulher adulta, realizar uma festa interessante para garantir status social dentro de sua escola e, por fim, conseguir um namorado bonitão. As coisas passam a ficar mais interessantes na vida de Nicolson quando ela se apaixona perdidamente por Robbie (Aaron Taylor-Johnson), um dos novatos que chegaram de Londres para o seu colégio. Obviamente, ela vai elaborar um plano, envolvendo seu gato Angus, calcinhas fios dentais e bons beijos para conquistar o rapaz.
O filme é como um clássico bolo de chocolate: não é exatamente revolucionário e inovador, mas ainda é o favorito de muitos dentro do gênero comédia romântica. Apesar de Gurinder Chadha garantir um roteiro mais do mesmo, Gatos, Fios Dentais e Amassos se distancia de outras dramédias clássicas dos anos 2000, por não se preocupar em parecer bobo ou até mesmo vergonhoso. A composição do longa-metragem é essencialmente brega e sabe transitar perfeitamente entre momentos cômicos e de amadurecimento da protagonista, colaborando para que cada situação constrangedora vivenciada pelos personagens fossem devidamente lembradas a longo prazo pelo público.
Robbie, assim como boa parte dos galãs de filmes teens, tem um toque de doçura e de mistério. Novo na cidade, mora com seu irmão gêmeo Tom (Sean Bourke) e com a mãe, que apesar de ser mencionada diversas vezes, nunca apareceu em tela. O rapaz poderia tranquilamente agir como um garoto problema, que guardou o rancor do mundo por conta do divórcio dos pais, pela mudança repentina que esse acontecimento gerou e, claro, descontar todo esse ódio nas melodias de sua banda de rock alternativo. Ainda assim, segue um caminho totalmente contrário ao esperado. Na verdade, ele é uma figura surpreendentemente madura, protetiva com a família, e que gosta de gatinhos e de bebericar chás.
Essa pessoalidade ambígua de Robbie, de ser um cara profundo e muitíssimo gentlemen, configurou Aaron Taylor-Johnson como um dos deuses gregos em 2008, não apenas pela aparência angelical, mas também pelo seu talento como intérprete e que hoje é visível em grandes obras como Anna Karenina (2012) e Tenet (2020). Um aborrecimento do roteiro é que incorpora Robbie apenas para ocupar o lugar de interesse amoroso da protagonista, sendo que a trajetória do personagem é intrigante e poderia ser mais trabalhada pelos escritores.
A trilha sonora é ditada sobretudo pelos The Stiff Dylans, grupo musical do Reino Unido originado para ser a banda de Robbie no longa-metragem. Pensada inicialmente para ser fictícia, eles atingiram um grande público com as canções Ultraviolet (2008), música tema do filme, e Ever Fallen in Love (1978), cover dos Buzzcocks que também foi sonorizada nas gravações. Embora o tão sonhado álbum dos Stiff Dylans permaneceu apenas no papel, o refrão “Queima quando estou ao seu lado, sua luz é ultravioleta” sempre estará fixado no imaginário popular.
Contrária a Robbie, Georgia Nicolson vive de urgências. Urgência em ser boa em todos os aspectos possíveis, na popularidade, na vida pessoal e amorosa. Nicolson é a típica adolescente que considera cada detalhe como importante e significativo. O problema dessa perfeição toda é que ela vem acompanhada de ações que a jovem considera interessante para as outras pessoas e não exatamente para ela mesma. Esse agir gera inúmeras adversidades ao longo do filme, não apenas na autoestima da garota, que configura o fato das pessoas não gostarem dela a algum ataque pessoal e não aos seus erros cometidos, mas também pela perda de confiança por parte de quem foi magoado por suas ações.
Georgia é quase uma versão inglesa de Devi Vishwakumar, do seriado da Netflix, Eu Nunca (2020). Além das personalidades fortes e imaginativas, o arco das personagens é quase idêntico, tirando o fato de que Georgia não está inserida em nenhum triângulo amoroso. Ambas também se aproximam pelas várias questões familiares enfrentadas por elas. Nicolson vivencia o medo constante do divórcio de seus pais, Connie (Karen Taylor) e Bob (Alan Davies), após a transferência de emprego de seu pai para a Nova Zelândia. Inicialmente, acreditava que poderia ser interessante não ter um deles por perto, mas a ausência de Bob favoreceu para os momentos de solidão e exclusão da garota fossem aos extremos, quando, na verdade, ela apenas precisava de um conselho paterno.
Gatos, Fios Dentais e Amassos é um filme colegial clássico, porém muito britânico. Embora bobo e descontraído, a trama é dominada pela nostalgia do início ao fim, transportando a lembrança de vivenciar novamente a época do primeiro amor, das revistas teens e dos pôsteres de boybands na parede. Há 15 anos, o longa-metragem, que hoje é um adolescente, capturava em tela os anseios da juventude com um humor bobo, brega e descontraído, assim como a nossa adolescência deveria ser.