“Decididamente, eu sei ser animada, sei ser amável, agradável, afável. E esses são apenas os ‘As’. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo.”
— A menina que roubava livros
No universo dos livros, o feminino assume diversas formas e possibilidades. Seja através da histórica objetificação pelos autores homens, do ato de roubar a cena mesmo quando a narrativa é secundária ou da tão sonhada materialização como protagonista, as personagens mulheres sempre trazem um dimensionismo inigualável para as tramas.
Em pleno mês de Março, período em que celebramos o Dia Internacional da Mulher – ainda marcado pelas lutas por direitos iguais em 2024 –, o Persona coloca em destaque as vozes femininas da Literatura atual. Debatendo amor, autoconfiança, gênero, desejos e prazeres, os livros selecionados revelam o melhor das autoras mais influentes do século.
Partindo de romances leves, passando por estreias até obras que trazem perspectivas históricas sobre o feminismo, a Editoria ressalta a batalha por um mundo mais justo no maior estilo girl power. Confira abaixo a nossa curadoria de obras escritas por mulheres que engrandecem o debate nesse mês especial.
Dicas do Mês
Lynn Painter – Melhor do que nos filmes (340 páginas, Intrínseca)
Filmes de romance, roupas vintage, vizinho irritante, paixão de infância, playlists e enemies to lovers. Precisa de mais alguma coisa? Lynn Painter nos apresenta Elizabeth Buxbaum e seu vizinho e arqui-inimigo declarado, Wesley Bennett. Mas o que é uma briga pela única vaga de estacionamento na frente de suas casas perto de um plano mirabolante para conquistar uma antiga paixão de Painter?
Uma leitura leve e romântica, que nos mostra que nem tudo é o que parece e que a paixão pode estar onde menos se espera. Sucesso no TikTok, a história de Liz e Wes conquistou admiradores, muitos fãs de Taylor Swift e apreciadores de clássicos da comédia romântica. Uma aventura envolvente em busca do ‘felizes para sempre’. – Agata Bueno
Marcela Ceribelli – Aurora: O Despertar da Mulher Exausta (288 páginas, Harper Collins)
Famosa pelos seus episódios semanais do Bom dia, Obvious e todas suas postagens aesthetic no Instagram sobre esportes, amor e até signos, Marcela Ceribelli não era novidade em nossa página inicial do Spotify. No entanto, ao aventurar-se pelo mundo literário, nos surpreendemos com suas palavras: assim como ouvi-la sempre foi um prazer, ler as páginas de Ceribelli foi incrivelmente familiar.
Denominado como auto-ajuda com uma pegada bem mais informal – quase uma conversa com uma melhor amiga ou irmã mais velha –, Aurora: O Despertar da Mulher Exausta divide-se em blocos para abordar o amor, a auto aceitação, confiança, personalidade e felicidade para mulheres modernas. Aqui, não importa se você é da década de 90 ou nasceu com a era Disney, todos os conselhos e capítulos fluem tão bem que você irá se sentir em um episódio de podcast. – Clara Sganzerla
Simone de Beauvoir – A mulher desiludida (176 páginas, Nova Fronteira)
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Essa célebre frase caracteriza não só o nome de Simone de Beauvoir, mas todo o trabalho dela. Considerada como uma das maiores teóricas do feminismo moderno, a escritora francesa abordou temas que, até então, eram menosprezados e vistos como não políticos, o que suscitou questionamentos e mostrou o caminho para a mudança. A mulher desiludida é uma de suas principais obras e um grande exemplo de como algumas situações nunca deixam de estar presentes na vida de uma mulher, seja na década de 1960 ou 2020.
A mulher desiludida reúne três histórias independentes e todas elas giram em torno de uma protagonista que lida com algum tipo de perda, literal ou simbólica. Com isso, elas também passam a sofrer com a perda de suas próprias identidades, refletindo sobre a condição da mulher e seu papel numa sociedade ainda dominada por homens. Sensível e visceral, essa é uma leitura que exige um coração aberto e empático para compreender a solidão dessas personagens que ainda vivem entre (e dentro de) nós. – Raquel Freire
Audre Lorde – Irmã Outsider (240 páginas, Autêntica)
“E quando eles aparecerem para me derrubar, não irá demorar a que apareçam para derrubar você” é o rasgo sutil de garganta expresso ao final de um dos textos presentes no compilado Irmã Outsider. Embora a linguagem escrita seja silenciosa aos ouvidos, é impossível não escutar um estrondo no córtex sinalizando o parto e o renascimento de memórias. Estas, aliás, compreendem vidas inevitavelmente revolucionárias de mulheres que rejeitaram ser uma coisa só.
Lançado em 2019 pela editora Autêntica, a coletânea de obras de Audre Lorde – mulher, negra, lésbica, feminista, socialista, poeta e mãe de duas crianças – é uma ode às diferenças que, sim, ocupam um espaço significativo em qualquer parágrafo. E a isso dizemos: amém. Cada palavra escrita, falada, cantada ou beijada é uma fração de histórias que estão sendo, enfim, contadas, seja na troca sugestiva de olhares, na conversa íntima noturna ou nas páginas de Irmã Outsider. Em terra de girl power, quem questiona a branquitude, o capitalismo e a heteronormatividade é rainha. – Ana Cegatti
Fernanda Torres – Fim (208 páginas, Companhia das Letras)
Fernanda Torres, que é aclamadíssima como atriz, também mostra o seu talento em Fim, seu primeiro romance lançado em 2013. O livro narra as histórias de vida e amizades cruzadas de cinco homens: Álvaro, Neto, Ciro, Ribeiro e Sílvio. Ambientado em diversas épocas do Rio de Janeiro – entre drogas, bebidas, desejos, confissões, traições e manipulações –, a obra é um drama reflexivo, ainda mais pelo diferencial do início dos capítulos serem o último dia de vida dos personagens.
Adaptado como série original da Globoplay em 2023, o leitor se sente parte da obra porque tem toda essa ambientação próxima a ele pelos diferentes períodos retratados. Fernanda Torres escreve fluidamente e cria uma amarração na história em que, em algumas passagens, sentimos raiva pelos acontecimentos e logo depois compaixão. Com isso, Fim é uma criação bem interessante que, entre os diversos personagens que se encontram e desencontram, vale a pena a sua leitura. – Marcela Lavorato
Bianca Santana – Quando Me Descobri Negra (96 páginas, SESI-SP)
Ao retratar a sua história nestas noventa e seis páginas, Bianca Santana não fala apenas de si mesma, mas também sobre as vivências de grande parte das mulheres brasileiras no quesito das questões raciais. Permeando desde a sua infância, indo até o reconhecimento da própria negritude já na vida adulta, a autora questiona de que maneira tenta-se diminuir e apagar a memória de um povo injustiçado.
Abordando temas como as micro agressões cotidianas, diferença salarial e violência policial, o racismo é escancarado por todas as partes. Apesar da dura realidade expressada em seus escritos, existe também uma beleza iminente em sua auto descoberta e aceitação, relembrando a enorme força e autenticidade de quem teve e ainda tem que se reinventar diariamente. – Rebecca Ramos