Enterre Seus Mortos quase soterra sua própria ambição

Na imagem, Nete está encostada na cabeceira de uma cama, com os dois braços apoiando a cabeça. Ela está com expressão de confiança. Nete é uma mulher na faixa dos 40 anos, de pele clara e cabelos longos de cor castanho escuro. No muque, ela possui uma tatuagem escrita.
O filme participou da Mostra Competitiva do Festival do Rio 2024 (Foto: Globoplay)

Davi Marcelgo

Marco Dutra é conhecido por suas colaborações com Juliana Rojas, mas, na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o diretor encara sozinho a missão de contar a história de Edgar Wilson (Selton Mello) e a cidade de Abalurdes, que está prestes a passar pelo apocalipse. Enterre Seus Mortos faz parte da seção Mostra Brasil e é uma produção Globoplay que adapta o romance homônimo de Ana Paula Maia. 

No longa mais popular em parceria com Rojas, As Boas Maneiras (2017), a dupla se inspira no interior rural e usa efeitos práticos para dar vida à história do lobisomem. Nesse novo terror, Dutra se apega mais uma vez a elementos brasileiros para sua fábula apocalíptica que, infelizmente, apesar de muita estilização e personagens interessantes, soa confuso em meio a tantas histórias que quer colocar dentro dessa cova. 

Terror cósmico, história de serial killer, uma nova religião, crianças exiladas em ilhas, o fim do mundo se aproximando e uma médica colecionadora de corpos humanos são subtramas que não cessam. Ainda que todas elas sejam intrigantes, parecem não convergir em um ponto comum de coesão e, quando chega ao final, em termos de trama, essa experiência de 120 minutos não é satisfatória. Inclusive, o filme estrelado por Marjorie Estiano e Isabél Zuaa sofre basicamente do mesmo calcanhar de Aquiles: a ausência de manejo em conciliar mais de uma história.

Cena do filme Enterre Seus Mortos Na imagem, Edgar Wilson está no canto direito, ele segura um copo de coca-cola, na altura do rosto, enquanto encara a sua frente com expressão séria. Do lado esquerdo, em cima de um balcão, há uma garrafa de vidro da coca-cola, bebida pela metade. Edgar Wilson veste uma jaqueta de coloração escura e usa um band-aid no nariz. O copo é no estilo americano. Edgar Wilson é um homem na faixa dos 50 anos, de pele clara e cabelos escuros curtos. Ele está num bar, com iluminação vermelha neon.
Selton Mello protagoniza outra produção do streaming que também faz parte da programação da Mostra SP: Ainda Estou Aqui (Foto: Globoplay)

Porém, se é para a história ser uma tremenda viagem esquisita que coloca em xeque questões estabelecidas ao protagonista e seus companheiros, então, Marco Dutra faz um perfeito trabalho. Acima de tudo, seu comando com a Fotografia de Rui Poças e a direção de Arte de Ana Paula Cardoso lidam muito bem com as iconografias do Terror brasileiro e não deixam a peteca cair por momento algum. O filme vai ganhando tons de cor e intenção mais pesados conforme vai chegando ao seu clímax pavoroso e enigmático. 

Dentre esses elementos do país, há as procissões, religiões, padres excomungados, a promessa de um fim do mundo e uma sensação de abandono sentida por cidades pequenas. É uma produção de cenas bem fortes e sanguinolentas que colocam o espectador dentro da atmosfera. Se o objetivo é fazer o apocalipse provocar-lhe algo, uma mínima mudança e desconforto, o filme não deixará você sentir indiferença. 

Enterre Seus Mortos é uma experiência catalisadora de sentimentos mistos, frustração e empolgação. É um projeto muito grande, mas com a insuficiência de uma história que aguente seu tamanho, embora o visual transborde essa ambição. Com certeza, vale revisões ao longo dos anos, talvez com mais amadurecimento de quem vê e porquê vê. 

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