Aline Eva
El Camino chegou com o objetivo de mostrar tudo que aconteceu com Jesse Pinkman imediatamente após os eventos do perfeito episódio final de Breaking Bad. Exibido em 2013, em Felina, Jesse consegue, com a ajuda de Walter White e seus estratagemas, escapar com vida e fugir. Trata-se, portanto, de uma sequência e epílogo do seriado da AMC, que entrega o mesmo clima tenso e cheio de adrenalina com uma boa dose de drama e pitadas de humor.
O final de Breaking Bad foi muito bem construído, com um nível de excelência condizente com a qualidade da série durante todas as 5 temporadas, deixando a maioria dos fãs plenamente satisfeitos. Ainda assim, a oportunidade de assistir um pouco mais dessa trama inigualável e poder matar a saudade de um dos personagens mais incríveis foi um bônus extremamente valioso. El Camino foi lançado diretamente na Netflix, no fim de 2019.
O longa metragem foi escrito e dirigido pelo brilhante Vince Gilligan, trazendo Aaron Paul de volta ao papel de Jesse Pinkman. Existe um rápido resumo dos fatos ocorridos anteriormente na série, mas para uma melhor experiência é altamente recomendável assistir novamente o último episódio, para refrescar a memória e não deixar passar nenhum detalhe.
El Camino foi indicado ao Emmy 2020, e está concorrendo na categoria de Melhor Telefilme. A cerimônia do Emmy acontecerá no dia 20 de setembro e ainda não se sabe ao certo como será o formato do evento, em virtude da pandemia do coronavírus. Sabemos apenas que será um acontecimento único na história.
Vince Gilligan teve a ideia inicial de fazer El Camino ainda durante as filmagens da última da temporada de Breaking Bad. O criador conversou com Aaron Paul sobre o projeto em 2017 e começou a desenvolver o roteiro, consultando também a equipe de Better Call Saul para garantir que a continuidade do universo não fosse quebrada. As filmagens começaram em novembro de 2018 e ocorreram em sigilo no Novo México e Arizona, durante cinquenta dias. A existência do filme permaneceu não-confirmada até agosto de 2019, quando foi oficialmente anunciado pela Netflix.
Infelizmente, Aaron Paul não foi indicado para a categoria de Melhor Ator de Minissérie ou Telefilme nessa edição do Emmy. Entretanto o ator já foi vencedor do Emmy de Ator Coadjuvante em Drama no papel de Jesse Pinkman três vezes: em 2010, 2012 e 2014, também tendo recebido indicações em 2009 e 2013.
O filme representa, acima de tudo, uma justa oportunidade para colocar os holofotes na figura de Jesse, evidenciando o esperado término do ciclo de violência e horror que ele teve que suportar durante toda a série, especialmente na última temporada. Agora, Pinkman trilha o caminho para que, finalmente, alcance seu merecido final feliz (ou ao menos um recomeço menos sombrio).
Mas Jesse não é a única figurinha de Breaking Bad a dar as caras em El Camino. Outros personagens fazem importantes participações no filme. Dentre eles se destacam o eterno Walter White (papel lendário de Bryan Cranston), Jane Margolis (Krysten Ritter) e Todd Alquist (Jesse Plemons).
Os momentos que recolocam Walter e Jane ao lado de Jesse são bem tocantes. Resgatando um sentimento de nostalgia e, ao mesmo tempo, uma ideia de despedida moral daquelas figuras que o garoto/homem vai sempre guardar em algum lugar de seu coração.
Já no caso de Todd, a coisa muda. As cenas evidenciam o caráter de psicopatia do personagem, com uma vibe tragicômica. O ator Jesse Plemons (que fez Black Mirror) mudou bastante desde o episódio final de Breaking Bad, o que chamou a atenção do público. Pois, embora teoricamente o filme se passe logo após os acontecimentos do último episódio, a aparência de Todd parece de alguém anos mais velho e com alguns quilos a mais. Sobre essa questão, muito embora pareça evidente que a forma física de Jesse Plemons mudou consideravelmente devido ao longo lapso temporal da vida real entre o final de Breaking Bad e a filmagem de El Camino, há uma teoria que o filme buscaria passar especificamente a visão do Jesse sobre a história e os personagens. Seria mais algo sobre a memória que ele tinha e da maneira como enxergava do que sobre como as coisas realmente eram.
A jornada de Pinkman durante o filme mostra exatamente quem ele se tornou depois de todos os acontecimentos: agora não é mais um menino, mas um homem mais sofrido, calejado e perspicaz. Um alguém que passou por muitas coisas dramáticas e dolorosas, mas que continua conservando certa ingenuidade e generosidade. A cena em que ele se confunde acreditando nos “policiais” deixa bem clara essa dualidade tão típica dele: ora malandro, ora extremamente ingênuo.
A grande mágica que Vince Gilligan faz é ser extremamente conciso e preciso para condensar em duas horas de filme a essência de Pinkman e como se dá seu ponto de virada para uma nova fase de sua vida. O ritmo de El Camino não fica cansativo, os diálogos não são longos demais e não há prolongamento desnecessário de cada trama menor do filme: tudo é feito com um timing perfeito. A escolha estratégica dos personagens que aparecem no filme, como Skinny Pete (Charles Baker), que demonstra com gestos grandiosos o enorme afeto e admiração que sempre teve por Jesse e o rabugento Ed (interpretado de forma brilhante pelo saudoso Robert Forster), também ajuda a construir o ritmo ágil e envolvente, conferindo ao longa um bom equilíbrio de tragédia e comédia.
A rapidez e agilidade nos diálogos e nas cenas de ação dão um ritmo adequado de tensão à El Camino. Com pequenos toques de comédia, abordando de forma muito adequada o acerto de contas de Jesse com todo o peso dramático que carregou até então e sua evolução pessoal. Além, é claro, de evidenciar que certas coisas sempre farão parte de sua essência.
A interação por flashbacks com Jane e Walter, o já evidente desapego em relação aos pais (que não mereciam outra coisa realmente) e a bonita relação com o menino Brock reforçam a ideia de um acerto de contas com tudo que é importante para Jesse. Conseguindo se livrar, ao menos em parte, do enorme peso de culpa e autopiedade que carrega, ele se sentie finalmente mais livre e preparado para iniciar uma nova vida em outro lugar, com outra identidade.
El Camino honra a trajetória de Jesse Pinkman, um dos personagens que mais terrivelmente sofreu em Breaking Bad. Um dos trailers que antecedeu o lançamento do longa contava justamente alguns dos piores momentos que Jesse passou desde que Walter White cruzou o seu caminho. O vídeo é pura arte e evidencia uma estratégia que Gilligan utiliza com perfeição em seus trabalhos: colocar uma trilha sonora leve e bonitinha para momentos de extremo drama e violência. Os piores momentos de Pinkman ao longo de toda a série são ironicamente contados ao som da música Enchanted.
Depois de passar por tantas transformações, perdas e sofrimento, o mínimo que Jesse merecia era um filme que fizesse jus à sua história mostrando que, finalmente, poderá acertar todas as contas com o passado e reconstruir sua vida abandonando as tragédias e remorsos. Mas não sem antes passar por mais alguns ou vários obstáculos, como não poderia deixar de ser.
O sentimento ao final do telefilme El Camino é de alívio e uma leve esperança em dias melhores, para aquecer e acalmar o coração do público da série e traçar um novo destino para um dos personagens mais amados e cativantes do universo Breaking Bad.