Henrique Marinhos
Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos é um documentário que mostra como a Arte pode ser uma forma de resistência, transformação e empoderamento de uma comunidade. O filme acompanha a trajetória de diversos artistas do Lesoto, um pequeno país nas montanhas da África do Sul, que usam o lixo como matéria-prima para suas obras, além de muitas outras atividades sociais. Através da criatividade, da reciclagem e principalmente da paixão pelo que fazem, eles criam peças e projetos que expressam suas identidades, culturas e lutas em um cenário que por muitos seria considerado infértil.
A obra é dirigida por Iara Lee, uma ativista e cineasta brasileira que já produziu outros filmes sobre temas sociais e ambientais, como o documentário em curta-metragem Beneath the borqa in Afghanistan (em tradução livre, Por baixo da burca no Afeganistão) e sua organização Culturas de Resistência, que apoia projetos que promovem a agroecologia, a educação, os direitos humanos e a diversidade cultural. A produção foi exibida em um dos maiores eventos culturais de São Paulo, a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção Apresentação Especial.
O desenvolvimento do curta-metragem é dinâmico, sem muitas separações ou introduções, e nos aventuramos quase às cegas entre os tantos relatos apresentados, que da mesma maneira inesperada, se encerram. Entre artistas e projetos, ainda que tenham começado como hobbies, as estrelas do documentário potencializam a ideia de que o que fazem é, de fato, seu propósito de vida: criar espaços seguros e saudáveis para eles mesmos e para suas comunidades.
Algumas das vertentes que tratam majestosamente em tão pouco tempo é a prática da arte têxtil para empoderar e educar as meninas, alertando sobre os riscos do casamento precoce e da prostituição. Além de outras ações como a de Tumisang Taabe, que ensina crianças e adultos a andar de bicicleta, Sotho Sounds, um grupo de músicos que utiliza instrumentos feitos de lixo descartável, ou Siphiwe Nzima-Nts’ekhe, uma poetisa focada nos direitos de crianças africanas.
Em seus lindos 24 minutos, a trilha sonora compõe um ambiente otimista e vibrante. A obra toda, na verdade, é regada a Música também como produção cultural e parte do projeto, com os créditos do som por Aleksey Antonov. Apresentada através do rap, do jazz, do rock, do folk, e principalmente do reggae, a sonoridade é brilhantemente complementada com transições compostas por paisagens estonteantes (fotografia e montagem por Dimo Petkov), construindo pontos altos de refinamento. Compreendemos sua beleza natural e diversidade geográfica com montanhas, os vales, os rios, os lagos e as cachoeiras que cercam o país, além das cidades, as vilas, as ruas e as casas que revelam sua realidade social e cultural.
Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos convida à reflexão sobre os desafios enfrentados por Lesoto, seja a pobreza, a seca, a erosão do solo, a falta de saneamento básico ou a dependência econômica da África do Sul. O filme o faz de maneira muito emocional e contemplativa, celebrando a Arte como forma de expressão, comunicação e principalmente transformação.
A transformação do tempo dos artistas em suas produções, da sociedade em que vivem, e diretamente, como explicita o título, a transformação do lixo como um problema grave em uma nova maneira de geração de renda e conscientização ambiental. Sobretudo a preservação de sua identidade cultural, língua, música, Arte e olhares sobre a vida.