Isabella Siqueira
O escritor e jornalista brasileiro Michel Laub traz em seu livro Diário da Queda um retrato comovente de três gerações marcadas pelo passado, junto de uma reflexão dos acontecimentos que constroem o que somos. Lançado em 2011 pela editora Companhia Das Letras, o livro escrito na forma de diário apresenta personagens não nomeados e uma questão central, “E como um indivíduo se torna aquilo que é?”.
Michel Laub nasceu em Porto Alegre e já atuou como colunista da Folha de S. Paulo e do Globo, foi finalista do prêmio Jabuti em 2007 e 2017, e merece destaque como um dos escritores mais promissores da língua portuguesa. Entre seus outros romances já publicados estão O Tribunal da Quinta-Feira (2016), O Segundo Tempo (2006) e A maçã Envenenada (2013).
A obra Diário da Queda é narrada em primeira pessoa pelo neto de um sobrevivente de Auschwitz, e a partir daí ele se propõe a falar de si, do pai e do avô. Um evento em particular em sua infância entrelaça essas gerações, um “acidente” numa festa de aniversário quase deixa um garoto paralítico. A partir desse acontecimento o narrador faz conexões com o que se tornou sua vida anos depois, e por entre memórias fragmentadas ele reflete sua adolescência, os três casamentos malsucedidos, a doença do pai anos mais tarde.
A construção da obra impressiona, Laub consegue misturar a densidade de um tema sensível com uma ironia trágica e viciante. O livro é dividido em tópicos, capítulos curtos e até frases longas, os nomes despertam curiosidade no leitor, como: Algumas coisas que sei sobre mim, algumas coisas sei sobre meu avô, ou Notas.
As três gerações se encontram como uma só e o passado de seu falecido avô dita as consequências nos anos posteriores. O avô é um imigrante judeu vindo para o Brasil após a libertação de Auschwitz sem família, dinheiro ou perspectivas. Em dado momento revela-se preso nas memórias dessa época de sua vida, e posteriormente suas ações, fazendo alusão a Primo Levi e outros, impactam na vida de seu filho e futuramente de seu neto.
“(…) O que isso tudo dizia para o meu pai? No que isso justificava o fato de o meu avô ter feito o que fez sem por um instante se lembrar dele, do que seria a vida dele a partir dali, do que ele teria de carregar dali para a frente?” (Página 119)
As referências a obra de Primo Levi ocasionam uma curiosidade inevitável nesse que foi um dos grandes escritores do século XX, e em sua obra mais famosa: É Isto um Homem?. Lançada em 1947 é uma história do dia-a-dia de um prisioneiro num campo de concentração com base nas lembranças do próprio autor. Primo Levi suspeita-se tenha cometido suicídio em 1987, caminho semelhante ao avô não nomeado do narrador e de muitos outros sobreviventes de Auschwitz.
Além das ponderações do próprio narrador existem ainda os diários do pai e do avô, escritos em momentos decisivos na vida de ambos são as passagens mais interessantes da obra. O avô passa anos escrevendo verbetes que mostram uma visão de como o mundo deveria ser. O pai, por sua vez abalado desde os 14 anos pelo suicídio de seu antecessor, opta por descrever com passagens curtas sobre como o mundo realmente é.
Não apenas Diário da Queda, mas outros livros de Michel Laub são considerados autobiográficos, levando a questão sobre o que separa pura ficção de algo vivido e escrito pelo autor. Em entrevista à revista alemã Deutsch Welle, ele afirma que todo livro é um tanto autobiográfico, pois o escritor se baseia na própria memória mesmo que para inventar. Contudo, ele reitera que, apesar de sua origem judaica e da narrativa realizada em primeira pessoa, a obra não é sobre si ou sua família.
É correto dizer que o também contista e jornalista gaúcho Michel Laub é um dos atuais nomes de referência da literatura nacional. No livro Diário da Queda, leitura obrigatória do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o autor traz de maneira envolvente uma tragicidade que é convincente em se fazer notar como um dos grandes nomes de sua geração.