O pessimismo cômico e a metalinguagem de Desventuras em Série

Série adaptada dos livros de Lemony Snicket ganha continuação

Caroline Doms

A adaptação dos 13 livros de ficção de Daniel Handler, escritos sob o pseudônimo de Lemony Snicket, ganhou novos episódios na Netflix. Roteirizada pelo próprio escritor, Desventuras em Série traz um aspecto diferente do apresentado no filme. Enquanto este desespera o espectador e aborda de maneira rasa a narrativa dos livros, a série dedica mais tempo a cada livro.  A produção original da Netflix aconselha o público a deixar de assistir os episódios o tempo todo. Isso ocorre porque não há nenhum fato que seja bom na história dos irmãos Baudelaire desde que perderam os seus pais em um incêndio misterioso.


O pessimismo e o sarcasmo são elementos visivelmente presentes no roteiro de Desventuras em Série. Em diversos momentos, o vilão atrapalhado faz da vida dos órfãos um verdadeiro pesadelo, o qual parece que não terá fim. Para concluir seu objetivo de conseguir a fortuna dos Baudelaire, Conde Olaf persegue as três crianças e consegue que a vida delas seja cheia de acontecimentos ruins. Acreditar que os Baudelaire em algum momento vão conseguir viver tranquilamente é uma ilusão. O próprio narrador avisa ao público que isso não vai acontecer e recomenda que pare de assistir antes que algo de ruim aconteça novamente.

Na primeira temporada de Desventuras em Série, Violet (Malina Weissman), Klaus (Louis Hynes) e Sunny Baudelaire (Presley Smith) moraram com diversos tutores que eram amigos de seus pais, mas não eram conhecidos pelos irmãos. Entretanto, a saga do Conde Olaf (Neil Patrick Harris) para conseguir a fortuna dos órfãos faz com que o fim desses tutores seja trágico.

A ideia de crianças inteligentes demais e adultos enganados não muda. Os Baudelaire são engenhosos, até mesmo a pequena Sunny, e sempre tentam escapar das emboscadas do vilão da trama. Mesmo que o disfarce do Conde Olaf seja nítido, apenas as crianças e os membros da C.S.C (Corporação pelo Salvamento das Chamas, a qual os pais dos Baudelaire e o Conde Olaf faziam parte) percebem. Os órfãos desmentem a ideia de que as crianças são as mais inocentes, bobas e que acreditam em qualquer história inventada. Eles mostram que os adultos é que vivem em um mundo de fantasias.

Conde Olaf e alguns dos disfarces que foram percebidos somente pelos Baudelaire e membros da C.S.C

A tensão da série é dobrada na segunda temporada. Mais uma vilã é inserida na narrativa e ajuda o Conde Olaf a capturar os órfãos. Os disfarces dos dois traz um pouco de humor para uma história cheia de desgraça. Ambos são atores na série, e cada disfarce é uma peça de teatro diferente. Além disso, a trupe de figurantes maldosos de Olaf continua o ajudando nas emboscadas ridículas que são planejadas pelo vilão. Diante dessa apresentação dos vilões, a série mostra onde está o humor não escancarado.

Outro aspecto interessante da série é o uso frequente da metalinguagem. Os recados para Beatrice (mãe das crianças protagonistas) antes dos episódios ficam mais claros nesta temporada e fazem o público pensar se a história é ficção ou não. Também é possível perceber que Snicket não é apenas o narrador dos momentos ruins na vida dos Baudelaire, mas que ele faz parte dessa história. Além disso, há diversos momentos em que as cenas atuais fazem referência ao que já foi vivido pelos Baudelaire dentro da série e continuam a desvendar os mistérios da narrativa.

Lemony Snicket recomenda ao público que pare de assistir a série o tempo todo

Além disso, nesta temporada o Conde Olaf repete uma frase clássica de Barney, também interpretado por Neil Patrick Harris na série How I Met Your Mother. Na comédia romântica, que teve a última temporada lançada em 2014, Harris aplicava diversos truques para seduzir garotas, sempre fingindo ser outra pessoa, ter outra carreira, entre outras coisas mirabolantes. Quando Desventuras em Série foi lançada, muitos fãs disseram que o Conde Olaf fazia parte de um dos truques de Barney. Agora, depois da típica frase do personagem, a dúvida se repete.

Easter eggs também são o diferencial desta temporada. Além da fala do Conde Olaf, há diversas referências a filmes, trabalhos anteriores dos atores da narrativa e aos livros que deram origem à série. Capas, nomes e outra produção de Lemony Snicket aparecem em alguns dos 10 episódios da segunda temporada. Entretanto, é preciso prestar bastante atenção para perceber a presença dessas referências.

Por fim, a escolha dos cenários de Desventuras em Série é essencial para compor a narrativa. Tons pastéis, características arquitetônicas que não nos permitem identificar qual época é retratada e a ideia de ambientes escuros, sombrios, que mostram o que a série é: uma comédia com histórias de suspense. A ideia de a série ser roteirizada pelo próprio escritor dos livros que são a inspiração da produção audiovisual foi muito bem elaborada. Desventuras em Série consegue atrair o público com razão, pois há qualidade desde a escolha dos cenários até o conteúdo da série em si.

Um comentário em “O pessimismo cômico e a metalinguagem de Desventuras em Série”

  1. Gosto muito da série mas essa parte “Além disso, nesta temporada o Conde Olaf repete uma frase clássica de Barney” refere-se a qual frase? Adorei o texto. 🙂

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