Lara Ignezli e Maria Carolina Gonzalez
1994 foi um ano de altos e baixos para a música. O maior baque foi com certeza a morte de Kurt Cobain, no dia 5 de abril, com apenas 27 anos. O líder do Nirvana não tirou apenas a própria vida após apertar o gatilho daquela espingarda, mas levou consigo toda a glória e entusiasmo que o grunge prometia para os anos 90. Mas claro que o show deve continuar. Enquanto a música americana ainda sentia a perda de Cobain, do outro lado do oceano, cinco desgraçados de Manchester berravam que seriam estrelas do rock ‘n’ roll.
Dizem que tudo tem um lugar certo e uma hora exata, e para o Oasis o melhor momento foi em 29 de agosto de 1994. O álbum de estreia da banda, Definitely Maybe, chegava como um furacão para consagrar Liam e Noel Gallagher – sem exageros – como salvadores do rock.
Os irmãos Gallagher, juntamente com Paul “Bonehead” Arthurs, Paul “Guigsy” McGuigan e Tony McCarroll conseguiram um terreno fértil na terra da rainha, onde as guitarras estavam em falta desde o final dos anos 1970. O tom melancólico e letras introspectivas eram garantia de sucesso para quem se arriscasse no rock americano e o Oasis enfrentou esse cenário com músicas cativantes, dando a força que o Britpop precisava.
Três décadas do melhor da música britânica foram essenciais para o Definitely Maybe vingar e trazer de volta a soberania que o grunge ainda gozava. A primeira prova ocorreu em abril de 94, alguns meses antes do álbum sair, quando “Supersonic” foi lançada para explodir nas rádios e mostrar que o rock inglês ainda era potente e incendiário.
A promessa de Definitely Maybe
O Definitely Maybe soa como um aquecimento, como uma leve introdução para a grandiosidade atingida no segundo álbum gravado pela banda no ano seguinte, o (What’s the story) Morning Glory?. Apesar disso, é um ótimo primeiro álbum.
As faixas desorganizadas transparecem a personalidade explosiva que vai ser, eternamente, o traço marcante das composições da banda. É uma concretização do ego inflado dos integrantes do Oasis, que diz “Olha, se você der uma guitarra e um microfone pra gente, a gente vai mostrar como é que faz música.”.
É seguro dizer que “Live Forever” se tornou uma premonição do futuro. Foi o seu lançamento que alcançou o 10º lugar no UK single charts no ano de estreia (1994), o 2º lugar na categoria Alternative songs e o 10º na categoria Mainstream Rock Tracks da Billboard no ano seguinte (1995). Foi com o single que o grupo entrou na história para viver para sempre.
Durante a produção do Definitely Maybe muito obstáculos foram encontrados, sendo o maior deles a teimosia da Noel Gallagher. Noel queria que a obra soasse exatamente como o som ao vivo que eles faziam, e por isso a primeira versão sem sal do álbum foi descartada e eles tiveram que regravar tudo do zero.
Na segunda versão, todos os músicos tocavam seus instrumentos juntos no estúdio, sem as comuns gravações separadas. Dando um toque final, Noel adicionou vários overdubs às músicas. E ainda não tinha ficado satisfatório. Foi só na terceira tentativa desesperada que o engenheiro de som Owen Morris fez um trabalho de mixagem maestral (e tirou todos os overdubs de Noel) e o álbum finalmente saiu, transmitindo a energia esperada pelos integrantes da banda.
Com o álbum de estreia, o Oasis se apresentava para o mundo como uma aposta para o futuro. Grandes músicas como “Supersonic”, “Cigarettes and Alcohol” e “Rock ‘n’ Roll Star” não atingiram o topo das paradas, mas deixaram o ouvido do público atento para o que vinha pela frente.
Durante mais de uma década, o Definitely Maybe foi o álbum de estreia detentor do recorde de vendas mais rápidas do Reino Unido, sendo desbancado em 2006 pelo Whatever People Say I am, That’s What I’m Not do Arctic Monkeys.
A rivalidade com o Blur (quem são esses, mesmo?)
Os irmãos Gallagher tiveram que dividir o protagonismo do renascimento do rock inglês com a banda (então já consagrada) Blur. Em 94, quando o Oasis estreava com o Definitely Maybe, Blur já lançava seu terceiro álbum de estúdio, o Parklife. Ambos atingiram as paradas de sucesso britânica, mas o público internacional aclamou e consagrou, definitivamente, o primeiro.
A imprensa começou então a fomentar uma rivalidade que nem era tão verdadeira nessa época, e os irmãos mais encrenqueiros do cenário da música não perderam a oportunidade de unir forças para derrotar o inimigo em comum, e vocalista da banda rival, Damon Albarn.
Apesar de dividirem o gênero musical, os contextos em que as duas bandas foram criadas eram completamente antagonistas. Isso influenciou muito na produção das músicas de cada um.
Oasis nasceu na garagem de dois irmãos da classe operária. Noel e Liam sofreram consequências severas do divórcio dos pais enquanto ainda eram jovens. Falta de dinheiro, uso de drogas e abusos verbais eram coisas comuns na vida dos irmãos, que nunca foram devidamente apresentados ao conceito de regras.
Noel escrevia músicas como catarse para fugir da realidade problemática, enquanto Liam apostou todas as fichas como vocalista para alcançar a tão sonhada fama. Eles viviam de música porque era tudo que lhes restava. Por isso, o Oasis é a verdade nua e crua de seus integrantes, suas personalidades instrumentalizadas. E só isso. E tudo isso.
Por outro lado, Blur se apoiava na bagagem artística acadêmica de seus integrantes, que faziam parte da classe média britânica. Damon Albarn nasceu em uma família envolvida com o mundo da arte, começou uma faculdade de teatro e trabalhou como assistente em um estúdio musical.
Ainda na escola Damon conheceu Graham Coxon, com quem formou outras duas bandas que fracassaram antes do Blur. Entre as tentativas, os membros se dedicaram a outros projetos e a outras profissões, até que conseguiram assinar um contrato com uma gravadora. A música para o Blur era algo estudado, embasado e conceituado por um background escolarizado.
Os caminhos das duas bandas se encontraram definitivamente em 95, quando Blur antecipou o lançamento do single “Country House” para coincidir com a estreia do single “Roll With It” do Oasis, além de vender a música pela metade do preço. A estratégia deu certo e “Country House” vendeu 58.000 cópias a mais.
Depois disso, a briga ficou bem ridícula, considerando o sucesso absoluto de Oasis. Em 2007, Noel participou de “We’ve Got The Power”, uma música da banda que Damon Albarn faz parte atualmente, Gorillaz. Nessa época, Liam fez questão de comentar a parceria em entrevistas, usando um palavreado não muito adequado para um texto de crítica cultural.
A melhor e a pior coisa sobre Oasis
Não é surpresa para ninguém que a relação dos irmãos Gallagher foi a maior benção que a banda recebeu, e também a pior maldição. Liam montou uma banda para mostrar ao irmão como ele também conseguia fazer música, enquanto implorava para que Noel fizesse parte do seu projeto.
Como em todos os outros aspectos de suas vidas, no âmbito musical eles também são inversamente proporcionais. O irmão mais velho é tímido, introspectivo, um ótimo compositor e apaixonado completamente pelos seus instrumentos. O mais novo é expansivo, não mede quantidade de palavras, tem uma presença de palco marcante e só quer saber de ser famoso.
Juntos, eles não se cancelam. Eles se complementam. Noel entrega as palavras que Liam parece tão desesperado para cantar, enquanto Liam entrega a atitude que Noel nunca conseguiu encontrar para cantá-las ele mesmo.
Desde o primeiro álbum cada um conseguiu exatamente o que queria do outro, com muitas brigas e muitas guitarras quebradas. Apesar de tornar a convivência impossível para o restante dos integrantes da banda, é inegável que a relação dos irmãos Gallagher foi o gás que levou Oasis para o topo.
É absolutamente repugnante assistir à qualquer afirmação que Liam já fez sobre o Noel e vice-versa. Até hoje, sempre que aparece uma oportunidade, os dois se atacam com os xingamentos mais absurdos e chulos. O mistério é como a banda durou até 2009.
Por isso que o Definitely Maybe ainda carrega seu triunfo 25 anos depois. A energia excitante do álbum relembra um repertório que ainda não estava manchado pelo ego dos Gallaghers. O Oasis – como banda de verdade – durou só até 1997, com o lançamento do Be Here Now já que os outros álbuns foram descartados pela pirraça das duas maiores estrelas do grupo. Uma pena. Talvez o Oasis poderia ter vivido para sempre. Eu disse talvez.