Thunderbolts* busca a morte do cinema de herói, mas a Marvel não aceita

O cenário é um elevador, com cinco personagens enquadrados. À esquerda está o Guardião Vermelho, ele está usando o uniforme e o capacete vermelho. Logo atrás dele está Fantasma usando roupas pretas, e com o rosto descoberto. Seu cabelo está caindo na altura dos ombros. Ao seu lado direito está o Soldado Invernal com um rosto sério, cabelo repartido e usando roupas pretas. Ao seu lado está o Agente Americano, ele está com seu uniforme azul, com partes em branco e vermelho em referência à bandeira dos Estados Unidos. Ele usa uma máscara, também azul. A sua frente, do lado direito da tela está Yelena, com seu cabelo loiro repartido e seu uniforme acinzentado.
Os Thunderbolts são os novos Vingadores (Foto: Marvel)

Guilherme Moraes

Próximo ao novo filme dos Vingadores, o grupo de anti-heróis, liderados por Yelena (Florence Pugh), chega para suprir a ausência de figuras marcantes do UCM (Universo Cinematográfico Marvel), como a Viúva Negra, o Homem de Ferro, o Capitão América, entre outros. Contudo, surpreendentemente, o longa não se conforma em ser apenas uma peça que alimenta a cultura do hype, ele, ao menos, busca ser uma obra audiovisual, com ideias e que pensa em sua forma. Nesse sentido, Thunderbolts* intriga ao propor a morte do cinema de heróis, porém, é boicotado pela própria Marvel.

Após Vingadores: Ultimato (2019), o esgotamento do gênero ficou cada vez mais evidente. Surgiram obras debochadas como The Boys (2019) e outras que ganharam espaço até mesmo dentro da Marvel e DC. Desde que a trilogia Batman, de Christopher Nolan, e a primeira fase da Saga do Infinito fizeram sucesso, essas produções perderam suas cores, viraram mais realistas e se escoram em outros gêneros para se revestirem de mais sérios. Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) é um clássico filme policial, mas protagonizado pelo morcego e, Homem de Ferro (2008) é uma ação muito mais próxima de Rambo (1982) e Duro de Matar (1988) do que Superman (1978). Nesse contexto, Thunderbolts* aparece para tentar decretar a morte desta maneira sóbria que o universo das HQs adotou para as telas.

O cenário é de uma cabana velha. Na esquerda estão o Guardião Vermelho, uniformizado, mas sem capacete, e Fantasma. Ambos estão sentados em um banco. Em outro banco, mas do lado direito estão Yelena e Agente Americano, que também está uniformizado, mas sem capacete.
Yelena retorna como a nova Viúva Negra (Foto: Marvel)

Talvez seja o longa que melhor representa o que é um anti-herói. Deadpool é sempre associado a este arquétipo, por ser um personagem que mata os vilões, que se porta como descompromissado e decide fazer o que é certo, por motivos egoístas. Esta equipe é diferente. Viúva Negra – no caso, Yelena –, Guardião Vermelho (David Harbour), Soldado Invernal (Sebastian Stan), Agente Americano (Wyatt Russel) e Fantasma (Hannah-John Kamen) formam um time de defensores em crise. Seus problemas não são tão diferentes dos clássicos paladinos fantasiados, todavia, o jeito como lidam com eles os torna distintos. Cada um perdeu seu senso de propósito: são deprimentes, sozinhos e patéticos. 

Não voam ou saltam até a grande batalha, chegam por meio do elevador; não lutam até a morte como o Capitão América, são derrotados com facilidade e saem correndo com o rabo entre as pernas. Nesse sentido, a inspiração na A24, muito lembrada por seus dramas psicológicos –,  muitos profissionais que trabalharam na empresa fazem parte da produção de Thunderbolts* – funciona bem ao lidar com a psique dessas figuras. É a representação do estado catatônico em que se encontra o cinema de herói. É uma das poucas vezes em que os tons cinzentos da Marvel não são totalmente vazios. A fotografia sem vida presente na estética do UCM, nas mãos de Andrew Droz Palermo, finalmente encontra um propósito e fortalece a narrativa, combinando a condição mental dos personagens e do gênero com a ausência de cores.

Chama a atenção como Thunderbolts* entende que as obras do universo estão todas presas uma na outra, necessitando que sejam sempre coesas e sigam um estilo muito parecido e retirando-lhes a liberdade criativa. Dentro deste contexto, o vilão Sentinela (Lewis Pullman) funciona quase como uma metáfora. É um dos seres mais poderosos da Marvel, com uma fantasia amarela bem forte, contudo, ele é extremamente controlado, sua primeira aparição é anticlimática e seu uniforme, apesar de amarelado, não tem vida. O momento em que adquire liberdade é quando ‘morre’ e vira verdadeiramente um antagonista. Ele perde qualquer mínima cor que tinha, se torna uma persona sem rosto e totalmente escurecido, com o poder de transformar tudo em sombras. Sua morte permite seu renascimento como algo diferente, porém, sem uma definição exata do que irá se tornar.

O cenário é de um laboratório. Seis personagens estão enquadrados. Na esquerda, ao fundo, está a Fantasma, na sua frente está Bob, com uma blusa azul e uma calça marrom. Mais ao fundo está o Agente Americano, uniformizado, sem capacete. Mais a direita está o Guardião Vermelho, também todo uniformizado e sem capacete. Mais a sua frente está Yelena, com suas roupas cinzas, e ao seu lado está o Soldado Invernal, com uma camisa preta e seu braço esquerdo mecânico aparente.
Thunderbolts* é o último filme da fase 5 da Marvel (Foto: Marvel)

Não é por acaso que o universo retorna a Nova Iorque e à torre dos Vingadores. Ainda que algumas histórias se passem na cidade que nunca dorme, desde a primeira fase do MCU (Marvel Cinematographic Universe), com Os Vingadores (2012), a concorrente da DC Comics não lida com a metrópole como um personagem, ou como um palco para grandes acontecimentos. Nesse sentido, o retorno se torna mais forte, pois olha para si e entende o desgaste das obras nas fases quatro  e cinco. O grande prédio do grupo de heróis está cinzento. Não existem mais defensores, é o fim dos Vingadores. Se no final da fase um ele ganha vitalidade a partir da formação do grupo, agora sua aparência é desesperançosa e vazia por dentro. Entretanto, esta construção é jogada fora ao declará-los como os sucessores dos defensores da Terra. Se Thunderbolts* busca o fim para que o cinema de herói seja reimaginado, a Marvel resiste, não se arrisca e tenta continuar lucrando.

Florence Pugh é a grande força do longa, ditando o tom melancólico sem roubar para si a encenação. Ela é cativante, até mesmo em um papel triste, cabisbaixo e limitado, provando, de novo, ser uma das grandes atrizes da nova geração hollywoodiana. Todavia, David Harbour vai para o caminho oposto, estando totalmente fora de sintonia. Seu personagem concentra um dos maiores defeitos das produções do UCM: as piadinhas para quebrar o drama. A dramaticidade não é uma necessidade, porém, é incômodo como fazem isso com o intuito de evitar o amadurecimento. O público que começou a acompanhar em 2008, cresceu, no entanto, os filmes continuam infantis, incluindo os +18, que, tem uma linguagem imprópria e fazem apologias sexuais, mas continuam abordando seus temas e utilizando deste vocabulário mais adulto de forma pueril, como a trilogia Deadpool.

Thunderbolts* foi uma grata surpresa nesse mar de obras pouco imaginativas. Não que este seja um projeto autoral – sua própria inspiração na A24 demonstra essa criatividade fajuta –, contudo, tenta ao menos criar algo, minimamente próprio, com ideias e, ainda por cima, bem executadas no geral. O grande problema é que a própria empresa boicota a fita devido aos mesmos defeitos de sempre, como as piadinhas, as referências, as cenas pós-créditos, as ‘sacadinhas’ e as indicações de algo que será desenvolvido em outro momento. Ou seja, mesmo que a película tenha sido realmente boa, o futuro não tende a ser muito esperançoso, porque a ruptura proposta não aparenta ter efeito algum. A Marvel está em um ciclo sem fim, cada vez menos inventivo e não se importa com isso.

Thunderbolts* | Trailer Oficial 5 Dublado

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