Em Melodrama, Lorde dança com a tristeza

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Lorde cresceu e está cheia de histórias tristes, eufóricas e coloridas pra contar: que Melodrama seja só a primeira de muitas outras (Foto: Universal Music New Zealand Limited)

Leonardo Teixeira

Na madrugada de seu aniversário de 20 anos, Lorde publicou uma carta aberta para seus fãs. Matando a jovem introvertida e quase blasé que surgiu em 2013 e pondo-a num “mausoléu adolescente”, Ella Marija Lani Yelich-O’Connor descrevia os últimos tempos como cruciais para a novíssima pessoa que o mundo estava prestes a conhecer. “Pure Heroine foi o meu jeito de consagrar a nossa glória adolescente, iluminando-a para sempre para que essa parte de mim nunca morra, e esse álbum — bem, este é sobre o que vem depois”.

De fato, há muito de diferente na vida da neozelandesa desde o lançamento de seu primeiro álbum. Mudou-se para Nova York, terminou um namoro e, segundo ela, entrou na vida adulta. Melodrama é o retrato da artista que, sozinha num mundo novo que criou para si, cresceu, mas ainda tem muito que amadurecer.

De Beck a Adele, passando por Kanye West, a indústria já provou que veste muito bem a carapuça do sofrimento pós-término. Aqui, Lorde aproveita-se do terreno amigável — muito diferente da artista de anos atrás, que tinha a crítica à música pop radiofônica como um dos temas principais de suas composições — para desenrolar a narrativa de uma festa, conceito que funciona em diversos níveis, o coração partido sendo um deles.

Transferindo a avidez do desejo desesperado por novos começos para batidas electropop, Green Light abre o álbum e representa a persona que sua compositora quer mostrar para o público: intensa e exagerada. Seguindo a fórmula usada por Robyn na confecção do impecável Body Talk (2011), a dor de cotovelo aqui ganha aspecto mais cru através do lirismo afiado de Lorde, que em seu segundo trabalho pega pesado em uma espécie de fusão temática entre euforia e solidão.

Diferente do que presumiam os fãs menos otimistas, a assimilação feita das músicas presentes atualmente nas rádios não causa prejuízo nenhum. A capacidade que a intérprete de Royals tem de evocar cores em sua mente a partir de sons (sinestesia) enriquece a sonoridade do álbum, enquanto a co-produção com Jack Antonoff (creditado no estouradíssimo 1989, de Taylor Swift) soma ao combo a efervescência e o frescor necessários.

Além disso, os temas difíceis são oportunidades perfeitas para Lorde apresentar nuances inéditas de sua voz, indo além do minimalismo do álbum anterior. A raiva causada pela condescendência e pelo abandono, a sensação de sentir-se pequeno em relação às pessoas por quem nos permitimos ser vulneráveis, a desonestidade emocional característica da geração atual e o otimismo por tempos melhores são expressos com o exagero necessário, rendendo momentos como Liability e Writer In The Dark, que rememoram a grandiosidade vocal de Kate Bush e ANOHNI (vocalista da banda de artpop Antony and the Johnsons).

Ao elevar o peso dramático de suas letras e sonoridade a níveis estratosféricos, a cantora deixa claro que esses sentimentos, ainda que tão intensos, são temporários. O exagero aqui serve como limitação temática, uma forma de explicitar a efemeridade da fossa e da juventude. Tendo conhecido as cores da vida adulta, Lorde quer mesmo é ser melodramática enquanto pode.

Foi essa permissão, inclusive, que possibilitou o engavetamento da persona apática e madura demais para a própria idade apresentada em Pure Heroine. A artista teve que passar por situações comuns a muita gente, como um coração partido e sair da casa dos pais, para entender que ela não era tão “diferentona” quanto pensava.

Pintada pelo americano Sam McKinniss, a capa de Melodrama é a perfeita representação do lugar em que a artista se encontra atualmente, representando Ella sob a luz de um dia que começa, depois de uma noite de festa. A cantora parece estar feliz sendo quem é atualmente, sentindo-se pertencente às imaturidades da época em que sua vida se encontra.

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Poxa, crush!: óleo sobre tela pintado pelo artista queer nova-iorquino Sam McKinn (Foto: Universal Musical New Zealand Limited)

Perfect Places, canção de fechamento, remonta esse sentimento, encerrando o álbum sob um clima melancólico e exaltando a juventude e a autodescoberta. De certa forma, a “glória adolescente” continua presente na obra da artista, ainda que a idealização da mocidade e incentivo aos excessos presentes na faixa vão de encontro com as reflexões espinhosas de hits anteriores, como Tennis Court.

Ao expandir o olhar e permitir que uma vasta paleta de cores fosse incorporada em seu trabalho, Lorde nos deu a oportunidade de conhecer uma personalidade multifacetada, intensa e humana que, apesar dos percalços, vem carregada de entusiasmo pelo futuro.

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