Rapper lança seu quarto autoral com referências do samba raiz e critica a atual política brasileira
Heloísa Manduca
No dia 28 de abril, o rapper Criolo lançou seu mais recente trabalho. O novo disco leva como título Espiral de Ilusão. Agora, com uma pegada totalmente nova, trouxe todas as faixas em ritmo de samba. Bem, pensando melhor, o ritmo não foi tão inédito assim; o que foi surpreendente é o fato de todas as 10 faixas do álbum se basearem nele.
Ao longo da carreira do cantor, o samba já havia aparecido em outros trabalhos. Em Nó na Orelha (2011), a faixa “Linha de Frente”, já anunciava essa influência. Em 2014, a cuíca também gemeu em “Fermento pra massa”, no álbum Convoque seu Buda. Dois anos depois, gravou a canção inédita de Adoniran Barbosa “Até Amanhã”, para um álbum especial em homenagem ao paulista. O DVD levou o título Se soprar, posso acender de novo, organizado pelo produtor Cássio Pardini. Cássio encontrou canções inéditas de Adoniran enquanto fazia um documentário celebrando os 100 anos do samba.
Ainda pequeno, a história de vida de Criolo foi ditada por surdo e tamborim. Sua mãe, Dona Maria Vilani, já cantarolava para o filho canções de Cartola, Martinho da Vila, Chico Buarque, entre modas de viola, forró e serestas dos anos 60. A paixão e o desejo de cantar como ela eram antigos, e se concretizaram em Espiral de Ilusão.
Ao procurar no dicionário o significado de espiral, encontra-se: “uma linha curva que se desenrola num plano de modo regular a partir de um ponto“. Assim, o ponto em questão seria o samba? E a espiral, essa louca vontade de Criolo que desde sempre quis gravar um álbum completo só com ele? É, talvez o rapper tenha perdido só agora essa ilusão de que a ideia nunca daria certo – pelo contrário.
Assim, o espiral também pode se caracterizar por esse vai e vem de subgêneros do ritmo que o rapper faz. O músico consegue, com ginga e talento, reunir uma grande quantidade de referências, que vão desde samba de breque, afro-samba até o xaxado e o samba de roda, em seu novo projeto.
O rapper traz junto com as melodias um combo de letras críticas, que já são sua marca registrada. Logo no primeiro single, “Menino mimado” há uma forte crítica a todas àquelas pessoas que quando se deparam com alguém pelas ruas, julgam e a desmerecem sem levar em conta a história de vida daquele ser. Dizendo, então, que o indivíduo não é merecedor do lugar que está. Criolo nos propõe a olhar com outros olhos. Que tal parar de julgar e refletir? Que tal parar de julgar e parar para ajudar?
Essa música ainda configura uma potente crítica política remetendo aos atuais governantes do Brasil. Ao dizer “Este abismo social requer atenção / Foco, força e fé, já falou meu irmão / Meninos mimados não podem reger a nação“, se refere ao prefeito de São Paulo, João Dória, que pouco contato fez com a população. Pelo contrário, impôs distância: como, por exemplo, no episódio que transformou os muros antes cheios de expressão de arte popular, em grandes cinzentos.
Aqui, cabe também uma referência que expressa o distanciamento do presidente da República, Michel Temer, com os seus governados. Tal como na faixa “Cria de Favela”: “Eu vivo a sofrer/ me aposentar só depois de morrer“, um protesto irônico contra a Reforma da Previdência Social. Ele diz o que todos estamos sentindo.
Ainda continua: “É gente da alta na papelaria/ Delação premiada jogo de poder/ E se for pra rua tentam me deter“. Nas últimas semanas pudemos acompanhar mais um caso de agressão da polícia militar contra o estudante que lutava pelos seus direitos. Matheus Ferreira da Silva foi espancado enquanto se manifestava contra as Reformas da Previdência e Trabalhista. Matheus foi detido por lutar pelos seus direitos sociais.
E nesta toada o disco continua. Com temática um pouco mais leve, Criolo fala de amores e desamores, como em “Dilúvio de Solidão”: “Chove dentro de mim/ um dilúvio de solidão/ não dei valor ao meu tesouro“. Trazendo um pouco de Paulinho da Viola na melancolia e no lirismo dos versos, dedicados a essa mulher amada que abandonou o lar.
Um ponto importante a ser ressaltado é a mudança de pensamento de Criolo em relação às mulheres. No disco lançado em 2011, especificamente na faixa “Subirusdoistiozin” ele cantou: “as vadias quer, mas nunca vão subir“. Hoje, abandonou o machismo e exalta dizendo: “Mulher tem fibra não vá destruir“. Redimido, ele mostra que não se envergonha desse novo olhar. O rapper ainda traz a participação feminina no disco de maneira nostálgica. Três vozes em coro compostas por Martinha Soares, Naloana Lima e Naruma Costa, fazem alusão às pastoras da velha guarda.
Em outra faixa do disco, conseguimos perceber o dengo do muso inspirador do rapper, o consagrado Martinho da Vila. Em “Lá vem Você”, o single faz referência à música “Meu Laiaraiá” do sambista. Já em “Filha do Maneco”, traz à tona o samba de breque popularmente conhecido na voz de Moreira da Silva, mas em uma gravação tendendo ao clima de samba choro. E, por fim, encerrando o disco, “Cria da Favela” funde ritmos nordestinos: uma confusão de xaxado com forró e maracatu se mistura à voz do artista.
A verdade é que Kleber Cavalcante Gomes ousou em seu novo trabalho, resgatando as raízes do samba. Os apreciadores que estavam esperando por mais hip-hop no estilo Criolo foram surpreendidos e por outro lado, os seguidores conservadores ficaram um tanto sem chão. Uma recepção controversa que dividiu gostos: ainda que o nosso país seja conhecido tradicionalmente pelo público do ‘samba e futebol’, nem todos foram contemplados pelo novo projeto de Criolo.