Ana Laura Ferreira
Tendo como plano de fundo o cenário underground da Londres dos anos 1970, somos apresentados a um universo onde a ficção científica e o Punk Rock se conectam. Temos Como Falar Com Garotas Em Festas, obra inspirada no homônimo conto de Neil Gaiman. O longa narra uma viagem intergaláctica e poética sobre como o autor entende as mulheres. E, assim como em Deuses Americanos – série que chegou a sua segunda temporada em março -, Gaiman constrói um novo e maravilhoso mundo.
Somos apresentados a Enn (Alex Sharp), um tímido garoto inglês que é convencido por seus amigos a desfrutar da possibilidades que a cidade oferece. Desejando conquistar garotas, eles acabam em uma festa muito peculiar com pessoas que parecem ter vindo de outro planeta. Lá, ele conhece Zan (Elle Fanning) que, com toda sua individualidade e beleza o conquista, apesar de seu estranho modo de agir e falar. Elle Fanning é o grande destaque do filme, com uma atuação que transita entre a serenidade e a completa loucura naturalmente, dando um quê de singular à protagonista.
Durante pouco mais de uma hora e meia conhecemos personagens profundos que passam verdade em seus sentimentos e ações. Graças a um roteiro simplista, cheio de clichês, e a uma direção de fotografia que utiliza muito de planos fechados para acentuar a estranheza, acabamos tendo toda nossa atenção voltada para os protagonistas e sua interação.
Os tons frios que o filme explora trazem para o longa uma estética agressiva que combina muito bem com a temática punk, enquanto contrasta com as cores fortes e vívidas dos visitantes. A paleta de cores neon, associadas aos alienígenas, elucidam um ar futurista, moderno e principalmente esquisito ao se fundirem com as bizarras roupas de vinil.
O argumento do filme parte de uma das grandes dúvidas do homem: entender a mente feminina e o seu funcionamento. Como Falar Com Garotas Em Festas desenvolve a relação entre seus dois personagens principais mostrando essa temática tão recorrente com uma linguagem própria. O diretor John Cameron Mitchell constrói uma diferente linha narrativa, invertendo os papéis da mocinha indefesa e do herói. Fazendo, assim, de seus protagonistas a perfeita mistura entre ambos.
Apesar de parecer, em um primeiro momento, extremamente bizarro, o roteiro, assim como as atuações, se encaixam perfeitamente no tema de modo a trazer naturalidade para a trama. Elle Fanning e Alex Sharp transmitem uma relação espontânea e genuína, agregando um aspecto orgânico ao filme. E mesmo abordando assuntos tão divergentes, sua estética e seu nível de esquisitice deixam nítidas a influência do polêmico clássico Laranja Mecânica de Stanley Kubrick.
É fácil notar como o longa também se inspirou em grandes astros da música inglesa da década de 1970 como os Sex Pistols. Em pontas opostas, um cenário punk, com roupas pretas desfiadas, cabelos coloridos e espetados de um jeito muito particular. Contrapondo os extraterrestres, com suas roupas esquisitas e penteados diferente, associados a lenda da música David Bowie.
Porém, mesmo não contando com Bowie em sua trilha sonora, as músicas do filme completam sua personalidade. Reafirmando a estética agressiva do punk rock, ela apresenta um clima enérgico e provocante que contrasta com o romance narrado no plano maior. O filme toca músicas de grandes bandas como The Damned e The Velvet Underground.
Além de uma mixagem de som notável e de uma extraordinária direção de arte, o filme ainda propaga um forte discurso social, refletindo sobre o modo falho em que a sociedade se organiza. Em muitos momentos da trama, a personagem Zan é lembrada de que dentro de sua colônia a individualidade é essencial. Porém, quando esta tenta ir em busca de novas experiências que a façam singular, ela é rapidamente barrada, numa analogia direta ao que vivemos nos dias de hoje – no qual o diferente é legal, desde que esteja dentro dos padrões impostos.
Entretanto, apesar de suas qualidades, Como Falar Com Garotas Em Festas não é perfeito. Algumas brechas e facilitações na trama atrapalham seu andamento que, na maior parte do tempo, segue uma fluidez. O filme peca mesmo em não dar importância suficiente a seus personagens secundários. O principal exemplo seria Queen Boadicea, interpretada por Nicole Kidman.
Ela nos é apresentada como uma mulher forte e poderosa, mas que no fundo se sente frustrada e sozinha. Em um mundo ideal Boadicea teria mais tempo de tela ou, ao menos, um roteiro que se importasse com seu desenvolvimento. Mas, assim como muitos outros personagens, ela parece descartável para a narrativa central.
Como uma grande metáfora, Como Falar Com Garotas Em Festas brinca com as galáxias que separam os gêneros e, mesmo distantes, como elas se conectam tão profundamente. Seu final estimula a reflexão. Uma bela, bizarra e cósmica poesia. Assim, parafraseando o próprio Gaiman em seu conto, temos a grande definição do filme: “elas são apenas garotas, não vêm de outro planeta”.