Ana Laura Ferreira
A arte pode ser dividida em sete pilares principais, sendo eles música, teatro, pintura, escultura, arquitetura, literatura e cinema. Porém, quando uma obra migra de um pilar para outro, partes de sua forma e beleza podem acabar se perdendo pelo caminho, resultando em um verdadeiro desastre. Desengonçado, mal dirigido e esteticamente medonho, Cats chegou aos cinemas do país como um presente de natal de mal gosto. Importado dos palcos da Broadway, o longa é a maior decepção de 2019.
Dirigido por Tom Hooper – de Os Miseráveis (2012), Garota Dinamarquesa (2015) e O Discurso do Rei (2010) – e protagonizado pela estreante Francesca Hayward, acompanhamos a chegada da gata Victória ao beco londrino comandado pelos Jellicle Cats, coincidentemente na noite do aguardado Jellicle Ball. Noite essa em que o gato que mais agradar a líder do Grupo, Old Deuteronomy (Judi Dench), irá ascender para uma nova e boa vida. Apesar do currículo recheado de grandes sucessos, a aparente emoção do diretor se tornou seu ponto cego, levando a história a um beco sem saída.
A devoção a famosa peça culminou em sua simples reprodução em forma de longa metragem. Mal adaptado, o roteiro migra do teatro para a tela sem fazer as devidas alterações para que a história funcione apropriadamente na nova mídia. Plano e sem vida, o filme parece apenas gravar uma sessão da peça, criando a ilusão de planos chapados e com pouca presença. E mesmo com o movimento frenético da câmera, que aparenta querer “ver” tudo e todos ao mesmo tempo, a impressão de um falso cenário sem profundidade se mantém.
Entretanto, o roteiro mal adaptado não é o único defeito do filme, muito menos o pior. Essa posição foi tomada por seu medonho visual, digno de pesadelos. Para o longa, uma nova tecnologia de captação dos movimentos dos atores foi desenvolvida, com o objetivo de manter fielmente seus traços naturais. Infelizmente um visual humanoide não caiu muito bem. Desde seu trailer, Cats vinha recebendo duras críticas por conta de sua estética e mesmo com mudanças continuou desastroso.
Com cara de gente, mãos e pés humanos, mas orelhas, cauda e pelos de gato por todo o corpo, não se criou um visual agradável. Em um primeiro momento, a estranheza domina, seguida por um incômodo que dura todo o longa. Graças a nova tecnologia de captação, os movimentos dos atores parecem animados e computadorizados, tirando a humanidade do que poderiam ser belíssimas cenas de dança. Entretanto, o mais estranho talvez seja a desconexão entre o corpo e a cabeça dos personagens, que aparenta estar flutuando durante toda a história.
Outro ponto visualmente negativo é a indefinida proporção que o longa adere. A ideia de fazer com que os atores aparentassem ter o tamanho de felinos reais, criando um cenário muito maior, era ótima, se essa noção se mantivesse. Há momentos em que os personagens aparentam ter o tamanho de gatos, hora o tamanho de humanos e hora estão tão pequenos que até um rato seria maior. Sua duvidosa escolha estética cria um universo sem textura ou senso de real. Realismo este que não seria necessário caso Cats optasse por seguir a as maquiagens propostas em sua peça teatral. Porém, essa é a única e mais infeliz mudança entre a obra original e o filme.
Nem mesmo um elenco experiente e renomado foi capaz de salvar o longa. Isso porque grandes astros do cinema com a premiada Judi Dench tem sua atuação estereotipada pelo falho CGI. Uma boca que se movimenta com estranheza ou um olhar que não consegue transmitir emoção por conta de sua aparência artificial e então todo o laço que poderíamos criar está perdido. Sua falta de naturalidade repele até mesmo o espectador mais aberto a essa experiência.
Mas nem tudo está perdido. Apesar de ser visualmente assustador, o longa consegue passar emoção com suas músicas importadas dos palcos da Broadway – caso o assista de olhos vendados. Brilhantemente interpretadas por nomes como Jennifer Hudson, Ian McKellen e Taylor Swift, a trilha sonora é seu ponto mais forte. Sendo quase que todo cantado, os poucos diálogos contam uma uma certa poesia e musicalidade, mantendo o lirismo por toda a narrativa.
Cats foi um dos filmes mais aguardados do ano. Esquecível, feio e sem vida, o longa decepcionou seus espectadores ao prometer a magia, a paixão e a emoção da peça teatral e entregar uma ‘imitação’ cara e sem propósito. Suas músicas talvez sejam a única coisa realmente boa que ele apresenta, como também a única fonte de comoção. Então, a não ser que esteja disposto a passar por essa torturante experiência, não assista Cats.